PT, o Partido dos Toscos, e a “elite” de Pandora
Por ALEX ANTUNES - Yahoo
De uma só tacada, o congresso está
atacando direitos de vários tipos: sociais (redução da maioridade penal), trabalhistas
(liberação mais ampla de terceirização, afouxamento da lei contra trabalho
escravo), alimentares (fim da obrigatoriedade do registro da presença de
transgênicos em produtos industriais), de biodiversidade (afrouxamento das
regras no marco legal, facilitando para a indústria e o agronegócio a
exploração do patrimônio genético e de conhecimentos de comunidades indígenas,
quilombolas e tradicionais).
Sem entrar no mérito de cada área (é
possível, por exemplo, alguém considerar positivas algumas formas de
terceirização e ao mesmo tempo repudiar o uso sigiloso de transgênicos), dá sim
para se enxergar uma “onda de direita” nessas iniciativas. Mas o que leva a
isso, se estamos no terceiro mandato de presidentes de um partido
(supostamente) de esquerda, e há meros seis meses da última eleição
presidencial?
Ou, em outras palavras, o que levou a
presidência a uma paralisia tal em que o congresso pinta e borda uma pauta
adversa, impondo seguidas derrotas ao governo? A resposta mais simples é de que
esse “é o congresso mais conservador” em muito tempo, dominado pela bancada BBB
(bala, boi e bíblia) etc etc. Ora bolas. Mas esse congresso foi eleito pela
mesma população que elegeu e reelegeu várias vezes o PT no executivo.
Na verdade, podia ser até pior. A
oposição e a base predadora só não estão aproveitando melhor a brecha política
porque estão batendo cabeça. No PMDB o presidente da câmara Eduardo Cunha em
choque com o do senado, Renan Calheiros, e o vice-presidente e articulador
político do governo Michel Temer tentando se equilibrar entre os dois. No PSDB,
Aécio Neves tendo que controlar sua adesão à direita social (que quer o pedido
de impeachment) contra Fernando Henrique, Geraldo Alckmin e José Serra que, por
razões diversas (de éticas a oportunistas), acham que não há (ou ainda não há)
justificativa política para o pedido.
Esta semana foi peculiar. O choque de
Renan contra Cunha, Temer e Dilma se acirrou. O Supremo Tribunal Federal
liberou, por 3 votos a 2, os empreiteiros presos (atrapalhando a tática do juiz
Moro de forçar delações premiadas) no caso do Petrolão. Uma investigação sobre
tráfico internacional de influência chega a Lula (e o senado quer derrubar o
sigilo das operações de empréstimos no exterior do BNDES, o que tem tudo a ver
com o caso).
Marta Suplicy abandona oficialmente o
PT mas quer manter o mandato acusando o partido de corrupção. O balanço
publicado da Petrobrás confirmou e mensurou os valores da corrupção na empresa.
E, finalmente, Dilma resolve não falar em tempo real no 1º de maio (contra a
opinião do PT). Mas Lula, depois de veicular um vídeo bizarro de ginástica,
fala – e faz ameaças, passando recibo não só de que o governo Dilma vai mal,
como o de que se sente (finalmente) ameaçado pelas investigações. Não daria
para descrever essa conjuntura em poucas palavras, a não ser “todos contra
todos”.
Acontece que vale a pena sim fazer
algumas leituras e distinções. E descobrir quem “abriu a porteira” para tal
direita no Congresso. Há quem diga que é injusto a maior parte da culpa
política cair sobre Dilma, enquanto Eduardo Cunha e Renan Calheiros não deixam
esquecer seu histórico de picaretagem, e gente como o governador do Paraná,
Beto Richa, do PSDB, massacra professores em greve.
Mas há uma justiça política, sim, em
que o PT leve a maior parte da culpa pela crise. Ao procurar, nesses quatro
mandatos, montar uma base com o que há de pior e mais fisiológico na política
nacional, para evitar as elites “tradicionais”, o PT criou e empoderou uma
elite pior ainda. Lá atrás, antes da primeira presidência petista, dá para
lembrar a disposição de Lula em trabalhar com uma bancada evangélica. Aqui há
um artigo interessante (insider evangélico, de 2006), explicando
como e com quem esses acordos foram costurados, incluindo até Silas Malafaia.
Esse arco de alianças, que se completou
agora com a ida de Katia Abreu para o ministério da Agricultura de Dilma,
explica quem gestou esse “congresso mais conservador”. Na verdade, ao abrir mão
de negociar com as “elites” mais próximas do PSDB (como tinham mesmo que ser) e
procurar sua própria interlocução conservadora, o PT empoderou os setores
marginais dessa elite, e abriu a caixa de Pandora que agora o vitima. O PT é o
fiador da bancada BBB.
Evidentemente essa transformação oportunista
do PT não se deu sem atrito. Muitos dos intelectuais e militantes éticos que
passaram por lá entraram em rota de colisão com a burocracia partidária,
principalmente depois que o partido chegou ao poder federal. Mas para cada
Plinio de Arruda Sampaio que se perdeu, havia dezenas (ou centenas) de figuras
como Delúbio Soares, um picareta sindical conhecido em Brasília por mostrar o
conteúdo de sua geladeira aos amigos que o visitavam, para mostrar seu
enriquecimento.
E, por falar em enriquecimento. Uma nota
de pé de página, mas sintomática, é da visão “negocial” de quem agora está no
poder. Eduardo Cunha, como diz o El País, é o “dono de Jesus na internet”:
investe em deter quase 300 endereços virtuais como jesusfacebook.com.br,
jesusgmail.com.br, jesusyoutube.com.br e, claro, jesusyahoo.com.br (risos). O
ex-deputado André Vargas (foto), expulso do PT e do congresso, foi vender
“perfumes alternativos” (falsos) da Up Essence, que tem funcionamento ilegal de pirâmide financeira. E Dilma, é sempre
bom lembrar, faliu sua própria loja de 1,99 em 1996.
Marta Suplicy, com todos os seus
defeitos, tem razão quando diz que, como socialite e figura de televisão, teve
seu papel em abrir diálogo entre o PT e as “elites” produtivas. Mas Marta,
personagem importante em São Paulo (e com uma densidade eleitoral real), foi
afastada das disputas eleitorais por Lula, que sempre pensou em si mesmo como
um genial marqueteiro político. E que (ao contrário do que disse no discurso de
1º de maio) é o grande responsável por tudo que está acontecendo, e não apenas
alguém “quieto em seu canto”.
Na campanha eleitoral presidencial, outra figura da “elite” mais
tradicional, porém ética, a educadora Neca Setúbal, foi usada mentirosamente
para atacar a campanha da (ex-petista) Marina Silva. Sempre com o aval e o
reforço de Lula. Mas é desse tipo de “representante dos bancos”, como o PT
chamou Neca, que precisamos: alguém que usa sua fortuna para atuar, por
exemplo, no ambiente de prisões. E não desse Partido dos Toscos, responsável
principal pela confusão nacional, em que o PT se transformou.