É possível a qualquer cidadão ter acesso a um dos últimos discursos do saudoso Senador Jéferson Peres (PDT-AM) no youtube, discurso esse, realizado na Tribuna do Senado no dia 30 de agosto de 2006. Gostaria de transcrever apenas a introdução desse memorável discurso:
“Senhor Presidente, senhoras e senhores senadores, depois de uma longa ausência de algumas semanas volto a esta tribuna para manifestar o meu desalento com a vida pública deste país, eu gostaria de estar aqui discutindo, como fez o Senador José Jorge, a respeito das riquezas do Brasil, com as quais ele tanto se preocupa e não como falarei de algo muito pior: que é a Dilapidação do Capital Ético desse país”.
Infelizmente Jéferson Peres viria a morrer no dia 28 de março de 2008. Sua morte fez com que o comentarista Arnaldo Jabour (Jornal da Globo) expressasse a seguinte opinião: “Morreu hoje a ética! Jéferson Peres, assim como alguns poucos homens públicos desse país, foi o exemplo de que é possível realizar política de qualidade e com honestidade”.
Hoje em dia, muito se fala em crise da ética. Os progressos da técnica, as descobertas da ciência, as ideologias políticas levaram de roldão os princípios de ordem e as forças de ordenamento que, por séculos, guiaram com a majestade de fins e virtudes éticos, morais e religiosos, a dignidade das ações e reações de indivíduos e grupos, de poderes e instituições. Por toda parte, se instala cada vez mais a ordem da desordem. E ainda não é tudo. Nossa situação atual é bem mais grave. Não vivemos apenas uma crise de ética. Vivemos a radicalidade da crise. Na radicalização de contestar tudo e rejeitar todos, reside toda a nossa ética. A crise não é somente de regras, de parâmetros e padrões. É crise de princípios. O atropelamento da ética não subtrai apenas valores nem retira somente virtudes. Impossibilita qualquer valoração ou juízo de valor. Não se trata somente de trocar modelos, de por o comportamento em novas bases nem de dar às ações e à conduta outra fundamentação. A crise é tão radical que temos a necessidade da ética, e não apenas de uma nova ética, à flor da pele.
Nos dias de hoje, já não basta produzir os bens de satisfação. É imperioso, sobretudo, produzir as necessidades. Nada pode ficar de fora. A ciranda é uma só: deve-se produzir mais, para lucrar mais, para investir mais, para produzir mais, para lucrar mais, para investir mais, para produzir mais, para lucrar mais, e assim por diante, e tudo isto a qualquer preço! Não é difícil perceber que nenhuma ética poderá sobreviver a esta atropelada do valor econômico, entronizado, como supremo tribunal de julgamento de todo valor.
Em consequência, desaparece junto também a política. É que, para se poder pensar em política, é indispensável dispor, tanto de uma pluralidade de políticas, quanto da prevalência, alternada pela sucessão no poder, de uma política sobre todas as outras políticas possíveis. Ora com o domínio absoluto da economia sobre todos os demais valores, só é possível uma única política, a política do lucro, que provém e leva inexoravelmente tudo de arrastão para a ditadura do mercado. Assistimos cada vez mais, nos horizontes da história e nos principais quadrantes do globo, a um espetáculo desolador e obsceno: as trocas de poder nos diversos países não acarretam nenhuma mudança de política.
Quando os chamados “opositores” chegam ao poder, fazem exatamente a mesma política da situação anterior. Uma ditadura se perpetua com qualquer partido. Ora, onde só se dá uma política, onde só é possível uma única política, acabou toda política. Instalou-se, então, a voracidade não, de certo, do partido único, mas da política única. É a nova ditadura do terceiro milênio: a ditadura do lucro e do mercado, impondo, com a globalização, o totalitarismo da política única em todo o globo.
Esta crise radical da política, alimentando-se a si mesma, nutre-se, então, com a radicalidade de todas as demais. Implanta-se, com isso, uma gangorra curiosa: sem política no plural, não há ética no singular. É para o abismo desta radicalidade que nos fazem rolar as crises da ética e da política.
Nesta situação de radicalidade, qual será, então, o desafio que o pensamento de hoje é convocado a enfrentar e assumir?
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