quinta-feira, 11 de setembro de 2014

felicidade: onde está??

Nietzsche: onde está a felicidade neste mundo enlouquecido?
Por Alacir Arruda

Não é surpresa para ninguém minha admiração por Friedrich Nietzsche. Considero esse filosofo um dos três profetas da modernidade outros dois são  Marx e Freud. Esse trio revolucionou, cada qual a seu modo,  posições tradicionais e modelos dogmáticos de entendimento do mundo.

Na sua obra  Ecce homo, Nietzsche deixa clara sua posição com relação à humanidade: “A última coisa que Eu prometeria seria esta: “Melhorar” a humanidade.” (Nietzsche, 2000, p. 32). O homem não tem saída, se vive em sociedade tem de ser  assim, diz o poeta. O filósofo propõe um distanciamento crítico de tudo isso, da idéia de homem. “Atrair muitos para fora do rebanho – foi  para isso que vim.” (Nietzsche, 1883, p. 39). Para Nietzsche, sair do rebanho é uma das formas de afirmar o desejo, conhecer mais de si mesmo e, assim, ter mais autonomia perante as angústias da vida. Desta forma, o super-homem é um novo modo de sentir, um novo modo de pensar, um novo modo de avaliar, uma nova forma de vida.

Freud também indica-nos alguns caminhos sendo que um deles é a proposta do homem se afastar um pouco da civilização: “Contra o temível mundo externo, só  podemos defender-nos por algum tipo de afastamento dele.” (Freud, 1930, p. 96). Manter-se, de certa forma, isento das especulações do mundo, em Freud há a possibilidade do homem voltar-se mais para si mesmo, para a fantasia, para o sonho e para o auto-conhecimento. Esse caminho parece ter a intenção de nos tornarmos, de certa forma, independentes de mundo externo transcendendo o abismo de nosso desamparo. O objetivo da luta de Freud durante toda a sua vida resumiu-se em ajudar-nos a adquirir uma compreensão de nós próprios, de modo que deixássemos de ser impelidos por forças que nos eram desconhecidas e pela massificação da civilização.

Por outro lado, Zaratustra quis estar com os homens, sentia saudades e falta dos amigos quando voltava à montanha, pois, já não eram mais os homens do mercado, eram seus amigos porque criou laços. Experimentou com seus amigos o lado sombrio da vida, entristecia, sofria e sentia saudades. Zaratustra cai no vazio, aceita a condição de jogar-se no abismo, experimenta descer da montanha do seu eu e haver-se com incertezas. Toda vez que voltava à caverna, Zaratustra sofria com a ausência dos seus discípulos, sentindo-se só e desamparado. Como sofreu!!! Como, por várias vezes, deve ter chorado quando retornava à caverna por não ser compreendido. Porém, algo movia-o novamente a buscar os homens. Algo mudou em Zaratustra. Ele causou e foi causado. Pensou, quando quis descer da caverna que pudesse transformar os homens, talvez não alcançasse a dimensão na qual foi causado.

Fortes (2003), fazendo uma interlocução entre Nietzsche, Psicanálise e a subjetividade contemporânea, com relação às dificuldades nas relações humanas, afirma que “o que importa não é a quantidade de força, mas sua capacidade de afetar.” (Fortes, 2003, p. 6). Zaratustra não foi mais o mesmo após ter sido atravessado pelo amor dos amigos. Provocou nele uma nova narrativa e uma nova construção de sentido e significação. Foi ao encontro do próximo, precisou dos homens para voltar a seu caminho de autodescoberta. Precisou esvaziar-se de si mesmo e abrir-se para o outro.

Assim como Nietzsche, a psicanálise não promete felicidade, mas o empenho de Freud seria que o homem pudesse reconhecer-se como sujeito frente aos percalços da vida. E, o de Nietzsche, que o homem buscasse sua autonomia aceitando as coisas, sem desespero, “... alegrando-se com as coisas tais como elas são, foram e serão; (...) é querer a vida, a cada momento, sem reservas, integralmente, incondicionalmente, por toda a eternidade.” (Machado, 1997, p.142). Assim, além de elementos como vitalidade, potência, em Assim falou Zaratustra, associa-se a noção de amor fati, amor ao destino, uma proposta ética de afirmar tudo o que ocorre, de querer o vivido no instante em que é vivido. “Redimir o passado, no homem, é recriar todo o ‘foi assim’ até que a vontade diga: Mas assim eu o quis! Assim hei de querê-lo” (Nietzsche, 1883, p. 204).

Freud (1930), mesmo sugerindo ao homem afastar-se um pouco da civilização, reconhece o amor como um dos fundamentos da civilização. Coloca a civilização como necessária. Estava convencido de que a criação da sociedade civilizada, apesar de todas as suas deficiências, era ainda a mais nobre realização do homem, afirmando que “a civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos humanos, isolados, depois a família e, depois ainda, raças, povos e nações numa única e grande unidade, a humanidade” (Freud, 1930, p. 145). Assim, o amor é um preceito que contraria o que a civilização promove. Somos pura agressividade. Nossa natureza é instintiva, ‘força bruta’. Amar significa nadar contra a correnteza. Amar o próximo não é uma tendência natural, nossa tendência é não sermos amados, estamos muito mais próximos do bruto, do instintivo do que do amor.

Portanto, levar a vida na companhia do outro é um processo, uma aprendizagem, uma arte que nos impõe uma outra lógica. Requer um esforço, uma tarefa em construção. Freud refere-se a isso afirmando que “um egoísmo forte constitui uma proteção contra o adoecer, mas, num último recurso, devemos começar a amar a fim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em conseqüência da frustração formos incapazes de amar” (Freud, 1914, p. 101).

Neste sentido, estas reflexões podem nos indicar que afetar e deixarmos ser afetados pelo outro faz-nos afastar da nossa condição de criatura mesmo sendo uma operação de risco e não uma matemática em que dois mais dois são quatro. Assim, quando deixamos ser atravessados, abre-se uma brecha em que as operações podem provocar desdobramentos possíveis e impossíveis. E nesse desdobrar-se, somos reconhecidos em nossa singularidade.

Iniciamos nossa caminhada assustados e medrosos. Talvez seja essa a primeira impressão que temos do pensamento de Nietzsche com relação ao homem como não sendo um filósofo da esperança, mas Zaratustra exprime mensagem de esperança. Nietzsche mostra, ao homem, a esperança de que é possível viver no deserto sem transformar em deserto a própria vida. Zaratustra pode ser chamado o poeta da esperança e do amor mesmo trilhando um caminho na ambivalência da alegria e da dor, do prazer e do desprazer, da felicidade e da infelicidade, da angústia e do gozo  foi-se construindo, assim, um homem forte.
Podemos nos indagar agora: Como aplicar tudo isso na clínica? Freud conseguiu transformar o pensamento de Nietzsche numa proposta terapêutica. Neste sentido, Naffah Neto (1997) faz uma reflexão a respeito da cultura atual tendo como base a psicanálise e as teorizações Nietzschianas:

As conseqüências de uma depuração crítica da psicanálise são bastante preciosas no nível da clínica: trata-se, nada mais, nada menos, de saber que tipo de homem queremos ajudar a construir, se um que seja criador de valores ou meramente reprodutor. (p.50)

Afinal, o que queremos para os pacientes que nos procuram, para nossos entes queridos, nossos filhos, nossos irmãos, amigos? Suscita em nós uma certa desordem, caos, mexe com elementos preciosos guardados a sete chaves. Sabemos que não há teoria alguma que dê conta do ser humano, porém a psicanálise, com sua lente sobre a condição de desamparo e Nietzsche, especificamente Zaratustra, podem nos ajudar a criar uma nova forma de olhar o homem contemporâneo. Exige de nós suportar a presença de uma certa desordem, uma perturbação até invasiva, e principalmente, um certo silêncio, muitas vezes, arrebatador, que a nova ordem na contemporaneidade nos provoca. O poeta nos acalenta dizendo que “é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante. Eu vos digo: há ainda caos dentro de nós.” (Nietzsche, 1883, p. 33).

Esta certa desordem nos ajuda a pensar como no viver do homem hoje se encontra pouco espaço para o viver criativo. E o que seria um viver criativo? Num primeiro momento, vem a idéia de algo não mecanizado.


2 comentários:

  1. Professor sob essa ótica, estamos fadados ao sofrimento eterno de Schopenhauer? Abs. saudades de suas aulas. Estou aqui na UFRJ graças a vc. Bjs. Anna

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  2. Ola Anna, kibom que esta gostando do mundo acadêmico, e o mérito e todo seu, eu apenas mostrei o caminho..Quanto a sua pergunta: Anna o pessimismo Schopenhaureano nao seria algo eterno. Segundo Schopenhauer o mundo pode ser visto sob duas dimensões: vontade e representação. O mundo do ponto de vista da representação é o mundo como aparece à consciência sob as categorias de espaço, tempo e causalidade. É o mundo fenomênico. O mundo como vontade é o mundo, independentemente da consciência, é o mundo em si. O mundo em si, ou o mundo da vontade, é o mundo do querer cego e irracional que se expressa na natureza e, sobretudo, no amor sexual. O querer cego e sem propósito quer a vida e, com ela, o sofrimento e a morte. A forma de parar essa roda é anulando a vontade através da arte e, sobretudo, através do amor de compaixão. A filosofia de Schopenhauer é pessimista na teoria, mas otimista na prática. abs .saudades..

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