Escola da Ponte modelo de educação moderna e a reinvenção da escola
Por Alacir Arruda
Professor Jose Pacheco fundador da Escola da Ponte
Todos sabem que sou um critico ácido da educação hoje praticada no Brasil, pois não tenho a menor dúvida que as escolas brasileiras prestam um desserviço ao que se entende por educação como elemento transformador. Sou adepto da seguinte máxima: “ dentre as várias atribuições do professor no Brasil, a mais inútil é a aula”. A que aula me refiro? A essa aula conteudista, bancária, aquela que já vem pronta e o professor a injeta na cabeça do aluno como se este fosse dividido em compartimentos, essa aula maçante que faz com que 75% dos alunos simplesmente a ignorem, aulas que não traduzem a realidade do educando e sim atende a interesses corporativos e institucionais onde a lógica se justifica no lucro.
Bom, peço licença para falar de algo sério, algo que transcende as experiências “idiotas” do estado brasileiro. Em Portugal, mais precisamente em Vila das Aves, a cerca de 30 km da cidade do Porto, localiza-se uma curiosa escola: a Escola da Ponte. Para quem nunca ouviu falar, vale um pequeno resumo de sua história. A Escolada Ponte é uma escola pública que sempre recebeu alunos muito “problemáticos”. Com resultados desastrosos, José Pacheco, o diretor, resolve repensá-la e em 1976 inicia-se o processo de autonomia curricular que é a marca da escola (ela é a única no mundo que alcançou este marco). A partir daí, mudanças ditas como impossíveis aconteceram e uma série de fatores levou a Escola da Ponte a se tornar referência, incluindo os resultados alcançados por seus alunos, que estão entre os melhores do país.
“Meus alunos serem os melhores é um desgosto para mim”, afirma José Pacheco, ou simplesmente Zé da Ponte, como é conhecido. “Com uns sendo os melhores, outros têm de ser os piores. Todos deveriam ser os melhores.”
Um homem altamente cordial, Zé Pacheco faz uso de pensamentos de muitos teóricos e afirma que no Brasil ele encontrou os melhores. Tal fato o incentivou a morar aqui, pois, para ele, os professores brasileiros são os mais preocupados em mudar a situação pela qual passa a Educação. Atualmente, vive em Belo Horizonte, Minas Gerais, e acha necessário seu afastamento da Escola da Ponte depois de 35 anos envolvido com ela. “Ela pode seguir seus passos sem mim.” O projeto educacional da Escola da Ponte está sendo trazido para o Rio de Janeiro, mas ele ainda não pode revelar o nome de seus novos parceiros.
Zé Pacheco, falando sobre suas histórias, que se entrelaçam com as da escola que ajudou a construir, costuma referir-se a ela como “minha escolinha” e quando os alunos são mencionados, muitas vezes figuram como “os miúdos”. Esse carinho não é por acaso. Zé defende o professor como um trabalhador solidário e não solitário e prega uma cultura de cooperação entre todos que fazem parte da escola.
Educação estrábica
Perguntado sobre como ele vê a educação, Zé responde de maneira extremamente bem-humorada. “Eu a vejo de modo estrábico, como já devem ter percebido.” Ele possui um grau de estrabismo bem acentuado. Deixando as brincadeiras de lado, ele trata da Educação com muita seriedade e utiliza frases bem fortes para descrevê-la. “Nós existimos com os outros e tudo está focado na relação. A educação não se encontra somente dentro da escola.” Essa relação envolve desde os auxiliares da escola até as famílias dos alunos, que são grandes incentivadores da metodologia proposta pela escola. O educador acredita que esta parceria garante a sobrevivência da escola perante a “caça” que a Ponte sofre por parte do estado português: “Não conseguirão de jeito algum fechar aquela praga!”
A idéia de renovar a educação veio de modo simples, diz Pacheco. “Tudo começou com perguntas. Trabalhamos com a ideologia mesmo. Para começar uma mudança, é preciso apenas um pequeno grupo e o que estava errado era o modo de ensinar e não o de aprender.” Ele ainda diz que as escolas de hoje (muito iguais às de 200 anos atrás) constroem o sentimento de competição e concorrência. No fim, ele questiona se esse é o verdadeiro progresso.
A Escola da Ponte está diretamente ligada à pedagogia libertária, que segue a tendência da educação como transformadora e criadora da autonomia. Lá, o mais importante é o que vem do aluno, algo que tem a ver com a autoformação através da politécnica da aprendizagem, sistema por ele defendido.
Para se entender um pouco melhor a Escola da Ponte, é necessário perguntar-se não o que ela tem, mas sim o contrário: ela não tem diretor, aulas, horários, séries, grupos etários, presença de ponto, provas, notas, enfim, comparando-a com a escola tradicional, ela possui praticamente só o mesmo espaço físico em comum. Sobre essas “ausências”, Pacheco diz que com um tempo as pessoas conseguem entender as propostas ali defendidas (e é assim que o trabalho consegue ser efetivado) e alerta que precisou dar muita, mas muita aula para ver que aula não presta para coisa alguma. Ratificando sua opinião, ele responde que a única coisa a ser feita para deixar a sala de aula mais interessante é implodi-la.
Muitos questionamentos surgem depois de todas essas informações: “Como são as ‘aulas’ lá?” “O que faz o professor?” “Quem comanda tudo isso?”. Resumidamente, é tudo muito simples. Todo mundo faz tudo, juntos. Os alunos vão às ‘aulas’ (que são uma espécie de oficina) que querem e ficam o tempo que querem. Se acharem por bem, voltam depois, ou não. Os professores apresentam essas oficinas (muitas vezes, propostas pelos próprios alunos) e sua função é mais de indagar do que esclarecer. Quando questionado sobre algo, ele sempre procura a resposta no aluno – ao invés de responder diretamente, ele indaga sobre a opinião do aluno e o porquê dela. Quanto ao comando, todos participam efetivamente. Todos os professores são diretores (querendo ou não!) e os alunos fazem assembléias constantes para definirem os direitos e deveres de cada um dentro da escola, o que permanece e o que precisa mudar.
Nenhum prazer
Pensando de maneira simples, como gosta de fazer o Zé da Ponte, as escolas de hoje são lugares onde nem o aluno nem o professor sentem nenhum prazer de estar, logo, é óbvio que algo não anda muito certo. A Escola da Ponte tenta e consegue acabar com isso. Não é um mero reparo na escola, mas sim a sua reinvenção.
Zé Pacheco, por fim, afirma que, hoje, a escola em sua forma tradicional é um mal necessário e diz que num lugar onde há hierarquia é impossível a existência de uma autonomia. Diz também que nem só de vitórias vive a Escola da Ponte e ele próprio está para lançar um livro falando do lado negativo da escola. Zé não acredita em modelos, mas sim em exemplos que podem dar certo, como é o caso da Ponte. “Não consumimos, produzimos currículos.”
Com uma humildade ímpar, José Pacheco divide o mérito com todos e se diz mais um no processo de formação da Escola da Ponte. Ressalta ainda que tudo que a Ponte fez já tinha sido dito e tentado por outros teóricos que muitas vezes não são minimamente conhecidos e, sendo assim, não são lembrados por tal triunfo. “Não foi nenhuma invenção minha. Isso tudo já foi pensado no começo do século passado.” Exatamente por esse motivo, ele exclama: “Eu sou muitos. Eu sou ‘nós’!”
Para muitos que pensam ser impossível tudo isso que foi aqui apresentado, que isso não passa de uma mera utopia, vale lembrar que utópico é algo ideal, mas ao mesmo tempo irreal, imaginário. A Escola da Ponte existe e quem dera se existissem outras com o mesmo propósito!