terça-feira, 29 de abril de 2014

tema de enem 2014

Perigo iminente: o ocidente quer ressuscitar a Guerra Fria..

por: alacir arruda e roberto savio

Paraquedistas norte-americanos chegam à Polônia em 23/4, para participar de exercícios militares conjuntos. Desde 1990, EUA desrespeitam compromisso de não ampliar OTAN e instalam bases militares em torno da Rússia

"Além de não representar ameaça militar ou econômica, a Rússia suportou provocações em série. Mas militares petroleiras e mídia querem fabricar um demônio."

Há algumas semanas que grande parte da chamada "mídia mainstream" está engajada em denunciar,  primeiro a suposta ação de Putin na Crimeia – e em seguida, na Ucrânia. A última capa de The Economist mostra um urso engolindo a Ucrânia, sob o título “Insaciável”. A unanimidade na mídia é sempre constrangedora, porque significa algum ato de dobrar joelhos. Será possível que os quarenta anos de Guerra Fria estejam sendo ressuscitados?
A inércia desta guerra, na verdade, nunca foi rompida. Diga “o presidente comunista de Cuba, Raúl Castro”, e ninguém ficará chocado. Use a mesma lógica, e chame o presidente Obama de “capitalista” e repare nas reações. Na Itália, Sílvio Berlusconi foi capaz, durante vinte anos, de ganhar as eleições contra a “ameaça” do comunismo – representada, segundo ele, pelo partido à esquerda, agora no poder, sob Matteo Renzi, um católico devoto.
No caso da Ucrânia, há pelo menos quatro pontos fulcrais de análise que estão sendo ocultados pelo coro de mídia. O primeiro é que nunca se mencionam as responsabilidades do Ocidente no caso. Deveríamos lembrar que Mikhail Gorbachev, presidente russo ao final dos anos 1990, negociou com os chefes de Estado dos EUA (Ronald Reagan), Grã-Bretanha (Margareth Thatcher), Alemanha (Helmut Kohl) e França (François Mitterrand) que aceitaria a reunificação da Alemanha; mas que que o Ocidente, em contrapartida, não deveria tentar invadir a área de influência da Rússia. Sobre isso, há grande quantidade de documentos.
Mas assim que Gorbachev foi eliminado, o jogo foi reaberto. A total docilidade de Boris Yeltsin, seu sucessor, diante dos Estados Unidos, é bastante conhecida. Muito menos debatido é o fato de o Fundo Monetário Internacional ter oferecido um empréstimo de 3,5 bilhões de dólares, para sustantar o rublo. O empréstimo, porém, foi dirigido aoBank of America, que o distribuiu entre várias contas russas. Nenhum centavo chegou ao Banco Central russo. O dinheiro desembarcou nas contas de oligarcas, que puderam comprar praticamente todas as empresas públicas russas. Em seu livroFarewell Russia, Gioulietto Chiesa explica o processo em detalhes. E o FMI jamais sequer balbuciou um protesto. Quando um desconhecido Vladimir Putin foi levado ao poder por Yeltsin, ele foi obrigado a aceitar um acordo de proteção aos oligarcas.
Depois de Yeltsin, Putin apoiou a invasão iminente do Afeganistão por Washington, de uma forma que teria sido inimaginável durante a Guerra Fria. Aceitou que aviões norte-americanos sobrevoassem o espaço aéreo da Rússia, que os EUA usassem as bases militares nas repúblicas da ex-União Soviética na Ásia Central, e ordenou aos militares que compatilhassem sua experiênia no Afeganistão. Então, em novembro de 2001, Putin visitou George Bush em seu rancho no Texas, em meio a declarações amistosas (“Putin é um novo líder que ajuda a paz mundial… trabalhando em proximidade com os Estados Unidos”). Poucas semanas depois, Bush anunciou que os EUA estavam abandonando o Tratado de Mísseis Anti-balísticos, para poder construir um sistema de guerra no espaço destinado, em palavras a proteger a OTAN do… Irã. Era uma ação claramente voltada, na prática, contra a Rússia, para espanto de Putin.
Na sequência, em 2002, Bush convidou sete nações da ex-União Soviética – entre elas, Estônia, Lituânia e Letônia – a somar-se à OTAN, o que se concretizou em 2004. Em 2003, a invasão do Iraque, sem consentimento da França, Alemanha e Rússia, transformou Putin num cítico aberto dos Estados Unidos e de sua proposta de promover a democracia passando por cima do direito internacional. No mesmo ano, na Geórgia, a Revolução Rosa levou Saakashvili, um pró-ocidental, ao poder. Quatro meses depois, na Ucrânia, a Revolução Laranja empoderou outro presidente pró-ocidental, Yushcenko. Em 2006, a Casa Banca pediu permissão para reabastecer o avião de Bush em Moscou, mas deixou claro que Bush não teria tempo para saudar Putin. E em 2008, houve a declaração unilateral de independência de Kososo da Sérvia, com o apoio dos Estados Unidos e contra as posições da Rússia. Então, Bush pediu à OTAN para incorporar a Ucrânia e a Geórgia – um tapa na cara de Moscou. Em face disso, não deveria ter causado surpresa o gesto de Putin, que interveio militarmente na Geórgia em 2008, quando este país tentou incorporar as regiões da Ossétia do sul e Abkhazia, de maioria russa. Ainda assim, é fácil lembrar que a mídia tratou o movimento como ação sem motivos.
Obama tentou reparar os danos provocados por Bush nas relações internacionais dos EUA. Ele propôs uma retomada (“reset”) nas relações com a Rússia, que foi, de início, bem sucedida. Moscou aceitou oferecer seu espaço aéreo para transporte de suprimentos militares norte-americanos destinados ao Afeganistão. Em 2010, a Rússia e os Estados Unidos assinaram um novo tratado Start, reduzindo seu arsenal nuclear. E a Rússia apoiou as sanções aprovadas pela ONU contra o Irã, desistindo de vender seis mísseis terra-ar S/300 ao Teerã.
Mas logo a seguir, em 2011, tornou-se claro que os Estados Unidos tentaram intervir nas eleições parlamentares russas. Toda a mídia ocidental colocou-se contra Putin, que acusou os EUA de financiarem, com centenas de milhões de dólares, grupos oposicionistas. O embaixador norte-americano, McFaul, afirmou tratar-se de um grande exagero, e acrescentou que apenas algumas dezenas de milhões de dólares haviam sido doados a grupos da sociedade civil. Putin foi eleito novamente para a presidência em 2012 [após quatro anos como primeiro-ministro], já então obcecado com as ameaças ocidentais a seu poder. Em 2013, ele deu asilo ao ex-agente norte-americano Edward Snowden. Em represália, Obama cancelou um encontro bilateral – a primeira vez em que uma reunião de cúpula entre Washington e Moscou foi desmarcada, em cinquanta anos.
Em meio a tudo isso, houve a Primavera Árabe. A Rússia autorizou ação militar na Líbia, mas apenas para garantir ajuda humanitária. Ela foi utilizada para provocar mudança de regime, e Moscou sentiu-se enganada. Protestou, inutilmente. Então, surgiu a crise na Síria e o Ocidente tentou obter novamente o apoio da Rússia para uma mudança de regime – irritando-se com a recusa de Putin. Finalmente, agora, houve a bem conhecida intervenção na Ucrânia, para colocar o país na União Europeia e distante do bloco econômico eurasiano que a Rússia tenta criar.
O segundo ponto é que nenhuma ação política, exceto uma guerra, pode reduzir a Rússia à condição de um poder apenas local. É o maior país do mundo, em território. Estende-se das fronteiras da União Europeia até o Extremo Oriente. É, ao mesmo tempo, Europa e Ásia. Mantém rivalidade com a China na Ásia, tem conflitos territoriais com o Japão e está diante dos EUA no Estreito de Behring. É um produtor destacado de petróleo, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e tem um arsenal nuclear. Qualquer esforço para cercá-la ou enfraquecê-la, agora que o confronto ideológico ficou para trás, só pode ser visto como parte da velha política imperial.
A Rússia não é uma ameaça, ao contrário da União Soviética. Seu PIB é 15% da Europa – que tem 500 milhões de habitantes e 16% das exportações mundiais. A China tem 1,3 bilhão de habitantes, e 9% do comércio mundial. A Rússia, apenas 145 milhões e 2,5% das exportações mundiais. Tem poucas indústrias, também porque Putin não está interessado na modernização do país, que inevitávelmente produziria um crescimento da classe de profissionais instruídos, que já se opõe a ele.
O terceiro ponto é que, portanto, a crise ucraniana deveria ser examinada melhor. É um Estado muito frágil, em que a corrupção controla a política e que vive problemas econômicos estruturais. Seu Oeste é mais rural; o Leste, mais industrializado. Os trabalhadores desta região sabem que um ingresso na Europa representaria o fim de muitas fábricas. No Oeste, muitos colocaram-se ao lado dos nazistas na II Guerra Mundial e há um movimento nacionalista forte, próximo ao fascismo. A Ucrânia é um problema muito caro e complicado.
É evidente que intervir apenas para desafiar Putin, e oferecer dinheiro (basicamente, o que fez a União Europeia) parece um pensamento muito tacanho. Estaria a UE preparada para mudar os critérios de pertencimento ao bloco, para aceitar um país que claramente não se adequa a eles; e a assumir um enorme peso, para aparecer como vencedora, na disputa contra um “homem forte”?
Isso finalmente nos leva ao quarto ponto. Putin é um ex dirigente da KGB, para quem a Rússia foi tratada injustamente, na dissolução da União Soviética. Todos os esforços para chegar a um entendimento com o Ocidente foram traídos, com sucessivas ampliações da OTAN, uma rede de bases militares cercando o país, um claro apoio do Ocidente a todas as oposições, um tratamento comercial medíocre. Ele sabe que estas opiniões sobre o declínio russo são compartilhadas por uma ampla maioria de cidadãos. Mas ele também é um autocrata arrogante, para dizer o menos, que nada tem feito para promover modernização econômica – porque, ao manter a produção e o comércio em suas mãos, conserva seu controle.
Para ele, a Ucrânia foi politicamente inaceitável. Ele está apresentando-se como defensor dos cidadãos russos, algo que lhe permite atuar em todos os lugares onde há minorias russas. A questão é: se Putin se for, haverá uma Rússia democrática, participatória, limpa, incorrompida? Aqueles que conhecem bem o país não acreditam nesta hipótese. Há inúmeros exemplos de que a remoção de autocratas não conduz à democracia por si mesma.
Portanto, haveria lógica em continua a cercar Putin, em nome da democracia? Isso não fortaleceria o próprio jogo do presidente, que associa sua imagem à de defensor dos russos? Eles também sofrem com a inércia da Guerra Fria e não veem o Ocidente exatamente como um aliado. Putin é hoje a única força de coesão na Rússia. Se ele se fosse, haveria, muito provavelmente, um longo período de caos. Isso certamente não interessa aos cidadãos russos… e é sempre perigoso praticar jogos de poder sem levar em conta a estabilidade da Europa… Claro, este não é o cálculo dos estrategistas ocidentais, que adorariam eliminar qualquer outro poder…
Como escreve Naomi Klein, o único vencedor, nesta disputa, são as empresas de energia. Elas estão fazendo campanha para que o mundo torne-se independente do petróleo russo. Portanto, vamos acelerar a produção petroleira nos EUA, a despeito dos notórios prejuízos ao ambiente. E vamos torcer para que a Europa deixe de usar gás russo – “nós exportaremos para eles”. Na verdade, não há estruturas para fazê-lo e seriam necessários muitos anos para criá-las… Mas exatamente no momento em que o mundo debate como controlar a mudança climática, e reduzir o uso de combustíveis fósseis, uma contra-estratégia importante é colocar o tema em segundo plano… Tarzi Vittach, um autor do Sri Lanka, disse, certa vez: “no fundo de tudo, há outra coisa”. Não há muitos exemplos de petróleo e democracia caminhando lado a lado…


segunda-feira, 28 de abril de 2014

angustia e liberdade.

O HOMEM E SUA  ETERNA ANGÚSTIA: A LIBERDADE

Alacir Arruda

O existencialismo, enquanto corrente de pensamento filosófico, tem voltado as discussões acadêmicas desde que a Universidade de Harvard a considerou uma corrente “verdadeiramente honesta” sob a ótica do método em 2012. Nesse sentido, ao consideramos que e a filosofia da liberdade de Sartre se resume em seu próprio dito: “o destino do homem está nas suas mãos” (Sartre, 1978, p. 246). Isto significa que o homem será ou que tiver se projetado, porque o homem é liberdade. É forçado, em face a situações, a escolher, a inventar-se a cada momento sendo responsável pelas suas escolhas, sempre em vista dos outros. Não obstante, a única coisa que não pode escolher é de não ser livre, pois nisto implicaria a rensuncia de si mesmo. Sua liberdade é o fundamento de toda a moral, porém nada justifica que este ou aquele valor seja melhor. Se a liberdade do homem é o fundamento absoluto, então, a moral não existe senão no próprio homem, manifesta no agir concretamente.
O existencialismo tem sido coerente ao afirmar que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém, nada mais queremos dizer senão que a dignidade do homem é maior do que a da pedra ou da mesa. Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada, existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser. Não o que ele quis ser, pois entendemos vulgarmente o querer como uma decisão consciente que, para quase todos nós, é posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. Eu quero aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso são manifestações de uma escolha mais original, mais espontânea do que aquilo a que chamamos de vontade. Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. A palavra subjetivismo tem dois significados, e os nossos adversários se aproveitaram desse duplo sentido. Subjetivismo significa, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio e, por outro lado, impossibilidade em que o homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana. É esse segundo significado que constitui o sentido profundo do existencialismo. Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. De fato, não há um único de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não esteja criando, simultaneamente, uma imagem do homem tal como julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira. Se eu sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão em vez de ser comunista, e se, por essa adesão, quero significar que a resignação é, no fundo, a solução mais adequada ao homem, que o reino do homem não é sobre a terra, não estou apenas engajando a mim mesmo: quero resignar-me por todos e, portanto, a minha decisão engaja toda a humanidade. Numa dimensão mais individual, se quero casar-me, ter filhos, ainda que esse casamento dependa exclusivamente de minha situação, ou de minha paixão, ou de meu desejo, escolhendo o casamento estou engajando não apenas a mim mesmo, mas a toda a humanidade, na trilha da monogamia. Sou, desse modo, responsável por mim mesmo e por todos e crio determinada imagem do homem por mim mesmo escolhido; por outras palavras: escolhendo-me, escolho o homem.
Tudo isso permite-nos compreender o que subjaz a palavras um tanto grandiloqüentes como angústia, desamparo, desespero. Como vocês poderão constatar, é extremamente simples. Em primeiro lugar, como devemos entender a angústia? O existencialista declara freqüentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade. É fato que muitas pessoas não sentem ansiedade, porém nós estamos convictos de que estas pessoas mascaram a ansiedade perante si mesmas, evitam encará-la; certamente muitos pensam que, ao agir, estão apenas engajando a si próprios e, quando se lhes pergunta: mas se todos fizessem o mesmo? Eles encolhem os ombros e respondem: nem todos fazem o mesmo. Porém, na verdade, devemos sempre perguntar-nos: o que aconteceria se todo mundo fizesse como nós? e não podemos escapar a essa pergunta inquietante a não ser através de uma espécie de má fé. Aquele que mente e que se desculpa dizendo: nem todo mundo faz o mesmo, é alguém que não está em paz com sua consciência, pois o fato de mentir implica um valor universal atribuído à mentira. Mesmo quando ela se disfarça, a angústia aparece. É esse tipo de angústia que Kierkegaard chamava de angústia de Abraão. Todos conhecem a história: um anjo ordena a Abraão que sacrifique seu filho. Está tudo certo se foi realmente um anjo que veio e disse: tu és Abraão e sacrificarás teu filho. Porém, para começar, cada qual pode perguntar-se: será que era verdadeiramente um anjo? ou: será que sou mesmo Abraão? Que provas tenho? Havia uma louca que tinha alucinações: falavam-lhe pelo telefone dando-lhe ordens. O médico pergunta: “Mas afinal, quem fala com você?” Ela responde: “Ele diz que é Deus”. Que provas tinha ela que, de fato, era Deus? Se um anjo aparece, como saberei que é um anjo? E se escuto vozes, o que me prova que elas vêm do céu e não do inferno, ou do subconsciente ou de um estado patológico? O que prova que elas se dirigem a mim? Quem pode provar-me que fui eu, efetivamente, o escolhido para impor a minha concepção do homem e a minha própria escolha à humanidade? Não encontrei jamais prova alguma, nenhum sinal que possa convencer-me. Se uma voz se dirige a mim, sou sempre eu mesmo que terei de decidir que essa voz é a voz do anjo; se considero que determinada ação é boa, sou eu mesmo que escolho afirmar que ela é boa e não má. Nada me designa para ser Abraão, e, no entanto, sou a cada instante obrigado a realizar atos exemplares. Tudo se passa como se a humanidade inteira estivesse de olhos fixos em cada homem e se regrasse por suas ações. E cada homem deve perguntar a si próprio: sou eu, realmente, aquele que tem o direito de agir de tal forma que os meus atos sirvam de norma para toda a humanidade? E, se ele não fazer a si mesmo esta pergunta, é porque estará mascarando sua angústia. Não se trata de uma angústia que conduz ao quietismo, à inação. Trata-se de uma angústia simples, que todos aqueles que um dia tiveram responsabilidades conhecem bem. Quando, por exemplo, um chefe militar assume a responsabilidade de uma ofensiva e envia para a morte certo número de homens, ele escolhe fazê-lo, e, no fundo, escolhe sozinho. Certamente, algumas ordens vêm de cima, porém são abertas demais e exigem uma interpretação: é dessa interpretação – responsabilidade sua – que depende a vida de dez, catorze ou vinte homens. Não é possível que não exista certa angústia na decisão tomada. Todos os chefes conhecem essa angústia. Mas isso não os impede de agir, muito pelo contrário: é a própria angústia que constitui a condição de sua ação, pois ela pressupõe que eles encarem a pluralidade dos possíveis e que, ao escolher um caminho, eles se dêem conta de que ele não tem nenhum valor a não ser o de ter sido escolhido. Veremos que esse tipo de angústia – a que o existencialismo descreve – se explica também por uma responsabilidade direta para com os outros homens engajados pela escolha. Não se trata de uma cortina entreposta entre nós e a ação, mas parte constitutiva da própria ação.
Quando falamos de desamparo, expressão cara a Heidegger, queremos simplesmente dizer que Deus não existe e que é necessário levar esse fato às últimas conseqüências. O existencialista opõe-se frontalmente a certo tipo de moral laica que gostaria de eliminar Deus com o mínimo de danos possível. Quando, por volta de 1880, os professores franceses tentaram constituir uma moral laica, disseram mais ou menos o seguinte: Deus é uma hipótese inútil e dispendiosa; vamos suprimi-la: porém, é necessário – para que exista uma moral, uma sociedade, um mundo policiado – que certos valores sejam respeitados e considerados como existentes a priori; é preciso que seja obrigatório, a priori, ser honesto, não mentir, não bater na mulher, fazer filhos etc., etc. Vamos portanto realizar uma pequena manobra que nos permitirá demonstrar que esses valores existem, apesar de tudo, inscritos num céu inteligível, se bem que, como vimos, Deus não exista. É essa, creio eu, a tendência de tudo o que é chamado na França de radicalismo: por outras palavras, a inexistência de Deus não mudará nada; reencontramos as mesmas normas de honestidade, de progresso, de humanismo e teremos assim transformado Deus numa hipótese caduca, que morrerá tranqüilamente por si própria. O existencialista, pelo contrário, pensa que é extremamente incômodo que Deus não exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num céu inteligível; não pode mais existir nenhum bem a priori, já que não existe uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em nenhum lugar que o bem existe, que devemos ser honestos, que não devemos mentir, já que nos colocamos precisamente num plano em que só existem homens. Dostoievski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dela nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. O existencialismo não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a determinados atos, e que, conseqüentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxílio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o próprio homem quem decifra o sinal como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o homem a cada instante. Ponge escreveu, num belíssimo artigo: “O homem é o futuro do homem”. É exatamente isso. Apenas, se por essas palavras se entender que o futuro está inscrito no céu, que Deus pode vê-lo, então a afirmação está errada, já que, assim, nem sequer seria um futuro. Se se entender que, qualquer que seja o homem que surja no mundo, ele tem um futuro a construir, um futuro virgem que o espera, então a expressão está correta. Porém, nesse caso, estamos desamparados. Existe um exemplo muito famoso contado por Karl Popper que talvez  permita compreender melhor o desamparo; "contarei o caso de um dos meus alunos, que veio procurar-me nas seguintes circunstâncias: o pai estava brigando com a mãe e tinha tendências colaboracionistas; o irmão mais velho morrera durante a ofensiva alemã de 1940; e esse jovem, com sentimentos um pouco primitivos mas generosos, desejava vingá-lo. A mãe vivia só com ele, muito perturbada pela semi-traição do pai e pela morte do filho mais velho, e ele era seu único consolo. O Jovem então ficou com uma  tremenda dúvida; ir lutar na Guerra e vingar o irmão e orgulhar a pátria ou permanecer ao lado de sua mãe dando-lhe amparo? O jovem decidiu ficar com a mãe, caso raro de amor incondicional. Porem, ele era  ciente que sua decisão implicava em outras duas consequências: a não vingança do  irmão e o abandono de suas obrigações com o país  enquanto cidadão..  É isso, ser livre é, acima de tudo, fazer escolhas...

sexta-feira, 11 de abril de 2014

CAFE FILOSÓFICO DE ABRIL

CAFÉ FILOSÓFICO 
Diálogos do Ser

APRESENTA

O VII CAFÉ FILOSÓFICO-2014
TEMA
"ZYGMUNT BAUMAN: E OS DILEMAS DA PÓS MODERNIDADE"
Palestrante: Prof. Dr. Alacir Arruda - sociólogo
Data: 26/04/2014 – Sábado
Horário: 19h00 às 21h00
Local: Rua Jose Lacerda Cintra 138- Salão de Festas do Condomínio Piazza Florença. Atrás do  Dukas7 - Bairro Consil - Cuiabá-MT ( em frente a pamonharia Payol) 
Entrada Franca
Informações e contato: Priscila  fones(65)  9236 6155 ou 9693 2228

-Após o encontro será servido um delicioso Coffee Brake  

* Confirme logo sua presença são apenas 80 lugares.

P.S. Esse é o  sétimo encontro de uma ideia surgiu da necessidade de se criar em Cuiabá uma  massa critica que possa refletir sobre a realidade local a partir da global.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

O POLEMICO NIETZSCHE

PENSAMENTO DE NIETZSCHE
Por Alacir Arruda

  Friedrich Nietzsche (1844-1900)  foi o  filósofo que teve a coragem de expor questões antes nunca vistas. Ele contrariou idéias tidas como comuns na época e teve a ousadia de dizer que Deus não existia, quando a maior parte das pessoas era cristã. Criticou, ainda, Sócrates e Platão, a metafísica e a “moral dos escravos”, como ele mesmo se referia como sendo a mentalidade dos derrotados. Algumas de suas teorias incluem, ainda, a teoria do eterno retorno, o Dionisíaco e o Apolíneo, e o “Super Homem”. Nietzsche é considerado também um marco na psicologia, pois muitas de suas obras tratam de fenômenos típicos desta ciência. Porém, o mais importante da filosofia nietzschiana é a sua idéia de vida e a sua consciência de que existem valores especificamente vitais. Nesta expressão valores vitais encerram-se duas das idéias que vão dominar a filosofia posterior. Nietzsche é uma das origens da filosofia dos valores e da filosofia da vida.

O PENSAMENTO NIETZSCHIANO.

«  O DIONISÍACO E O APOLÍNEO.       
Da Grécia antiga, Nietzsche separa os dois protótipos opostos e típicos, o Apolíneo e o Dionisíaco, correspondentes aos deuses Apolo e Dionísio, o primeiro, simbolizando a serenidade, a clareza, a justa medida, o equilíbrio, o racionalismo; o segundo, a impulsividade, o desregramento, a intemperança, a vitalidade excessiva, a vontade de viver, não obstante os dissabores encontrados.
Há indivíduos apolíneos e dionisíacos, há cidades apolíneas e dinonisíacas, assim também como há períodos da história em que se notam traços de uma ou de outra dessas duas tendências.
«  O ETERNO RETORNO
Nietzsche depende em certa medida do positivismo da época; nega a possibilidade da metafísica; além disso, parte da perda da fé em Deus e na imortalidade da alma. Mas essa vida que se afirma, que pede para ser sempre mais, que pede eternidade no prazer, voltará uma vez e outra. Nietzsche utiliza uma idéia procedente de Heráclito, a do eterno retorno das coisas. Tudo o que acontece no mundo repetir-se-á igualmente vezes e vezes. Tudo voltará eternamente com todo o mal, o miserável e vil. O homem, porém, pode ir transformando o mundo com a vontade de poder, o bem supremo da vida, e transformando-se a si mesmo, mediante uma transmutação de todos os valores e encaminhar-se para o super-homem. Para ele, o bem é forte , o débil é o mal. Por isso, a compaixão é o mal supremo.
«  O SUPER-HOMEM
Nietzsche opõe-se a todas as correntes igualitárias, humanitárias e democráticas da época.O máximo bem é a própria vida, que culmina na vontade de poder. O homem deve superar-se, terminar em algo que esteja acima de si, como o homem está acima do macaco: esse é o super-homem.
«  A MORAL DOS SENHORES E A MORAL DOS ESCRAVOS
Nietzsche tem especial hostilidade pela ética kantiana do dever, como pela ética unitária e também pela moral cristã. Nietsche valoriza unicamente a vida, forte, sã, impulsiva, com vontade de domínio. Assim distingue dois tipos de moral. A moral dos senhores é a das individualidades poderosas, de vitalidade superior, exigentes para consigo mesmas; é a moral da exigência e da afirmação dos impulsos vitais. A moral dos escravos, em contrapartida, é a dos débeis e miseráveis, a moral dos degenerados; é regida pela falta de confiança na vida. Pela valorização da compaixão, da humildade, da paciência, etc. É uma moral de ressentidos, que se opõe a tudo que é superior e por isso afirmam todas as igualdades.
«  VALORIZAÇÃO DA GUERRA
Nietzsche, na sua valorização do esforço e do poder, é um dos pensadores que mais exaltou o valor da guerra; a guerra parece-lhe a oportunidade para que se produza uma série de valores superiores, e espírito de sacrifício, a valentia, a generalidade, etc. Para ele, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pelo risco, orgulho, personalidade criadora.
«  FILÓSOFOS
Para ele, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta “estimulando” o pensamento, e o pensamento “afirmando” a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto com tarefa de “julgar a vida”, apondo a ela valores pretensamente superiores, medindo-a por eles, impondo-lhe limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criados de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates inventou a metafísica, diz Nietzsche, fazendo a vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores superiores como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente “submisso”, inaugurando a época da razão do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição anterior.
«  CRÍTICA À METAFÍSICA E AO CRISTIANISMO
            Para ele, porém, a metafísica não tardaria a encontrar seus limites. Diz ele: “essa sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte”. Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as idéias não mais como “verdades” ou “falsidades”, mas como “sinais”. A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser, o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.
            A crítica dele à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate às idéias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma acirrada luta contra o cristianismo.
            Segundo ele, o cristianismo concebe o mundo terrestre como algo “ruim, transitório”, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se de um “platonismo para o povo”, de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo,continua ele, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escrava escapar à vida, à dor, à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida.
            Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo. Ele traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra “bom”. Em latim, significa guerreiro, significado esquecido pelo cristianismo. As palavras, segundo ele, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõe uma interpretação.
            Compreender Nietzsche talvez seja a coisa mais difícil neste mundo permeado por alienados e subservientes. Mas ignorá-lo é, talvez, o maior erro humano.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

caso petrobras

O CASO PETROBRÁS: ATÉ QUANDO??

Por Alacir Arruda

                              Que temos a síndrome de Vira-latas, como dizia Nelson Rodrigues, que parte  do principio de que "bom é o que vem de fora", disso ja sabíamos, porém, as denúncias contra a  Petrobras levantadas recentemente  pela Revista Veja no caso em que a estatal brasileira comprou a Refinaria de Passedena na California – EUA com valores Hiper-faturados com a anuência de toda a cúpula do Governo Lula, inclusive Dilma Roussef   Ministra Chefe da Casa Civil à época, mais uma vez expõe a fragilidade ética do governo PT.  Ela que  foi considerada um dos maiores orgulhos nacionais, símbolo da iniciativa e do esforço do povo brasileiro em buscar sua independência energética. Contudo, o atual governo tem transformado este outrora símbolo em uma “fábrica” de má administração, corrupção e incompetência gerencial, vindo até mesmo a comprometer este patrimônio nacional. Tal gerência desastrosa fica evidenciada categoricamente na perda de valor em bolsa das ações da empresa.

                                      A lista de fortes suspeições que paira sobre a Petrobrás inicia-se com um dos maiores escândalos já vistos na gestão de uma empresa estatal. Trata-se da operação relativa a compra e a venda de refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos.

                                   Ao todo, a Petrobras pagou US$ 1,18 bilhão, em duas etapas, para comprar uma refinaria que custou US$ 42,5 milhões à sua agora ex-sócia - quase 28 vezes menos.

                                   Especialistas internacionais no mercado de petróleo que acompanharam a operação em diferentes estágios chegam mesmo a afirmar que o valor de mercado da refinaria texana, de baixa complexidade, é muito menor do que o valor gasto pela Petrobrás para a obtenção do controle. Para alguns, com base em casos similares, poderia chegar a incrível soma de um décimo do que foi pago!

                                   Uma boa simulação sobre o caso referente a refinaria de Pasadena pode ser feita com a refinaria americana Trainer, também para óleo leve, comprada em 2012, pela Delta Airlines por US$ 150 milhões. A refinaria processa 85% mais óleo do que a de Pasadena. A Delta ainda recebeu US$ 30 milhões em incentivos do governo para fechar o negócio com a ConocoPhilips. Ora, a operação da Delta Airlines revela, com dados de mercado, o quão danosa foi a operação de Pasadena.

                                   Vamos aos fatos. No início de 2005, a refinaria Pasadena Refining System, de Pasadena, no Texas, foi adquirida pela empresa belga Astra Oil Company, pela quantia de US$ 42,5 milhões; em setembro de 2006, a Astra alienou à Petrobras 50% da refinaria mediante o pagamento de US$ 360 milhões, ou seja, vendeu metade da refinaria por mais de oito vezes o que pagara pela refinaria inteira, um ano e meio antes. Obviamente, não seria de estranhar, por conseguinte, que a Astra Oil Co. pretendesse vender os 50% que permaneciam no seu patrimônio. Incrivelmente, após realizar esta operação o controlador belga descreveu em seu balanço como "um sucesso financeiro acima de qualquer expectativa razoável".

                                   Ocorre que, em uma situação extremamente nebulosa e repleta de ações de caráter duvidoso que precisam ser esclarecidas, a Astra ajuizou ação contra a Petrobras e nela a Petrobras teria sido condenada e, mercê de acordo extrajudicial, pagou à Astra US$ 820 milhões, pondo fim ao litígio. Somadas as duas parcelas, US$ 360 milhões em setembro de 2006 e US$ 820 milhões em junho de 2009, a Astra Oil Co. embolsou da Petrobras US$ 1,180 bilhão por uma refinaria que em 2005 lhe custara US$ 42,5 milhões.
                                  
                                   Tal situação completamente fora dos padrões de mercado viola todos os princípios básicos de economia e direito, mesmo que se tratasse de uma operação inteiramente privada. Contudo, o que realmente deve-se destacar aqui é que a Petrobrás pertence ao povo brasileiro e foi envolvida em uma operação em que foi tratada como um “objeto de pilhagem”, onde constatamos uma analogia com táticas de “piratas” modernos que se arvoraram no direito de se utilizarem da coisa pública a seu bel-prazer e interesses escusos.
                                  
                                    De fato, não é possível presumir que representantes de uma das maiores empresas do país, com ampla experiência internacional pudessem vir a entrar em tal operação sem ter ciência da realidade dos fatos.  Dada a gravidade é preciso repetir detalhadamente os fatos para que se tenha noção do que ocorreu. De uma refinaria adquirida por US$ 42,5 milhões, em 2005, 50% dela no ano seguinte foi alienada por US$ 360 milhões e os outros 50% também transferidos à Petrobras mediante o pagamento de US$ 820 milhões; somados os dois pagamentos, vale a repetição, atingem a US$ 1,180 bilhão.
                                  
                                   A história torna-se ainda mais alarmante quando se tem ciência de que tal operação foi aprovada pela mais alta instância decisória da Petrobras, qual seja, seu Conselho de Administração, na época presidido pela atual Presidente Dilma Rousseff. A Lei 6.404, de 1976, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas deixa clara a importância daquela instância na gestão das empresas e da responsabilidade associada ao exercício da presidência do Conselho de Administração.

                                      Em nota, a presidência informou que a Presidente Dilma apoiou a compra da refinaria com base em um resumo executivo elaborado pelo diretor da área internacional da Petrobras que trazia "informações incompletas"! Não poderia haver confissão mais clara de que existe algo muito errado na aquisição da refinaria de Pasadena. Tal afirmação, por si só, justiça a instalação da CPMI. E a nota vai além; em uma pífia justificativa, afirma: "posteriormente, soube-se que o resumo era técnica e juridicamente falho, pois omitia qualquer referência às cláusulas" que, "se fossem conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho". Ora, fica claro que somente a investigação por parte de uma CPMI pode desvendar esta inexplicável história. Nunca devemos esquecer que é princípio basilar da administração pública o fato de que todo agente público pode delegar competência, mas não se eximir de responsabilidade.

                                   Não bastasse o fato descrito anteriormente, a Petrobras encontra-se também envolvida em investigação de um esquema de corrupção que movimentou mais de 250 milhões de dólares em pagamento de propina.
                                   Em 10 de abril de 2012, a empresa holandesa SBM Offshore, a maior fabricante de plataformas marítimas de exploração de petróleo do mundo, iniciou uma investigação interna para apurar denúncias de que funcionários de suas subsidiárias pelo mundo corrompiam autoridades para conseguir contratos com governos e empresas privadas, entre 2007 e 2011. Há algumas semanas, as conclusões da investigação foram tornadas públicas. Os documentos mostram que houve pagamento de propina em Guiné Equatorial, Angola, Malásia, Itália, Cazaquistão, Iraque e no Brasil, onde funcionários e intermediários da Petrobras teriam recebido pelo menos 30 milhões de dólares para favorecer contratos com a companhia holandesa.

                                   Os documentos, segundo a investigação, foram divulgados por Jonathan Taylor, ex-funcionário do escritório da SBM em Mônaco, que deixou a empresa em 2012 e pediu 3 milhões de euros para não revelar o esquema. Nos papéis, há nomes, valores, contratos e trocas de e-mails entre dirigentes da SBM e de empresas internacionais. A SBM confirmou autenticidade dos documentos, que foram enviados para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e para o Ministério Público da Holanda, que investigará o caso.

                                   Claramente, aqui pode-se deduzie que existe muita coisa a ser desvendada e que somente com uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a qual é revestida de poderes especiais, poder-se-á conseguir trazer a luz todo este esquema de corrupção.

                                   Continuando neste verdadeiro rol de maus feitos que estão destruindo um dos maiores patrimônios do povo brasileiro, e que devem ser investigados por esta Casa, registramos também a denúncia feita pelo Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) de que a empresa estaria  tirando dos estaleiros plataformas inacabadas! Um verdadeiro absurdo criminoso.  A informação foi dada pelo presidente do Sindipetro-NF, José Maria Rangel, ao explicar que o sindicato está levantando uma série de dados relativos à plataforma P-62, para serem encaminhados aos órgãos fiscalizadores na próxima semana.

                                   A P-62 foi entregue pelo Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernambuco, em dezembro do ano passado, com capacidade de produção de 180 mil barris diários, estando a ser instalada no campo de Roncador na Bacia de Campos e deve iniciar a operação no segundo trimestre deste ano. O Sindipetro-NF afirma que a unidade saiu com uma série de equipamentos sem funcionar, como o sistema principal de geração de energia. A plataforma estava com geração secundária com um gerador auxiliar, o que teria facilitado um incêndio ocorrido no início de janeiro último.

                                   Por último, faz-se necessário que esta Casa investigue os fortes indícios de superfaturamento na construção de refinarias. O exemplo mais emblemático da possibilidade de existência destes superfaturamentos trata-se da Refinaria Abreu e Lima. Essa foi a conclusão a que chegou uma auditoria iniciada em 2008, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e que acaba de ser concluída. O TCU verificou irregularidades na elaboração do projeto e execução de obras de terraplenagem, serviços complementares de drenagens, arruamento e pavimentação na refinaria, entre elas sobrepreço superior a R$ 69 milhões. O contrato para esses serviços de preparação para a construção da refinaria, inicialmente orçado em cerca de R$ 429 milhões, foi finalizado com custo aproximado de R$ 534 milhões (valores de 2007).

                                   Após decisão do TCU naquele ano, a Petrobras firmou apólice de seguro com o consórcio responsável pelas obras, para garantir o ressarcimento dos valores questionados pelo tribunal, caso fossem comprovadas as irregularidades. Cerca de R$ 49 milhões já foram devolvidos à petroleira, por meio de notas de crédito, após repactuação de preços realizada nos itens apontados com sobrepreço pelo TCU. Agora, a estatal deverá executar a apólice de seguro para receber o restante da quantia superfaturada, devidamente atualizada.

                                   Em uma das auditorias realizadas pelo TCU concluiu-se ainda que a Refinaria Abreu e Lima soma quase R$ 2 bilhões em faturas de serviços não previstos originalmente, mas necessários, por causa de erros da Petrobras. Em acórdão aprovado, o tribunal entende que falhas no projeto básico da refinaria causaram um efeito cascata de erros nas diversas etapas da construção, gerando aditivos já aprovados que somam R$ 943 milhões, fora R$ 1 bilhão em cobranças ainda sob análise da estatal.

                                   Segundo o relator do processo no TCU, ministro Benjamin Zymler, as falhas começaram na falta de estudos adequados para o empreendimento. Vários contratos tiveram que ser relicitados, e imprevistos na execução das obras geraram aditivos em muitos outros. Um dos exemplos citados pelo TCU foi o contrato para a construção de tubovias, que teve 586% mais estacas que o previsto originalmente para fixar as tubulações, por conta do “solo mole”, não detectado durante as sondagens iniciais. Isso resultou em um gasto adicional de R$ 150 milhões, segundo o relator. Pelos cálculos atuais, quando iniciar a operação, o que deverá acontecer possivelmente 2015, a Refinaria terá custado cerca de R$ 35,8 bilhões.

                                    A estatal petrolífera venezuelana PDVSA é parceira do projeto, mas ainda não investiu dinheiro nas obras. A Petrobras tem tentado um acordo com a PDVSA sobre a sua possível saída do projeto, mas as negociações não avançam.

                                   Inicialmente era previsto que a Abreu e Lima teria capacidade para processar 200 mil barris por dia de petróleo pesado. Mas o plano de negócios da Petrobras de 2008 passou a trabalhar com a perspectiva de ampliação dessa capacidade para 240 mil barris por dia, existindo a possibilidade de uma nova expansão para até 500 mil barris por dia, o que tornaria esta a maior refinaria do País. Esta previsão não se confirmou e a refinaria irá produzir 230 mbpd.

                                    Por tudo isto, torna-se indispensável a instalação imediata de uma CPMI. Dada a complexidade dos fatos e a necessidade de apurar os envolvidos.