domingo, 12 de fevereiro de 2017

a legitimação do uso da força

A POLITIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA E A LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL.


Por: Alacir Arruda


Quando se estuda Ciência Politica a primeira coisa que aprendemos é: "o Estado detém o monopólio da força" e o utiliza, quando necessário, para ajustar certos "desiquilíbrios" sociais. Uma pergunta: "e quando o Estado perde esse monopólio, como assistimos recentemente no Espirito Santo?" Bom, para tentar entender essa celeuma, faz-se necessário um mergulho nas entranhas do que seja segurança pública no Brasil e de como o Estado a utiliza de forma estratégica em seus discursos políticos.

Senão vejamos: mesmo antes do ocorrido no Espirito Santo, já havia, por parte daqueles que são os responsáveis por manter a nossa integridade, propriedade e família seguros  ( estado e suas forças policiais), a repetição de um forte discurso de alerta sobre a violência urbana, gerando o medo e a necessidade de medidas “fortes” para conter a situação de insegurança vivida nas grandes cidades. Reduzir a idade penal para conter a presença dos adolescentes no crime; encarceramento em massa da população com aumento das penas; contratação de mais homens e aquisição de armamentos novos e mais eficazes para as polícias militares; investimento em tecnologia de vigilância da população, criação de batalhão de policiais preparados para impedir manifestações de rua; uso de forças armadas para patrulhamento de espaços civis precarizados com a ausência do Estado.

Não há dúvida de que a considerada população vitimizada de fato sofra com a ocorrência constante de crimes, dos mais corriqueiros e leves aos mais trágicos e horríveis. E nesta sociedade agressivamente machista, especialmente as mulheres têm sido alvo desta aparente desordem das cidades.

Contudo, há a produção de eficientes máquinas de controle social fundamentadas no discurso da violência urbana e na legitimação de políticas de uso da força na segurança pública, o que têm alimentado uma violência desmedida e histórica por parte de agentes do Estado. Ano após ano, em continuidade à lógica de combate ao inimigo interno institucionalizada durante a ditadura pela doutrina de segurança nacional, o Estado de Direito não tem obtido resultados positivos no incremento da capacidade de uso da força por parte dos equipamentos de segurança pública. Além de pouco modificar o quadro da forma de vida vulnerável dos grandes centros urbanos, as informações publicizadas indicam o aumento constante da violação de direitos por parte dos aparatos e agentes do Estado, com destaque para o crescimento das cifras de brasileiros assassinados por ações de instituições de segurança.

São chacinas operadas por policiais e com apuração muito lenta, quase inexistente, pelos órgãos de justiça. A autorização da ação violenta nas periferias contra os jovens atingiu seu ápice de legitimação com a discussão e aprovação parcial na Câmara Federal da redução da maioridade penal. Não é preciso tornar-se lei a definição social e biológica do “inimigo”, mas é suficiente que o discurso social e das instituições assim o considerem.

Parece esquizofrênico, mas quanto mais o Estado é violento, mais o quadro social se apresenta como de crise produzida pela violência urbana e mais se autoriza o investimento na capacidade de uso da violência por parte das políticas de segurança pública. Parece-nos que tal quadro não é o resultado de falhas ou má execução destas políticas. Ao contrário, há neste processo a eficaz produção de uma sociedade de controle, disciplinamento e punição, produzindo o cidadão domesticado e manso, para que assim ele seja ainda mais produtivo sem tomar em suas mãos a própria potência de agir politicamente. Do ponto de vista da eficácia desta política de segurança pública é mais importante uma situação de violência urbana do que de relações harmoniosas e ordeiras.

Parece haver um cálculo da aplicação da força por parte do Estado, dando à sua ação um aspecto teatral e espetacular, com o objetivo de produzir essencialmente dois efeitos práticos. O primeiro seria a disseminação do terror, mobilizando uma opinião pública com a sensação de vulnerabilidade e alimentando o jogo do medo mantido pelo Estado, o que institucionalmente e em larga escala ocorre ao menos desde a ditadura. Neste contexto, pouco importa se as polícias têm a imagem de eficientes ou de serem completamente desestruturadas. O segundo efeito é o de mostrar para a população que a força aplicada será sempre que necessário acima da legalidade. Nesta prática de segurança pública a lei funciona como um parâmetro de medida da violência vinda dos agentes do Estado para aqueles que saírem da normalidade social e política.

Exemplo trágico deste modelo foram as chacinas ocorridas em Sao Paulo nos últimos anos, levadas a cabo ( segundo os ministério publico) por policiais agindo no formato dos antigos esquadrões da morte dos anos 70 e contando com a impunidade – resultado da conivência das ouvidorias, da própria polícia e do judiciário com os crimes do Estado. 

Se a grande mídia tenta colar a ideia de um evento abusivo por parte de alguns policiais, a modificação da cena dos crimes e de destruição de provas praticadas por policiais que atenderam as ocorrências mostra a cumplicidade do sistema ao modus operandi. Segundo recente relatório da ONU (de outubro de 2016), ocorreu de 2013 a 2016 uma política sistemática de “limpeza” dos grandes centros urbanos sob a aparente justificativa de preparar as cidades para os mega eventos esportivos (Copa do Mundo-2014 e Olimpíadas-2016). No caso da chacina de Osasco, ocorrida em 20015, a demora e os recorrentes “erros” nos procedimentos de apuração estão produzindo um terreno para que não se coloque em risco a política atual de segurança.

Assim, o Estado atinge seu objetivo, qual seja, criar um cidadão de bem, pacífico, trabalhador (ou proprietário) e ordeiro, e o vagabundo, vândalo, louco, drogado, arruaceiro, o indivíduo fora das bordas que delimitam o possível autorizado pela ordem. Desta forma, a combinação do jogo do medo com a percepção de uma força acima das leis, a segurança pública em prática no país visa demonstrar que o aparato jurídico é insuficiente para proteger os cidadãos.

É por estas razões que campanhas pela diminuição da maioridade penal ou pelo recrudescimento das leis são vitoriosas mesmo quando não atingem seu objetivo aparente e discursivo. Um exemplo disso, é a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 hoje se tornou um entrave para o Estado, visto que na prática ela não funciona. Em 2005, antes da Lei, uma mulher era agredida a cada 15 minutos no Brasil, hoje, 11 anos após a sua sanção, uma mulher é agredida a cada 1o minutos, e a reincidência nas agressões aumentaram em 38% de lá para cá. Sou a favor dessa Lei, a considero importante e uma ferramenta que as mulheres possuem contra agressores, porém, se não houver, por parte do Estado, mecanismos que garantam a segurança da mulher além do papel, com certeza será mais uma dessas Leis sem eficacia . Assim também ocorre com os defensores da diminuição da maioridade penal, não é necessário alterar a menoridade ou aumentar a pena por determinado crime, pois a pauta conservadora de seus debates já criam um imaginário e legitimam a ação violenta e violadora por parte do Estado.

Alguém certa vez disse " violência gera violência", na época o chamaram de louco. Mahatma Ghandi, outro grande pacifista indiano, dizia que se fosse necessário pegar em armas para salvar a Índia do controle inglês, ele preferia que seu país se tornasse uma eterna colônia. Vários são os exemplos, mundo afora, de pessoas e países que entenderam que a convivência pacifica entre as pessoas é resultante, dentre outros fatores, de politicas publicas inclusivas, distribuição igualitária de renda e um forte sistema educacional. A legitimação da violência pelo Estado não parece ser um engano ou falha do Estado de Direito, mas sim a ação política de uma sociedade do controle e do bloqueio de suas potências criativas e transformadoras, isso em sociologia tem um nome: "Estado Policial".


Contato:agaextensao@gmail.com

Um comentário:

  1. Isso que você escreveu é um fato no Brasil. O verdadeiro regime militar é isso que estamos vivenciando hj. Parabéns pelo blog,leio todos os dias. Adopho

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