Freud e à Religião
Por. Alacir Arruda
– Freud é considerado um dos maiores nomes
da ciência no século XX. Em seus vários inscritos, manteve sempre um postura
racional na avaliação do homem e sua relação com os fenômenos sociais, dentre
eles a Religião. O Mal-Estar na Civilização é um livro em que Freud
descreve sua teoria sobre a religião e a moral. Em linhas gerais, ambas
representam, para Freud, uma repressão sobre as pulsões humanas, tanto as de
vida quanto as de morte, na medida em que pregam valores sobre-humanos como os
de modéstia, caridade, solidariedade, paz, todos valores que supostamente se
realizariam numa época vindoura e extra-terrena, mas que já poderiam começar a
ser realizadas na vida terrena. Mas esses valores são anti-humanos porque
supõem, segundo Freud, a repressão dos instintos mais básicos, que são sempre
egoístas.
– No item I do livro, Freud destaca a
idéia de sentimento oceânico – levantada por seu amigo Romain Rolland,
colocando-a sob a crítica da psicanálise. Freud introduz o texto com um breve
questionamento dos valores sociais. Afirma que há duas ordens de pessoas
admiráveis, aquelas que admiramos mas que não queremos imitar, e aquelas que
admiramos e queremos imitar. A primeira diz respeito às pessoas cujos valores
são os de caráter ético; essas pessoas são admiráveis, mas ninguém quer
imitá-las. A segunda diz respeito às pessoas cujos valores são o poder, o
sucesso e a riqueza; essas pessoas são admiráveis, e todos querem imitá-las.
Freud considera seu amigo Rolland como uma pessoa da primeira ordem; um ser
excepcional. Mas Freud quer questionar seus princípios (valores), o que
significa igualmente questionar sua própria pessoa.
–
Freud tinha enviado a Rolland um livro expressando sua opinião sobre a
religião: a religião é uma ilusão. Rolland, que era religioso, afirmara não ter
Freud compreendido a verdadeira fonte da religião, uma espécie de sensação
de eternidade, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras – oceânico, por
assim dizer (p. 81). A religião seria, para Rolland, apenas um
expediente de expressão deste sentimento profundo, um sentimento de divindade
que o ser humano sente em face de sua pequenez. Poder-se-ia aniquilar a
religião que o sentimento permaneceria no íntimo do ser humano.
– O questionamento de Freud é simples;
representa o paradigma do questionamento psicanalítico da religião. Freud
afirma que ego maduro designa algo autônomo e unitário, distintamente
demarcado de tudo o mais (p. 83). No entanto, este ego, no início de
sua vida, ainda no recém-nascido, não era precisamente demarcado, isto é, o
bebê ainda não se percebia como diferente do mundo e o mundo como diferente de
si. Ambos, bebê e mundo mantinham uma unidade. Isso ocorre sobretudo na vida uterina,
onde há unidade entre o bebê e seu ambiente.
-No entanto, há interrupções nesta
relação. A separação entre bebê e o útero é a primeira interrupção, a separação
entre o bebê e o seio da mãe também. O bebê passa a se sentir desamparado com
essas interrupções e sonha com a unidade perdida. O ego maduro ainda conserva,
inconscientemente (mente inconsciente), memórias deste elo perdido com o
ambiente e, via de regra, regride a estágios anteriores da infância em busca
dele. Ora, este sentimento oceânico (que Freud diz não encontrar em si mesmo,
mas que admite existir na maioria dos seres humanos), representa, para Freud e
a psicanálise, uma expressão do elo perdido com o universo, com algo maior,
mais perfeito, preenchedor, poder-se-ia dizer.
–
Em suma, tanto a religião quanto a suposta fonte inspiradora da mesma são, para
Freud, apenas funções de uma mente cindida entre um ego autônomo e um ego ainda
retido nas relações com o mundo externo, quer dizer, funções de uma mente
psiconeurótica: a origem da atitude religiosa pode ser remontada, em linhas
muito claras, até o sentimento de desamparo infantil (p. 90).
– Logo, os verdadeiros valores sociais são
aqueles do segundo tipo de pessoa, expressão do nosso egoísmo natural, o que
põe por terra todos os valores ético-religiosos.
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