quarta-feira, 18 de setembro de 2013

POR QUE OS NOSSOS ALUNOS TEM UM  DESEMPENHO MEDIOCRE NO ENEM.??

Por Alacir Arruda

     No Brasil a coisa é mais ou menos  assim; o ENEM caminha para o norte enquanto o ensino médio regular e cursinhos pré-vestibulares caminham para o sul. Estão, diametralmente, em posições opostas. Já disse em artigos anteriores que o ENEM é a coisa mais interessante que já se produziu em educação no Brasil nos últimos 513 anos. Digo isso por achar a sua proposta inovadora e estar em consonância com o que prescreve os conceitos de conhecimento para o século XXI, qual seja, um ser humano que possua uma visão holística de mundo, consiga enfrentar situações criticas e possa se doar,  ainda,  por compor o  grupo que ajudou a elaborar o Novo Enem em 2009 e ter colaborado, nos últimos 6 anos,  como elaborador de Itens para o Banco de Dados do INEP. Mas por que os nossos alunos demonstram não ter a menor idéia do que seja o ENEM? A explicação está na falta de conhecimento, por parte deles, dos conceitos básicos  que norteiam a prova como; Habilidades, Competências, Situações Problemas e Interdisciplinaridade. Esses conceitos, que são a base do ENEM, não são ensinados nas escolas, aliás, 94% dos professores brasileiros (segundo dados da faculdade de educação da USP)  não tem a menor noção do que sejam isso. Isso justifica, grosso modo, o fracasso de nossos alunos, que em parte está ligado a má formação dos nossos docentes e a outra parte na decadência da escola no Brasil. Em resumo, o ENEM é perfeito, para ser aplicado em países como Finlândia, Suécia Dinamarca Coréia do sul etc, mas o Brasil não esta preparado para um desafio desse porte.
     Que o objetivo da escola é dar um sentido ao Ensino Médio isso ninguém discute. Para ela, esse sentido é propedêutico, de continuação dos estudos. Assim, parece-lhe certo fazer o que for possível para o aluno atingir a universidade. Se as universidades aderiram ao ENEM, a escola deve preparar o aluno para um bom desempenho na prova. Com uma avaliação considerada mais fácil do que o vestibular, o investimento nele é prioritário, pois, se o desempenho do aluno no ENEM não for satisfatório, dificilmente o será no vestibular. Com um bom desempenho no vestibular, vem a soma: soma de pontos para ingressar na universidade e soma de conhecimentos para a prova do vestibular. Sem hipocrisias, como defende a professora, o ENEM se transformou em um vestibular de segunda categoria, ou mesmo, um vestibular mais humanizado.
   Dessa maneira, essa perspectiva do MEC - trazer o ENEM para orientar os currículos das escolas, indiretamente, pressionando via novas demandas de conhecimento, que serão exigidas nessa avaliação nacional - aproxima-se, e muito, da visão de transformar a educação em um grande cursinho. A diferença é que o cursinho anterior tinha o vestibular tradicional como alvo principal a atingir. Agora, o novo cursinho – quem quiser pode ler reforma do Ensino médio – terá como objetivo os padrões do ENEM.
      A máxima vem endossar que o problema não é o vestibular em si, mas sim, a não exigência de conteúdos compatíveis com a vida. Em outras palavras, passou-se muito a difundir que o problema não é seguir o vestibular. A questão é que o vestibular não estaria de acordo com o que a sociedade exige que o aluno aprenda. Como o vestibular, em nome da autonomia, depende de cada instituição de ensino superior, ele foi se fragmentando a ponto de cada escola exigir conteúdos diferentes, isolados. O ENEM, então, a nova bússola do Ensino Médio, entra para corrigir os currículos das escolas sem impor diretamente sua diretriz. É com essa conotação, como um modelo a ser seguido, que o ENEM tem a pretensão de servir como referência para os currículos.
    Uma primeira questão é que o sistema educacional no Brasil, como em diversos outros países subdesenvolvidos ou ditos em desenvolvimento, é montado para deixar uma grande parte de fora. E a forma como o sistema funciona é a de um funil (os governos odeiam essa analogia). Mesmo quando estão dentro, como é o caso do Ensino Fundamental e, em menor grau, o do Ensino Médio, o baixo rendimento, a evasão e a repetência contribuem para alimentar o funil. Muitos entram, poucos saem (e os poucos têm sido, em sua grande maioria, os das classes dominantes). O funil alivia a pressão sobre os demais níveis. Do Ensino Médio para o Ensino Superior, isso é escancarado. Basta ver quantos concluem o Ensino Médio e quantos tentam acesso à universidade. E dos que tentam o acesso, quantos conseguem entrar.
    Assim, é preciso afirmar que o vestibular (o grande vilão) não existe para excluir, ele exclui para existir: é o instrumento que possibilita colocar uns para dentro e manter outros de fora. Por isso que é ingênuo quando o MSU (Movimento dos Sem Universidade), anteriormente acordado com a direção do evento, invade a fala do ministro da educação, pedindo o fim do vestibular[1]. A verdade é que não há vagas para quem não pode pagar (sejam as universidades ou as escolas básicas). É a exclusão que faz existir o vestibular. Ele se faz necessário pela função que o Brasil ocupa na atual ordem capitalista. A prioridade da política econômica é o pagamento das dívidas internas e externas, do investimento no agronegócio, do sucateamento da educação pública, das privatizações das estatais. É inerente ao sistema educacional do capitalismo subdesenvolvido a exclusão. Isso não quer dizer que se deve cruzar os braços e não fazer nada, “pois tudo já está resolvido” ou “nada pode ser feito”. Pelo contrário. Só mostra que nada está resolvido, que o trabalho de quem quer construir uma sociedade diferente é muito mais complexa do que as reformas, no sistema capitalista, podem sugerir.
    Diante de todo o exposto, fica evidente que o ENEM cresceu em cima do desejo/ilusão de milhões de jovens de ingressar no ensino superior após as universidades ‘aceitarem’ usar o resultado como parte de seu processo seletivo. Com o uso desse imaginário, o MEC pensa em consolidar o exame para transformá-lo em bússola para a reforma do Ensino Médio (contribuindo com o professor em sala de aula), para acabar com o currículo para a ‘não-vida’ e efetivar o novo currículo para a vida.  
     Não precisa ser nenhum vidente para imaginar o estrago em que isso vai dar. De fato, o exame só atinge mesmo uma minoria que está na ponta do funil tentando escapar para a universidade. Desses, as estatísticas denunciam, todos os anos, só uma pequena parte vai conseguir sentar-se nos bancos dos institutos superiores de ensino. A grande massa que fez a inscrição para o ENEM foi ludibriada pela intensa propaganda de que poderia ser aprovada no vestibular se tivesse um bom desempenho. A onda de crescimento tanto já parou, como já começou o recuo de inscritos no ENEM (basta ver os anos de 2002, 2003 e 2004 do quadro VII). A tendência é estabilização nos marcos dos mesmos números dos vestibulares. Quem vai pagar o preço pelo patrocínio gratuito da frustração em nossos jovens não se sabe, mas a história deve dar alguma resposta, alhures.  Portanto, achar que uma avaliação que já nasceu com a função de selecionar pode contribuir com o professor para construir um novo Ensino Médio, demonstra bem que tipo de reforma se pretende implantar: além de estar baseada no currículo, ainda depende sobremaneira da ilusão de acesso ao Ensino Superior, que dura pouco tempo.






[1] Aconteceu no Fórum Mundial de Educação em São Paulo, durante a palestra proferida pelo atual ministro da educação, Tarso Genro.

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