segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O enigma que é existir

"O INFERNO SÃO OS OUTROS:  A ANGÚSTIA DA EXISTÊNCIA"


Por:  Alacir Arruda

Quando ensinava Sartre na faculdade, uma coisa sempre me chamava atenção, como alguns alunos tinham dificuldade em entender a frase “ O inferno são os outros “ do filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre. Esses alunos eram compostos, em sua grande maioria, de egressos de Escola Publica, onde a filosofia sempre foi considerada um "monstro" que ninguém ousa ensinar, logo, eram analfabetos nesse mister. Para os mais interessados eu sempre sugeria ler o artigo homônimo da professora de Filosofia e Mitologia grega Luciene Felix na revista Visão Jurídica n.º 41, ali,com muita propriedade e uma linguagem acessível a todos, ela faz uma síntese dessa afirmação existencialista.

É, realmente entender Sartre é para poucos. Mas vamos lá. Temos por hábito, pensar no inferno quando nossas relações corroem, se deturpam ou se extinguem. Achamos entretanto que o inferno é o outro, aquele que rompemos, que mandamos embora de nossa vida, mas não, ele não é especificamente o inferno.

O que Sartre quer nos alertar com essa frase, é que inferno é o olho do outro, é o desmascarar de nossas verdades ocultas que não escapolem o olhar do outro e nos revela o íntimo, o âmago. Observe: “ Sem que possam sequer expiar suas faltas, descobrem o horror da nudez psíquica que os outros lhe evidenciam. Está revelado o verdadeiro inferno: a consciência não pode furtar-se a enfrentar outra consciência que a denuncia, por isso: o inferno são os outros.” 

Vivemos numa constante nudez psicológica ao nos relacionarmos no dia a dia com amigos, amores, família, etc. Nos auto-sabotamos, mentimos ou tergiversamos para ocultar nossas deficiências mas não por muito tempo. A intimidade e a rotina vai desgastando nossas máscaras até chegarmos a nudez total. E quando o outro nos aponta a flecha em direção a verdade inerente, o ódio e o ressentimento recendem e o outro passa a ser o nosso inferno. 

Pensemos ainda que: “Os outros são todos aqueles que, voluntária ou involuntariamente, revelam a nossa verdadeira face. Algumas vezes, mesmo sufocados pela indesejada presença do outro, tememos magoar, romper, ferir e, a contragosto, os suportamos. Uma vez que a incapacidade de compreender e aceitar as fraquezas humanas torna a convivência realmente um inferno, o angustiante existencialismo ateu sartriano não nos deixa saída. Sem o mínimo de boa-vontade, não há paraíso possível.” ( grifo meu )

Ao elucidar a ideia Sartriana de que o homem produz a sua própria essência, elucidamos também outra frase igualmente famosa desse filosofo: “ a existência precede a essência". Para Sartre é na construção da própria essência, que o homem se justifica enquanto "ser" e, ao contrário, quando ele foge disso, age de má-fé e covardia, transferindo para outrem a infelicidade justificando assim, seu próprio fracasso. 

Mediante tal constatação, da proposição de Sartre, pergunto: é possível nos livrarmos do inferno do outro? 

Para responder a essa pergunta, socorri-me de outro grande filósofo chamado Arthur Schopenhauer que, no seu livro, “ O mundo como vontade e representação,” livro IV, nos apresenta a metáfora dos porcos-espinhos que contra-põe e atenua o pessimismo de Sartre. Diz o texto in verbis:  “ Um grupo de porcos-espinhos perambulava num dia frio de inverno. Para não congelar, os animais chegavam mais perto uns dos outros. Mas, no momento em que ficavam suficientemente próximos para se aquecer, começavam a se espetar com seus espinhos. Para fugir da dor, dispersavam-se, perdiam o benefício do convívio próximo e recomeçavam a tremer, o que os levava a buscar novamente a companhia uns dos outros – e o ciclo se repetia: a luta para encontrar uma distância confortável entre a dor e a proximidade. “ 

Se o olhar do outro é o espinho que me espeta a carne, me faz doer e até odiá-lo, a sua ausência também é abandono e solidão. A metáfora dos porcos-espinhos nos faz pensar sobre o preço do olhar do outro e da compensação do calor, quando pensamos que também somos o inferno de alguém. 


                                               Contato: agaextensao@gmail.com


2 comentários:

  1. Será que é por isso que estamos procurando tanto uma companhia, mesmo que ja passamos por experiências traumáticas, para que sejamos o inferno de alguem?

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  2. É mais ou menos por ai professora. Não há alternativa, a única opção é: unir o otimismo da vontade e o pessimismo da razão contra toda expectativa, contra qualquer previsão, há um ponto de partida, há um ponto de união: sentir com inteligência, pensar com emoção. Obrigado por estar por aqui.

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