Outros emotivistas salientam a utilidade das emoções para nossa sobrevivência e para nossas relações com os outros, cabendo à ética orientar essa utilidade de modo a impedir a violência e garantir relações justas entre os seres humanos.
Há ainda uma outra concepção ética, francamente contrária à racionalista (e, por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que contesta à razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional. Essa concepção encontra-se em Nietzsche e em vários filósofos contemporâneos.
Genealogia: estudo que tem por objeto estabelecer a origem. Em Nietzsche (1844-1900) e Foucault (1926-1984), investigação da história com o objetivo de identificar as relações de poder que deram origem a ideias, valores ou crenças.
Nietzsche primeiramente identifica que os valores atuais são valores decadentes. Os valores atuais são valores que negam o homem e seus instintos naturais. São valores que dizem não a vida!
Nietzsche não considera que se deva fazer as coisas por uma questão de “dever” ou porque é “bom”. Não devemos nada para algum Deus ou alguém! Não precisamos sentir culpa de nada que fizemos ou deixamos de fazer, porque não se deve nada a ninguém.
O homem é algo a ser superado
A ideia de Nietzsche de que o homem é algo a ser superado aparece em Assim falou Zaratustra, talvez sua obra mais famosa. Foi escrito em três partes, entre 1883 e 1884, com uma quarta parte acrescentada em 1885. O filósofo alemão usou-a para lançar um ataque sistemático contra a história do pensamento ocidental. Ele mirava três ideias ligadas, em particular: primeiro, a ideia que temos de "homem" ou natureza humana; segundo, a que temos de Deus; e terceiro, a que temos sobre moralidade, ou ética.
Em outra obra, Nietzsche escreveu sobre filosofar "com um martelo" e, aqui, ele certamente tentou estilhaçar muitas das visões mais estimadas da tradição filosófica ocidental, especialmente em relação àqueles três temas. Ele o fez num estilo impetuoso e febril, de modo que às vezes a obra parece mais próxima da profecia do que da filosofia. Foi escrita rapidamente, com a Parte I tomando-lhe apenas alguns dias para ser posta no papel. Ainda assim, embora a obra de Nietzsche não tenha o tom sereno e analítico comum a obras filosóficas, o autor conseguiu expor uma visão extraordinariamente desafiadora e consistente.
Zaratustra desce
O nome do profeta de Nietzsche, Zaratustra, é a denominação alternativa do antigo profeta persa Zoroastro. A obra começa contando-nos que, aos trinta anos, Zaratustra vai viver nas montanhas. Durante dez anos deleita-se na solidão, mas certa manhã acorda para descobrir que está cansado da sabedoria que acumulou. Então, decide descer ao mercado para compartilhar sua sabedoria com o resto da humanidade.
No caminho para a cidade, ao pé da montanha, encontra-se com um velho eremita. Os dois homens já tinham se encontrado, dez anos antes, quando Zaratustra subira para seu retiro. O eremita vê que Zaratustra mudou durante a década que se passou: quando subiu, o eremita diz, Zaratustra carregava cinzas, mas agora, ao descer, está carregando fogo.
Então, o eremita pergunta a Zaratustra por que ele está se dando ao trabalho de compartilhar sua sabedoria. E aconselha Zaratustra a permanecer nas montanhas, advertindo-o que ninguém entenderá sua mensagem. Zaratustra então questiona: o que o eremita faz nas montanhas? O eremita responde que canta, chora, ri, resmunga e louva Deus. Ao ouvir isso, o próprio Zaratustra ri. Deseja boa sorte ao eremita e continua em sua descida da montanha. Enquanto avança, Zaratustra diz para si mesmo: "Como é possível! Esse velho eremita ainda não ouviu falar que Deus está morto".
Super-homem
A ideia da morte de Deus talvez seja a mais famosa de toda a obra do autor. Está intimamente relacionada com a ideia de que o homem é algo a ser superado e com a concepção característica de moralidade de Nietzsche.
Subvertendo valores antigos
Nietzsche acreditava que certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus. Quando seu personagem Zaratustra diz que Deus está morto, não apenas lançou um ataque contra a religião, mas fez algo muito mais audacioso. "Deus", aqui, não significa apenas o deus sobre o qual os filósofos falam ou para o qual os religiosos rezam: ele significa a soma total dos valores mais elevados que podemos ter. A morte de Deus não é apenas a morte de uma deidade. É também a morte de todos os valores ditos elevados que herdamos.
Um dos objetivos centrais da filosofia de Nietzsche é o que ele chamou de "revalorização de todos os valores" (transvaloração), uma tentativa de questionar todas as maneiras habituais de pensar sobre ética e sobre os sentidos e objetivos da vida. Ele defendia que muitas das coisas que pensamos que sejam "boas", são, de fato, maneiras de limitar a (ou afastar as pessoas da) vida.
Podemos pensar que não é "bom" bancar o tolo em público e, assim, resistir ao impulso de dançar alegremente na rua. Podemos acreditar que os desejos da carne são pecaminosos e, então, punirmo-nos quando eles se manifestam. Podemos ficar em empregos tediosos, não porque precisamos, mas porque julgamos nosso dever aturá-los. Nietzsche quer pôr fim a tais filosofias que negam a vida, de modo que a humanidade possa se ver de maneira diferente.
Blasfemando contra a vida
Depois de proclamar a vinda do Super-homem, Zaratustra passa a condenar a religião. No passado, ele diz, a maior blasfêmia era contra Deus, mas agora a maior blasfêmia é contra a própria vida. Este é o erro que Zaratustra acredita que cometeu na montanha: ao afastar-se do mundo, e ao oferecer orações a um Deus que não está lá, ele pecou contra a vida.
A história por trás dessa morte de Deus, ou da perda da fé em nossos mais elevados valores, é relatada no ensaio de Nietzsche Como o "mundo verdadeiro" se tornou finalmente fábula, publicado em Crepúsculo dos ídolos. O ensaio tem o subtítulo "História de um erro" — e é a história da filosofia ocidental condensada em uma página. A história começa, diz Nietzsche, com o filósofo grego Platão.
O mundo real
Platão dividiu o mundo em um mundo "aparente", que se revela a nós por meio de nossos sentidos, e em um mundo "real", que podemos apreender pelo intelecto. Para Platão, o mundo percebido pelos sentidos não é "real", porque mutável é sujeito ao declínio. Platão sugeriu que há também um mundo "real" imutável, permanente, alcançável com o auxílio do intelecto. Essa ideia provém do estudo de matemática de Platão. A forma ou ideia de um triângulo, por exemplo, é eterna e pode ser apreendida pelo intelecto. Sabemos que um triângulo é uma figura de três lados, bidimensional, cujos ângulos somam 180°, e que isso sempre será verdadeiro, esteja alguém pensando sobre ele ou não e por mais que existam triângulos no mundo. Por outro lado, as coisas triangulares existentes no mundo (sanduíches, pirâmides ou formas triangulares desenhadas num quadro negro) só são triangulares na medida em que constituem reflexos da ideia ou forma do triângulo geométrico.
Influenciado pela matemática dessa forma, Platão propôs que o intelecto pode conseguir acesso a um mundo de Formas Ideais, que é permanente e imutável, enquanto os sentidos só têm acesso a um mundo de aparências. Então, por exemplo, se quisermos conhecer a bondade, precisamos ter uma avaliação intelectual da Forma de Bondade, da qual os vários exemplos de bondade no mundo são apenas reflexos. Essa é uma ideia que teve amplas consequências para a nossa compreensão do mundo: como Nietzsche salientou, essa maneira de dividir o mundo transforma o "mundo real" do intelecto no lugar onde residem todos os valores. Em contraste, o "mundo aparente" dos sentidos é transformado num mundo sem importância, em termos relativos.
Valores cristãos
Nietzsche traçou o destino dessa tendência de dividir o mundo em dois e encontrou a mesma ideia dentro do pensamento cristão. Em lugar do "mundo real" das Formas de Platão, o cristianismo sugere "um mundo real" alternativo, um mundo futuro do céu prometido ao virtuoso. Nietzsche acreditava que o cristianismo julga o mundo em que vivemos agora menos real do que o céu, contudo, nessa versão da ideia de "dois mundos", o "mundo real" é atingível, ainda que após a morte e sob a condição de que sigamos as regras cristãs em vida. O mundo presente é desvalorizado, como em Platão, salvo na medida em que age como degrau para o mundo do além. Nietzsche afirmou que o cristianismo nos pede para negar a vida presente em favor da promessa da vida por vir.
Tanto as versões platônicas quanto cristãs da ideia de divisão do mundo em "real" e "aparente" afetaram profundamente nossas concepções sobre nós mesmos. A sugestão de que tudo de valor está de algum modo "além" do alcance deste mundo leva a um modo de pensar que nega fundamentalmente a vida. Como resultado dessa herança platônica e cristã, fomos levados a considerar o mundo em que vivemos como um mundo do qual devemos nos ressentir e desdenhar. Um mundo do qual devemos nos afastar, transcender, e certamente não desfrutar. Mas, ao fazer isso, afastamo-nos da própria vida em favor de um mito ou invenção: um "mundo real" imaginário, situado em outro lugar. Nietzsche chama os sacerdotes de todas as religiões de "pregadores da morte", porque seus ensinamentos nos encorajam a abandonar este mundo e a abandonar a vida pela morte. Mas por que Nietzsche insistiu que Deus está morto? Para responder isso, temos de conferir a obra do filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant, cujas ideias são cruciais para compreender a filosofia por trás da obra de Nietzsche.
Um mundo além do alcance
Kant estava interessado nos limites do conhecimento. Na obra Crítica da razão pura, argumentou que não podemos conhecer o mundo como ele é "em si". Não podemos alcançá-lo com o intelecto, como Platão acreditava, nem é prometido a nós como na visão cristã. Ele existe, mas está para sempre fora do alcance. As razões que Kant usou para sugerir essa conclusão são complexas, mas o que importa, do ponto de vista de Nietzsche, é que se o mundo real é considerado absolutamente inatingível — mesmo ao sábio ou ao virtuoso, em vida ou após a morte —, então trata-se de "uma ideia que tornou-se inútil, supérflua". Como resultado, é uma ideia a ser posta de lado. Se Deus está morto, Nietzsche topou com o cadáver, mas são as impressões digitais de Kant que estão na arma do deicídio.
O erro mais duradouro
Uma vez que renunciarmos à ideia do "mundo real", a distinção duradoura entre "mundo real" e "mundo aparente" começará a sucumbir. Em Como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente fábula, Nietzsche foi adiante para explicar isso da seguinte maneira: "Abolimos o mundo real - que mundo restou? O mundo aparente, talvez?... Mas não! Com o mundo real também abolimos o mundo aparente". Nietzsche via, então, o início do fim do "erro mais duradouro" da filosofia: sua fascinação pela distinção entre "aparência" e "realidade", pela ideia de dois mundos. O fim desse erro, Nietzsche escreveu, é o zênite de toda humanidade. É nesse ponto - em um ensaio escrito seis anos depois de Assim falou Zaratustra — que Nietzsche elaborou "Zaratustra começa".
Esse é um momento-chave para Nietzsche, porque quando apreendemos o fato de que existe apenas um mundo, subitamente verificamos o erro de transferir todos os valores para além desse mundo. Somos, então, forçados a reconsiderar nossos valores, até mesmo o significado do que é ser humano. E, quando olhamos através dessas ilusões filosóficas, a antiga ideia de "homem" pode ser superada. O super-homem, na visão de Nietzsche, é um modo de ser que fundamentalmente afirma a vida. É alguém que pode se tornai o portador de sentido não no mundo do além, mas aqui: o super-homem é "o sentido da Terra".
Criando a nós mesmos
A noção de Nietzsche acerca da ilimitada possibilidade humana foi importante para muitos filósofos depois da Segunda Guerra Mundial. Suas ideias sobre a religião e a importância da autoavaliação ecoaram especialmente nas obras dos existencialistas subsequentes, como Jean-Paul Sartre. Como o super-homem de Nietzsche, Sartre disse que cada um de nós deve definir o significado de nossa existência. As críticas de Nietzsche contra a tradição filosófica ocidental tiveram enorme impacto não apenas na filosofia, mas também na cultura europeia e mundial, influenciando incontáveis artistas e escritores no século XX.
A moral
“(..) a história da luta da moral contra os instintos fundamentais da vida é a maior imoralidade que até hoje existiu sobre a terra...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.274)
“Vejo a má consciência como a profunda doença que o homem teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu — a mudança que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz. O mesmo que deve ter sucedido aos animais aquáticos, quando foram obrigados a tornar-se animais terrestres ou perecer, ocorreu a esses semianimais adaptados de modo feliz à natureza selvagem, à vida errante, à guerra, à aventura — subitamente seus instintos ficaram sem valor e "suspensos". A partir de então deveriam andar com os pés e "carregar a si mesmos", quando antes eram levados pela água: havia um terrível peso sobre eles. Para as funções mais simples sentiam-se canhestros [sem habilidades], nesse novo mundo não mais possuíam os seus velhos guias, os impulsos reguladores e inconscientemente certeiros — estavam reduzidos, os infelizes, a pensar, inferir, calcular, combinar causas e efeitos, reduzidos à sua "consciência", ao seu órgão mais frágil e mais falível! Creio que jamais houve na terra um tal sentimento de desgraça, um mal-estar tão plúmbeo [pesado] — e além disso os velhos instintos não cessaram repentinamente de fazer suas exigências! Mas era difícil, raramente possível, lhes dar satisfação: no essencial tiveram de buscar gratificações novas e, digamos, subterrâneas. Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro — isto é o que chamo de interiorização do homem: é assim que no homem cresce o que depois se denomina sua "alma". Todo o mundo interior, originalmente delgado [fino], como que entre duas membranas, foi se expandindo e se estendendo, adquirindo profundidade, largura e altura, na medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora. Aqueles terríveis bastiões [ênfase] com que a organização do Estado se protegia dos velhos instintos de liberdade — os castigos, sobretudo, estão entre esses bastiões [ênfase] — fizeram com que todos aqueles instintos do homem selvagem livre e errante se voltassem para trás, contra o homem mesmo. A hostilidade, a crueldade, o prazer na perseguição, no assalto, na mudança, na destruição — tudo isso se voltando contra os possuidores de tais instintos: esta é a origem da má consciência. Esse homem que, por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu, corroeu, espicaçou [bicou], maltratou a si mesmo, esse animal que querem "amansar", que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia [melancolia] do ermo [solitário], que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa mata — esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da "má consciência". Com ela, porém, foi introduzida a maior e mais sinistra doença, da qual até hoje não se curou a humanidade, o sofrimento do homem com o homem, consigo: como resultado de uma violenta separação do seu passado animal, como que um salto e uma queda em novas situações e condições de existência, resultado de uma declaração de guerra aos velhos instintos nos quais até então se baseava sua força, seu prazer e o temor que inspirava.” (NIETZSCHE, Genealogia da moral, 2010, p.67-68)
“Essa hipótese sobre a origem da má consciência pressupõe, em primeiro lugar, que a mudança não tenha sido gradual nem voluntária, e que não tenha representado um crescimento orgânico no interior de novas condições, mas uma ruptura, um salto, uma coerção, uma fatalidade inevitável, contra a qual não havia luta e nem sequer ressentimento. Em segundo lugar, que a inserção de uma população sem normas e sem freios numa forma estável, assim como tivera início com um ato de violência, foi levada a termo somente com atos de violência — que o mais antigo "Estado", em consequência, apareceu como uma terrível tirania, uma maquinaria esmagadora e implacável, e assim prosseguiu seu trabalho, até que tal matéria-prima humana e semianimal ficou não só amassada e maleável, mas também dotada de uma forma.” (NIETZSCHE, Genealogia da moral, 2010, p.69)
“... Não podemos hoje imaginar a degenerescência moral separada da degenerescência fisiológica: a primeira nada mais é que o conjunto de sintomas da segunda: somos necessariamente maus, como somos necessariamente doentes... Mau: a palavra exprime aqui certas incapacidades que são fisiologicamente ligadas ao tipo da degenerescência: por exemplo, a fraqueza da vontade, a incerteza e até a multiplicidade da "pessoa", a impotência para suprimir a reação a uma excitação qualquer e de "dominar-se", o constrangimento diante de toda espécie de sugestão de uma vontade estranha. O vício não é a causa; o vício é a consequência.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.269)
“A partir de todas as idiossincrasias [características peculiares] morais, vejo uma avaliação fundamentalmente diferente: não conheço essas separações absurdas entre o gênio e o mundo da vontade moral e imoral. O homem moral é de uma espécie inferior ao homem imoral, de uma espécie mais fraca; é um tipo segundo a moral, não é porém seu próprio tipo; é uma cópia, uma boa cópia ao rigor — a medida de seu valor reside fora dele. Estimo o homem pela quantidade de potência e pela plenitude de sua vontade; e não conforme o enfraquecimento e a purificação da vontade; considero uma filosofia que ensina a negação da vontade como uma doutrina de aviltamento e de calúnia... Julgo a potência de uma vontade segundo o grau de resistência, de dor, de tortura que ela suporta para convertê-las em seu favor; não censuro à existência seu caráter mau e doloroso, mas espero que esse caráter se tornará um dia mais mau e mais doloroso ainda...” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.475)
“A ‘escala dos valores morais’, enquanto social, mede o homem de acordo com os efeitos exercidos sobre seus semelhantes. Um homem que degusta seu próprio sabor, envolto e escondido em sua solidão, incomunicável, não expansivo — um homem não calculado, portanto um homem de categoria superior, e, em todos os casos, de outra espécie: como quereis avaliá-lo, quando não podeis nem conhecê-lo, nem compará-lo com outros?
A escala dos valores morais teve por resultado a maior obtusidade do julgamento: o valor que um homem possui por si mesmo não é apreciado como merece, descuidamo-lo quase ou quase o negamos. É um saldo de teleologia ingênua o de julgar o valor do homem por relações com os outros homens.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.477)
“O constrangimento da vontade era tido como o que dava ao ato valor superior: Deus era considerado então o autor...
Vem o contramovimento: o dos moralistas, sempre com o mesmo preconceito, o de crer que somos responsáveis pelos menores acontecimentos, se os quisermos. O valor do homem está fixado como valor moral: portanto, seu valor deve ser causa prima; logo, deve haver aí um princípio no homem, o "livre-arbítrio", que seria a causa prima. Há sempre a segunda intenção: se o homem não é a causa prima enquanto vontade, é irresponsável, consequentemente, não é da competência da moral. A virtude e o vício serão então automáticos e inconscientes.” (NIETZSCHE, Vontade potência, 2011, p.266)
“O erro do livre-arbítrio. — (...) Em todo lugar onde se procura responsabilidades, costuma ser o instinto de querer punir e julgar que está a procura delas. O devir foi despido de sua inocência quando se busca explicar pela vontade, pelas intenções ou por atos de responsabilidade alguma maneira de ser: a doutrina da vontade foi inventada essencialmente com a finalidade de punir, ou seja, de querer encontrar culpados. (...) O cristianismo é uma metafísica de carrasco...
(...) Fomos nós que inventamos a noção de "finalidade": a finalidade está ausente da realidade... Somos necessários, somos um fragmento de destino, pertencemos ao todo, estamos no todo — não há nada que possa julgar, medir, comparar e condenar o nosso ser, pois isso significaria julgar, medir, comparar e condenar o todo... Mas não há nada fora do todo!” (NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 2010, p.57-59)
Nós somos efeito e não causa.