segunda-feira, 28 de abril de 2014

angustia e liberdade.

O HOMEM E SUA  ETERNA ANGÚSTIA: A LIBERDADE

Alacir Arruda

O existencialismo, enquanto corrente de pensamento filosófico, tem voltado as discussões acadêmicas desde que a Universidade de Harvard a considerou uma corrente “verdadeiramente honesta” sob a ótica do método em 2012. Nesse sentido, ao consideramos que e a filosofia da liberdade de Sartre se resume em seu próprio dito: “o destino do homem está nas suas mãos” (Sartre, 1978, p. 246). Isto significa que o homem será ou que tiver se projetado, porque o homem é liberdade. É forçado, em face a situações, a escolher, a inventar-se a cada momento sendo responsável pelas suas escolhas, sempre em vista dos outros. Não obstante, a única coisa que não pode escolher é de não ser livre, pois nisto implicaria a rensuncia de si mesmo. Sua liberdade é o fundamento de toda a moral, porém nada justifica que este ou aquele valor seja melhor. Se a liberdade do homem é o fundamento absoluto, então, a moral não existe senão no próprio homem, manifesta no agir concretamente.
O existencialismo tem sido coerente ao afirmar que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém, nada mais queremos dizer senão que a dignidade do homem é maior do que a da pedra ou da mesa. Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada, existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser. Não o que ele quis ser, pois entendemos vulgarmente o querer como uma decisão consciente que, para quase todos nós, é posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. Eu quero aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso são manifestações de uma escolha mais original, mais espontânea do que aquilo a que chamamos de vontade. Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. A palavra subjetivismo tem dois significados, e os nossos adversários se aproveitaram desse duplo sentido. Subjetivismo significa, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio e, por outro lado, impossibilidade em que o homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana. É esse segundo significado que constitui o sentido profundo do existencialismo. Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. De fato, não há um único de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não esteja criando, simultaneamente, uma imagem do homem tal como julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira. Se eu sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão em vez de ser comunista, e se, por essa adesão, quero significar que a resignação é, no fundo, a solução mais adequada ao homem, que o reino do homem não é sobre a terra, não estou apenas engajando a mim mesmo: quero resignar-me por todos e, portanto, a minha decisão engaja toda a humanidade. Numa dimensão mais individual, se quero casar-me, ter filhos, ainda que esse casamento dependa exclusivamente de minha situação, ou de minha paixão, ou de meu desejo, escolhendo o casamento estou engajando não apenas a mim mesmo, mas a toda a humanidade, na trilha da monogamia. Sou, desse modo, responsável por mim mesmo e por todos e crio determinada imagem do homem por mim mesmo escolhido; por outras palavras: escolhendo-me, escolho o homem.
Tudo isso permite-nos compreender o que subjaz a palavras um tanto grandiloqüentes como angústia, desamparo, desespero. Como vocês poderão constatar, é extremamente simples. Em primeiro lugar, como devemos entender a angústia? O existencialista declara freqüentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade. É fato que muitas pessoas não sentem ansiedade, porém nós estamos convictos de que estas pessoas mascaram a ansiedade perante si mesmas, evitam encará-la; certamente muitos pensam que, ao agir, estão apenas engajando a si próprios e, quando se lhes pergunta: mas se todos fizessem o mesmo? Eles encolhem os ombros e respondem: nem todos fazem o mesmo. Porém, na verdade, devemos sempre perguntar-nos: o que aconteceria se todo mundo fizesse como nós? e não podemos escapar a essa pergunta inquietante a não ser através de uma espécie de má fé. Aquele que mente e que se desculpa dizendo: nem todo mundo faz o mesmo, é alguém que não está em paz com sua consciência, pois o fato de mentir implica um valor universal atribuído à mentira. Mesmo quando ela se disfarça, a angústia aparece. É esse tipo de angústia que Kierkegaard chamava de angústia de Abraão. Todos conhecem a história: um anjo ordena a Abraão que sacrifique seu filho. Está tudo certo se foi realmente um anjo que veio e disse: tu és Abraão e sacrificarás teu filho. Porém, para começar, cada qual pode perguntar-se: será que era verdadeiramente um anjo? ou: será que sou mesmo Abraão? Que provas tenho? Havia uma louca que tinha alucinações: falavam-lhe pelo telefone dando-lhe ordens. O médico pergunta: “Mas afinal, quem fala com você?” Ela responde: “Ele diz que é Deus”. Que provas tinha ela que, de fato, era Deus? Se um anjo aparece, como saberei que é um anjo? E se escuto vozes, o que me prova que elas vêm do céu e não do inferno, ou do subconsciente ou de um estado patológico? O que prova que elas se dirigem a mim? Quem pode provar-me que fui eu, efetivamente, o escolhido para impor a minha concepção do homem e a minha própria escolha à humanidade? Não encontrei jamais prova alguma, nenhum sinal que possa convencer-me. Se uma voz se dirige a mim, sou sempre eu mesmo que terei de decidir que essa voz é a voz do anjo; se considero que determinada ação é boa, sou eu mesmo que escolho afirmar que ela é boa e não má. Nada me designa para ser Abraão, e, no entanto, sou a cada instante obrigado a realizar atos exemplares. Tudo se passa como se a humanidade inteira estivesse de olhos fixos em cada homem e se regrasse por suas ações. E cada homem deve perguntar a si próprio: sou eu, realmente, aquele que tem o direito de agir de tal forma que os meus atos sirvam de norma para toda a humanidade? E, se ele não fazer a si mesmo esta pergunta, é porque estará mascarando sua angústia. Não se trata de uma angústia que conduz ao quietismo, à inação. Trata-se de uma angústia simples, que todos aqueles que um dia tiveram responsabilidades conhecem bem. Quando, por exemplo, um chefe militar assume a responsabilidade de uma ofensiva e envia para a morte certo número de homens, ele escolhe fazê-lo, e, no fundo, escolhe sozinho. Certamente, algumas ordens vêm de cima, porém são abertas demais e exigem uma interpretação: é dessa interpretação – responsabilidade sua – que depende a vida de dez, catorze ou vinte homens. Não é possível que não exista certa angústia na decisão tomada. Todos os chefes conhecem essa angústia. Mas isso não os impede de agir, muito pelo contrário: é a própria angústia que constitui a condição de sua ação, pois ela pressupõe que eles encarem a pluralidade dos possíveis e que, ao escolher um caminho, eles se dêem conta de que ele não tem nenhum valor a não ser o de ter sido escolhido. Veremos que esse tipo de angústia – a que o existencialismo descreve – se explica também por uma responsabilidade direta para com os outros homens engajados pela escolha. Não se trata de uma cortina entreposta entre nós e a ação, mas parte constitutiva da própria ação.
Quando falamos de desamparo, expressão cara a Heidegger, queremos simplesmente dizer que Deus não existe e que é necessário levar esse fato às últimas conseqüências. O existencialista opõe-se frontalmente a certo tipo de moral laica que gostaria de eliminar Deus com o mínimo de danos possível. Quando, por volta de 1880, os professores franceses tentaram constituir uma moral laica, disseram mais ou menos o seguinte: Deus é uma hipótese inútil e dispendiosa; vamos suprimi-la: porém, é necessário – para que exista uma moral, uma sociedade, um mundo policiado – que certos valores sejam respeitados e considerados como existentes a priori; é preciso que seja obrigatório, a priori, ser honesto, não mentir, não bater na mulher, fazer filhos etc., etc. Vamos portanto realizar uma pequena manobra que nos permitirá demonstrar que esses valores existem, apesar de tudo, inscritos num céu inteligível, se bem que, como vimos, Deus não exista. É essa, creio eu, a tendência de tudo o que é chamado na França de radicalismo: por outras palavras, a inexistência de Deus não mudará nada; reencontramos as mesmas normas de honestidade, de progresso, de humanismo e teremos assim transformado Deus numa hipótese caduca, que morrerá tranqüilamente por si própria. O existencialista, pelo contrário, pensa que é extremamente incômodo que Deus não exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num céu inteligível; não pode mais existir nenhum bem a priori, já que não existe uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em nenhum lugar que o bem existe, que devemos ser honestos, que não devemos mentir, já que nos colocamos precisamente num plano em que só existem homens. Dostoievski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dela nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. O existencialismo não acredita no poder da paixão. Ele jamais admitirá que uma bela paixão é uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a determinados atos, e que, conseqüentemente, é uma desculpa. Ele considera que o homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxílio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que é o próprio homem quem decifra o sinal como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o homem a cada instante. Ponge escreveu, num belíssimo artigo: “O homem é o futuro do homem”. É exatamente isso. Apenas, se por essas palavras se entender que o futuro está inscrito no céu, que Deus pode vê-lo, então a afirmação está errada, já que, assim, nem sequer seria um futuro. Se se entender que, qualquer que seja o homem que surja no mundo, ele tem um futuro a construir, um futuro virgem que o espera, então a expressão está correta. Porém, nesse caso, estamos desamparados. Existe um exemplo muito famoso contado por Karl Popper que talvez  permita compreender melhor o desamparo; "contarei o caso de um dos meus alunos, que veio procurar-me nas seguintes circunstâncias: o pai estava brigando com a mãe e tinha tendências colaboracionistas; o irmão mais velho morrera durante a ofensiva alemã de 1940; e esse jovem, com sentimentos um pouco primitivos mas generosos, desejava vingá-lo. A mãe vivia só com ele, muito perturbada pela semi-traição do pai e pela morte do filho mais velho, e ele era seu único consolo. O Jovem então ficou com uma  tremenda dúvida; ir lutar na Guerra e vingar o irmão e orgulhar a pátria ou permanecer ao lado de sua mãe dando-lhe amparo? O jovem decidiu ficar com a mãe, caso raro de amor incondicional. Porem, ele era  ciente que sua decisão implicava em outras duas consequências: a não vingança do  irmão e o abandono de suas obrigações com o país  enquanto cidadão..  É isso, ser livre é, acima de tudo, fazer escolhas...

3 comentários:

  1. Professor nessa tese então se digo: "eu sou livre", entro em contradição? Abs. Saudades das suas aulas Stephanie

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    1. Ola Stephanie..saudades tbm..Bom, na concepção existencial de mundo o individuo só possui a liberdade, visto que é literalmente lançado no mundo, mas é justamente essa liberdade que traz a angústia, pois o equilíbrio da sociedade, o bem de todos e a harmonia entre os homens dependem de minhas escolhas, sobre as quais sou livre. Porém, preciso ter a consciência que uma escolha errada coloca em risco esse grupo, ou seja, a mesma liberdade que possuo e a mesma que me pressiona, isso levou o filosofo francês Jean Paul Sartre a afirmar: " o inferno são os outros".. Abs

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  2. Prof seria a “abertura ao mundo”, o homem enquanto liberdade defendida pelos existencialistas, nada mais é do que uma tentativa de ocultação do “pecado original” existencialista ? O qual consiste em recusar a existência da razão como pressuposto e causa da existência, por mais que nós desconheçamos as características dessa razão?
    Pois logo o existencialismo parte de um princípio irracional que é a facticidade, isto é, a irracionalidade primordial da sua situação enquanto ser. Tão logo por isso não pode fazer parte filosofia propriamente dita. Também não pode fazer parte da ciência, porque o princípio que norteia a ciência é ― ou deveria ser ― o mesmo princípio da filosofia segundo o qual o conhecimento é “aquilo que absolutamente é, é absolutamente cognoscível, aquilo que de nenhum modo é, de nenhum modo é cognoscível”. Quando o incognoscível passa a ser o limite da Razão, passamos para o domínio da ideologia política, e é isso que o existencialismo é ― se não é uma ideologia política em si mesma, é concerteza um adereço ou instrumento de acção de uma ideologia política. Ora, a filosofia e a ciência não são ideologias políticas.
    Sem falar que A evolução do pensamento moderno, de Maquiavel ao desconstrucionismo, é marcada pela presença crescente do o hiato entre o eixo da experiência pessoal e o da construção teórica. Fazendo o homem contemporâneo se afastar da verdadeira natureza do ser humano: a capacidade de autotranscendência, o poder inesgotável de ir além do círculo de seus interesses vitais em busca de um sentido, de uma justificação moral da existência.
    Porque cada nova "maneira de pensamento" esmera-se em criar teorias cada vez mais sofisticadas que sua própria vida (nossa) de todos os dias desmente de maneira flagrante. Criando algo que Freud não se ateve a definir a neurose noogênica isto é, de causa espiritual, marcada pelo sentimento de absurdo e vacuidade. "se você tem um porquê , então pode suportar todos os comos " (op. Viktor Frankl)

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