Nietzsche: onde está a felicidade neste mundo enlouquecido?
Por Alacir Arruda
Não é surpresa para ninguém minha
admiração por Friedrich Nietzsche. Considero esse filosofo um dos três profetas
da modernidade outros dois são Marx e Freud. Esse trio revolucionou, cada qual
a seu modo, posições tradicionais e modelos dogmáticos de entendimento do mundo.
Na sua obra Ecce
homo, Nietzsche deixa clara sua posição com relação à humanidade: “A última
coisa que Eu prometeria seria esta: “Melhorar” a humanidade.” (Nietzsche, 2000,
p. 32). O homem não tem saída, se vive em sociedade tem de ser assim, diz o poeta. O filósofo propõe um
distanciamento crítico de tudo isso, da idéia de homem. “Atrair muitos para
fora do rebanho – foi para isso que
vim.” (Nietzsche, 1883, p. 39). Para Nietzsche, sair do rebanho é uma das
formas de afirmar o desejo, conhecer mais de si mesmo e, assim, ter mais
autonomia perante as angústias da vida. Desta forma, o super-homem é um novo
modo de sentir, um novo modo de pensar, um novo modo de avaliar, uma nova forma
de vida.
Freud também indica-nos alguns caminhos
sendo que um deles é a proposta do homem se afastar um pouco da civilização: “Contra
o temível mundo externo, só podemos
defender-nos por algum tipo de afastamento dele.” (Freud, 1930, p. 96). Manter-se,
de certa forma, isento das especulações do mundo, em Freud há a possibilidade
do homem voltar-se mais para si mesmo, para a fantasia, para o sonho e para o
auto-conhecimento. Esse caminho parece ter a intenção de nos tornarmos, de
certa forma, independentes de mundo externo transcendendo o abismo de nosso
desamparo. O objetivo da luta de Freud durante toda a sua vida resumiu-se em
ajudar-nos a adquirir uma compreensão de nós próprios, de modo que deixássemos
de ser impelidos por forças que nos eram desconhecidas e pela massificação da
civilização.
Por outro lado, Zaratustra quis estar com
os homens, sentia saudades e falta dos amigos quando voltava à montanha, pois,
já não eram mais os homens do mercado, eram seus amigos porque criou laços. Experimentou
com seus amigos o lado sombrio da vida, entristecia, sofria e sentia saudades.
Zaratustra cai no vazio, aceita a condição de jogar-se no abismo, experimenta
descer da montanha do seu eu e haver-se com incertezas. Toda vez que voltava à
caverna, Zaratustra sofria com a ausência dos seus discípulos, sentindo-se só e
desamparado. Como sofreu!!! Como, por várias vezes, deve ter chorado quando
retornava à caverna por não ser compreendido. Porém, algo movia-o novamente a
buscar os homens. Algo mudou em Zaratustra. Ele causou e foi causado. Pensou,
quando quis descer da caverna que pudesse transformar os homens, talvez não
alcançasse a dimensão na qual foi causado.
Fortes (2003), fazendo uma interlocução
entre Nietzsche, Psicanálise e a subjetividade contemporânea, com relação às
dificuldades nas relações humanas, afirma que “o que importa não é a quantidade
de força, mas sua capacidade de afetar.” (Fortes, 2003, p. 6). Zaratustra não
foi mais o mesmo após ter sido atravessado pelo amor dos amigos. Provocou nele
uma nova narrativa e uma nova construção de sentido e significação. Foi ao
encontro do próximo, precisou dos homens para voltar a seu caminho de
autodescoberta. Precisou esvaziar-se de si mesmo e abrir-se para o outro.
Assim como Nietzsche, a psicanálise não
promete felicidade, mas o empenho de Freud seria que o homem pudesse
reconhecer-se como sujeito frente aos percalços da vida. E, o de Nietzsche, que
o homem buscasse sua autonomia aceitando as coisas, sem desespero, “... alegrando-se
com as coisas tais como elas são, foram e serão; (...) é querer a vida, a cada
momento, sem reservas, integralmente, incondicionalmente, por toda a
eternidade.” (Machado, 1997, p.142). Assim, além de elementos como vitalidade,
potência, em Assim falou Zaratustra,
associa-se a noção de amor fati, amor
ao destino, uma proposta ética de afirmar tudo o que ocorre, de querer o vivido
no instante em que é vivido. “Redimir o passado, no homem, é recriar todo o
‘foi assim’ até que a vontade diga: Mas assim eu o quis! Assim hei de querê-lo”
(Nietzsche, 1883, p. 204).
Freud (1930), mesmo sugerindo ao homem
afastar-se um pouco da civilização, reconhece o amor como um dos fundamentos da
civilização. Coloca a civilização como necessária. Estava convencido de que a
criação da sociedade civilizada, apesar de todas as suas deficiências, era
ainda a mais nobre realização do homem, afirmando que “a civilização constitui
um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos humanos,
isolados, depois a família e, depois ainda, raças, povos e nações numa única e
grande unidade, a humanidade” (Freud, 1930, p. 145). Assim, o amor é um
preceito que contraria o que a civilização promove. Somos pura agressividade. Nossa
natureza é instintiva, ‘força bruta’. Amar significa nadar contra a correnteza.
Amar o próximo não é uma tendência natural, nossa tendência é não sermos amados,
estamos muito mais próximos do bruto, do instintivo do que do amor.
Portanto, levar a vida na companhia do outro é um processo, uma aprendizagem, uma arte que nos impõe uma outra lógica. Requer um esforço, uma tarefa
Neste sentido, estas reflexões podem nos
indicar que afetar e deixarmos ser afetados pelo outro faz-nos afastar da nossa
condição de criatura mesmo sendo uma operação de risco e não uma matemática em
que dois mais dois são quatro. Assim, quando deixamos ser atravessados, abre-se
uma brecha em que as operações podem provocar desdobramentos possíveis e
impossíveis. E nesse desdobrar-se, somos reconhecidos em nossa singularidade.
Iniciamos nossa caminhada assustados e
medrosos. Talvez seja essa a primeira impressão que temos do pensamento de
Nietzsche com relação ao homem como não sendo um filósofo da esperança, mas
Zaratustra exprime mensagem de esperança. Nietzsche mostra, ao homem, a
esperança de que é possível viver no deserto sem transformar em deserto a
própria vida. Zaratustra pode ser chamado o poeta da esperança e do amor mesmo
trilhando um caminho na ambivalência da alegria e da dor, do prazer e do
desprazer, da felicidade e da infelicidade, da angústia e do gozo foi-se construindo, assim, um homem forte.
Podemos nos indagar agora: Como aplicar
tudo isso na clínica? Freud conseguiu transformar o pensamento de Nietzsche
numa proposta terapêutica. Neste sentido, Naffah Neto (1997) faz uma reflexão a
respeito da cultura atual tendo como base a psicanálise e as teorizações
Nietzschianas:
As
conseqüências de uma depuração crítica da psicanálise são bastante preciosas no
nível da clínica: trata-se, nada mais, nada menos, de saber que tipo de homem
queremos ajudar a construir, se um que seja criador de valores ou meramente reprodutor.
(p.50)
Afinal, o que queremos para os pacientes
que nos procuram, para nossos entes queridos, nossos filhos, nossos irmãos,
amigos? Suscita em nós uma certa desordem, caos, mexe com elementos preciosos
guardados a sete chaves. Sabemos que não há teoria alguma que dê conta do ser
humano, porém a psicanálise, com sua lente sobre a condição de desamparo e
Nietzsche, especificamente Zaratustra, podem nos ajudar a criar uma nova forma
de olhar o homem contemporâneo. Exige de nós suportar a presença de uma certa
desordem, uma perturbação até invasiva, e principalmente, um certo silêncio,
muitas vezes, arrebatador, que a nova ordem na contemporaneidade nos provoca. O
poeta nos acalenta dizendo que “é preciso ter ainda caos dentro de si, para
poder dar à luz uma estrela dançante. Eu vos digo: há ainda caos dentro de nós.”
(Nietzsche, 1883, p. 33).
Esta certa desordem nos ajuda a pensar como
no viver do homem hoje se encontra pouco espaço para o viver criativo. E o que
seria um viver criativo? Num primeiro momento, vem a idéia de algo não
mecanizado.
Professor sob essa ótica, estamos fadados ao sofrimento eterno de Schopenhauer? Abs. saudades de suas aulas. Estou aqui na UFRJ graças a vc. Bjs. Anna
ResponderExcluirOla Anna, kibom que esta gostando do mundo acadêmico, e o mérito e todo seu, eu apenas mostrei o caminho..Quanto a sua pergunta: Anna o pessimismo Schopenhaureano nao seria algo eterno. Segundo Schopenhauer o mundo pode ser visto sob duas dimensões: vontade e representação. O mundo do ponto de vista da representação é o mundo como aparece à consciência sob as categorias de espaço, tempo e causalidade. É o mundo fenomênico. O mundo como vontade é o mundo, independentemente da consciência, é o mundo em si. O mundo em si, ou o mundo da vontade, é o mundo do querer cego e irracional que se expressa na natureza e, sobretudo, no amor sexual. O querer cego e sem propósito quer a vida e, com ela, o sofrimento e a morte. A forma de parar essa roda é anulando a vontade através da arte e, sobretudo, através do amor de compaixão. A filosofia de Schopenhauer é pessimista na teoria, mas otimista na prática. abs .saudades..
ResponderExcluir