segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A BUSCA PELO SAGRADO: A RELIGIÃO COMO RESPOSTA À EXISTENCIA
   
Alacir Arruda,  Mestre em Sociologia Aplicada e Dr. Em Sociologia Política professor do    FEF-FATEA-SP.
Alacirarruda@yahoo.com.br
Área Temática: Núcleo de Estudos do Homem  e Pesquisas Sociais
  Pós Graduação-FATEA
Resumo
Meus alunos sabem o que penso e como me relaciono do ponto de vista objetivo com as religiões, por vezes sou ate incompreendido por alguns. Todavia, resolvi falar da religião sob a ótica da Antropologia Filosófica (campo de estudos que busca entender os fenômenos religiosos a partir de sua essência primaria), tentando explicar a imanência e o sentido que a mesma oferece a existência humana. Toda religião surge a partir de uma experiência fundante. O que desejo agora é destacar as experiências fundantes de algumas religiões e mostrar o quanto a sua institucionalização aos poucos a distanciaram de seu fundamento primário.
A religião aqui será entendida não tanto em seu aspecto objetivo mas subjetivo.  Em seu aspecto objetivo a religião pode ser definida por seus ritos, doutrinas, livros sagrados,  sua estrutura organizacional, etc. Meu interesse, é pensar a religião enquanto resposta de sentido, ou seja, enquanto oferece um fundamento último sob o qual se organiza e orienta uma determinada cultura ou civilização. Por exemplo, sabemos que o Ocidente foi plasmado moralmente  sob a ègide do cristianismo e que mesmo no mundo secularizado da modernidade sua presença pode ser ainda constatada através de alguns ritos e símbolos a exemplo do crucifixo nas repartições públicas, das  cerimônias  de bênção de estabelecimentos comerciais e celebrações religiosas típicas dessa religião nas cerimônias de formaturas das Universidades. Interessa aqui entender religião nesse aspecto e não no aspecto de quando ela se apresenta na forma de sua Institucionalização, no caso do cristianismo, na sua institucionalização católica ou protestante.
1.      A Religião como Experiência
A religião enquanto experiência subjetiva de sentido de uma determinada cultura ou comunidade está diretamente vinculada a uma experiência fundante, àquela experiência primeira, razão  e fundamento de seu existir. " As religiões são sistemas de símbolos, dependentes de um fundador que teve uma experiência religiosa original"(Rampazzo, 1996:68) Para o cristianismo, essa experiência fundante foi a experiência dos Apóstolos, do Cristo Ressuscitado, transmitida a nós. Para os Mulçumanos, foi a experiência de seu Profeta Mohamed transmitida a sua posteridade. Para os Judeus, foi a experiência dos Patriarcas e Profetas para com Javé. Esses três exemplos, assinalam a experiência fundante como Revelação, ou seja, é o Próprio Deus que se manifesta aos homens. Todavia, a maior parte das religiões não se efetivou dessa forma. A maioria das religiões, classificadas como religiões naturais, encontram sua experiência fundante no encontro com o Sagrado enquanto este se apresenta como uma "explicação de sentido”, isto é, enquanto consegue configurar um horizonte de referência que possibilite ao homem  agir segundo esse horizonte, portanto, num universo que lhe faça sentido. Desse modo, a cultura humana é marcada desde o início pelo senso do religioso e difícil é delimitar a sua gênese da gênese religiosa. O que se deseja afirmar aqui, é que a cosmovisão, a maneira como uma determinada cultura compreende o mundo e orienta o agir humano nesse mundo compreendido, implica diretamente a experiência fundante, ou experiência primordial de Sagrado dessa cultura. Desse modo, podemos compreender, por um lado, as culturas antigas como profundamente “religiosas”, com suas cosmovisões bem definidas, ou seja, plenas de sentido; por outro lado, a crise de sentido no Ocidente,  quando, na modernidade o Sagrado é banido do horizonte de referência cultural, substituído pelo campo de referência técnico-científico inaugurado com o advento das ciências modernas.
Enquanto nas religiões reveladas, a experiência fundante é transposta  para a linguagem escrita, originando os Livros  Sagrados ou Proféticos dessas religiões, as religiões naturais perpetuam sua experiência na linguagem oral sob a forma da narração mítica. No primeiro caso, o Livro Sagrado, lido e interpretado ritualmente, fundamenta e organiza a religião  no seu aspecto objetivo e torna-se problemático, no caso do cristianismo, quando perde o monopólio de legitimidade de sua interpretação heurística e passa a ser legitimamente interpretado por quantos  se lhe aproximem de seu conteúdo sem nenhum outro rigor a não ser sua devoção pessoal. Ao instaurar-se no campo de uma “hermenêutica privada”, o Livro Sagrado perde sua força de coalizão de sentido cultural e torna-se objeto de manipulação partidária ou sectária e o cristianismo entra em  crise ou, ao menos, parte de sua crise pode ser assim explicada. No segundo caso, o mito permanece como o fundamento último  de sentido que justifica aos adeptos da religião sua conduta no horizonte por ele plasmado, todavia, na modernidade, esse tipo de conhecimento ou adesão passa a ser configurado como um jeito "ultrapassado" e "primitivo", próprio mesmo dos "ignorantes".  Por este motivo constata Antoniazzi, com certa perplexidade, o reaparecimento do sagrado na modernidade em formas "primitivas" e selvagens (Antoniazzi, 1998:12). Essas religiões, desse modo, passam a ser vislumbradas, na perspectiva desse “olhar moderno” com uma exigência inerente de aperfeiçoamento o que vem a significar na prática a sua eliminação. Em outras palavras, tomar o mito como referência ou fundamento, é no mínimo uma irrazoabilidade inadimissível para os tempos modernos. Desse modo, podemos compreender a afirmação de Cleto Caliman quando ele afirma que  “(...) pode-se dizer que a nova busca religiosa se delimita não mais pelo sagrado, pelo divino ou pelo mistério 'objetivamente captado' como norma para o existir histórico das pessoas e da sociedade, mas pelo 'humano' ” (Caliman, 1998:8).
Na verdade, o modo como se busca a religião atualmente está intimamente relacionado ao modo como o homem moderno compreende a si mesmo. O homem moderno compreende a si e ao mundo a partir de sua subjetividade. Desse modo, a legitimidade de sua profissão de fé não se vincula mais a Tradição e sim à experiência de sua vivência religiosa individual. Ora, a Tradição é o modo historicamente consolidado de transmissão da experiência fundante de uma determinada crença religiosa e está diretamente relacionada à comunidade religiosa, a comunidade dos adeptos dessa religião. A religião "traduz uma realidade objetiva, uma tradição acumulada e vivida por uma comunidade" (Libânio, 2002:90). Foi no caminho vivencial-espiritual dessa comunidade que foram plasmados os ritos, a doutrina, ou seja, a instância legitimadora de interpretação do Sagrado e da experiência fundante. Quando essa legitimação é transposta para o plano individual, a Tradição e, por conseguinte, a  comunidade objetivamente instituída na  forma da religião, entra em crise. Desse modo, podemos  explicar e entender, tanto o aparecimento de novas expressões religiosas, sincretizando símbolos religiosos e elementos culturais os mais diversos; quanto o esfacelamento da Tradição cristã em inúmeras igrejas, cada uma reivindicando para si a guarda legítima da interpretação e vivência da experiência fundante, dessa Tradição. Nesse contexto, o fundamentalismo apresenta-se como conseqüência quase natural, no momento em que cada expressão religiosa se enclaustra em seu universo subjetivo. Todavia, um outro processo urge e precisa ser gestado, como condição indispensável para a construção da paz mundial (Küng, 1988), vem a ser, o processo de reconhecimento mútuo dessas "legitimidades" religiosas, através da tolerância e do respeito.

Fontes de consulta
AGOSTINHO, Santo. (1990). A cidade de Deus (contra os pagãos) - parte II. Petrópolis: Vozes. 
ANTONIAZZI, Alberto. (1998). O sagrado e as religiões no limiar do terceiro milênio in CALIMAN, Cleto. "A sedução do sagrado - o fenômeno religioso na virada do milênio". Petrópolis: Vozes.
ARDUINI, Juvenal (2002). Antropologia - ousar para reinventar a humanidade. São Paulo: Paulus.
ARMSTRONG, Karen (1994). Uma história de Deus - quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Cia. Das Letras.
BERGER, Peter L. (1986). Perspectivas sociológicas - uma visão humanística. Petrópolis: Vozes.
CALIMAN, Cleto. (1998). Apresentação in  CALIMAN, Cleto "A sedução do sagrado - o fenômeno religioso na virada do milênio". Petrópolis: Vozes.
MEKSENAS, Paulo. (1988). Sociologia da educação: introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. São Paulo: Loyola.
LIBÂNIO, J. Batista (2002). A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola.
MIRANDA, M. de França (1998). Salvação em horizonte inter-religioso. in  CALIMAN, Cleto "A sedução do sagrado - o fenômeno religioso na virada do milênio". Petrópolis: Vozes.
RAMPAZZO, Lino (1996). Antropologia, religiões e valores cristãos. São Paulo: Loyola.
VAZ, Henrique C. L. (1991). Antropologia filosófica I e II. São Paulo: Loyola.
WILGES, Irineu (1994). Cultura religiosa - as religiões no mundo. Petrópolis: Vozes.





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