100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: UM ESPECTRO RONDOU O CAPITALISMO MUNDIAL.
Por Alacir Arruda
O que aconteceu com a ideia politica que mais se aproximou do cristianismo? Por que o socialismo não vingou? Bom, segundo o maior historiador vivo, Eric Hobsbawn, o socialismo cometeu dois erros cruciais: 1) Colocar a igualdade acima da liberdade. 2) Imaginar que uma economia planificada não criaria a figura de ditadores. Esse ano marca o centenário dos eventos históricos mundiais de 1917, que começaram com a Revolução de Fevereiro na Rússia e culminou em outubro com "dez dias que abalaram o mundo" – a derrubada do governo capitalista provisório e a conquista do poder político pelo Partido Bolchevique, sob a liderança de Vladimir Lênin e Leon Trotsky. A derrubada do governo capitalista num país de 150 milhões de habitantes e o estabelecimento do primeiro estado socialista de trabalhadores em toda a história foi o evento de mais profundas consequências de todo o século XX. Na prática, pôs no poder de um grande país a perspectiva histórica proclamada 70 anos antes, em 1847, por Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto Comunista.
Ao longo de um ano, o levante da classe trabalhadora russa, reunindo atrás de si dezenas de milhões de camponeses, não pôs fim só a séculos de mando de uma dinastia autocrática semifeudal. O extraordinário salto na Rússia "do czar a Lênin" – o estabelecimento de um governo baseado em conselhos de trabalhadores ("sovietes") – marcou o início de uma revolução socialista mundial que despertou a consciência da classe trabalhadora e das massas oprimidas pelo capitalismo e pelo imperialismo em todos os cantos do planeta.
A Revolução Russa – que irrompeu cercada pela horrenda carnificina que foi a 1ª Guerra Mundial – foi uma tentativa de provar que é possível um mundo além do capitalismo, sem exploração e sem guerra. Os eventos de 1917 e tudo que se seguiu a eles penetraram fundo na consciência da classe trabalhadora internacional e foram a inspiração política profunda das lutas revolucionárias do século XX em todo o globo.
O Partido Bolchevique baseou numa perspectiva internacional a sua luta para chegar ao poder em 1917. Reconheceu que a base objetiva da revolução socialista na Rússia tinha fundamento, em última análise, nas contradições internacionais do sistema imperialista mundial – sobretudo no conflito entre o arcaico sistema de estados nacionais e o caráter altamente integrado da moderna economia mundial. Daí portanto que o destino da Revolução Russa dependeria de o poder dos trabalhadores ser ampliado para além das fronteiras da Rússia Soviética. Como Trotsky explicou tão claramente:
"A revolução socialista não pode realizar-se nos quadros nacionais. Uma das principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de que já não há reconciliação possível, dentro dos limites do Estado nacional, das forças produtivas que a própria sociedade burguesa engendra. Daí as guerras imperialistas, de um lado; e a utopia dos Estados Unidos burgueses da Europa, de outro lado. A revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e completa-se na arena mundial. Por isso mesmo, a revolução socialista se converte em revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta" [A Revolução Permanente, nov.1929].
O destino do Partido Bolchevique, da União Soviética e da revolução socialista no século XX dependia do resultado do conflito entre duas perspectivas irreconciliáveis: o internacionalismo revolucionário promovido por Lênin e Trotsky em 1917 e ao longo dos primeiros anos de existência da União Soviética, e o programa nacionalista reacionário da burocracia stalinista que usurpou o poder político da classe trabalhadora soviética. A perspectiva stalinista antimarxista de "socialismo num só país" subjaz às políticas econômicas desastrosas dentro da União Soviética e às derrotas internacionais catastróficas da classe trabalhadora que culminaram em 1991, depois de décadas de ditadura burocrática e desmandos, na dissolução da União Soviética e na restauração do capitalismo na Rússia.
Para os defensores da idéia socialista, o fim da URSS não invalidou a Revolução Russa nem a teoria marxista. Na verdade, ao longo de sua luta contra a traição stalinista, Leon Trotsky já antevia as consequências do programa nacional de "socialismo num só país". A IV Internacional fundada sob a liderança de Trotsky em 1938 alertava que só a derrubada da burocracia stalinista, com restabelecimento da democracia soviética e a renovação da luta para a derrubada revolucionária do capitalismo mundial, poderia evitar a destruição da URSS.
Os líderes imperialistas e seus cúmplices ideológicos saudaram com brados entusiasmados a dissolução da URSS em dezembro de 1991. O fato de que virtualmente nenhum deles ter previsto o tal 'evento' não impediu nenhum deles de proclamar a "inevitabilidade do colapso dos soviéticos". Sem ver um palmo além do próprio nariz, improvisaram teorias que reinterpretaram o século XX do modo que mais bem atendia àquela arrogância coletiva de classe. Todo o nonsense de autossugestão e estupidez das elites governantes e de seus braços alugados nas universidades encontraram expressão máxima na tese do "Fim da História" de Francis Fukuyama.
A Revolução de Outubro, dizia ele, nada fora além de ponto fora da curva; e assim sendo estava fora do curso capitalista burguês atemporal da história. Na forma de economia capitalista e democracia burguesa, a humanidade chegara ao mais alto e final estágio de desenvolvimento. Depois de dissolvida a União Soviética já ninguém poderia cogitar de encontrar alternativa ao capitalismo, muito menos alternativa baseada no poder dos trabalhadores e da reorganização socialista da economia mundial.
Endossando a revelação de Fukuyama, o historiador Eric Hobsbawm, toda uma vida dedicada ao stalinismo, descartou a Revolução de Outubro e, com ela, todos os levantes revolucionários e contrarrevolucionários do século XX, que definiu como acidentes desafortunados. Os anos entre 1914 (da eclosão da 1ª Guerra Mundial) e 1991 (da dissolução da União Soviética) não teriam passado de desnorteante "era dos extremos", dentro de um "século XX curto". Hobsbawm não diz que sabe o que o futuro trará, nem se o século 21 será curto ou comprido. Só tem certeza de uma coisa: nunca mais haverá revolução socialista comparável, nem de longe, com os eventos de 1917.
Se Passaram 25 anos desde que Fukuyama proclamou o "Fim da História". Supostamente livre da ameaça da revolução socialista, a classe governante teve oportunidade para demonstrar o que o capitalismo pode realizar, se deixado livre para saquear o mundo como bem entenda. Mas qual o resultado das orgias do capital?
Lista breve dessas 'realizações' incluirá necessariamente o enriquecimento de uma porção infinitesimal da população do planeta; desigualdade social vastíssima e pobreza em massa, infindáveis guerras de agressão que custaram milhões de vidas humanas, o continuado reforço dos órgãos estatais de repressão e a decadência de formas democráticas de governo, a instituição do assassinato e da tortura como instrumentos básicos de política externa, e a degradação de todos os aspectos da cultura.
25 anos depois do fim da União Soviética, é impossível negar que todo o mundo entrou em período de crise econômica, social e política profunda.
Todas as contradições não resolvidas do século passado estão reemergindo com força explosiva à superfície da política mundial. Os eventos de 1917 adquirem hoje uma relevância contemporânea nova a intensa. Em incontáveis publicações, comentaristas burgueses chamam a atenção, nervosamente, para paralelos já visíveis entre o mundo de 2017 e o mundo de 1917.
A Revolução de 1917 ergueu-se da catástrofe do imperialismo, que foi a 1ª Guerra Mundial. No torvelinho que se seguiu à derrubada do regime czarista, o Partido Bolchevique emergiu como força dominante dentro da classe trabalhadora. Mas o papel que os bolcheviques cumpriram em 1917 foi, ele próprio, o resultado de longa e difícil luta para que se desenvolvesse uma consciência socialista dentro da classe trabalhadora e para fazer prosperar uma perspectiva revolucionária correta. Talvez esteja ai a explicação do porquê a idéia socialista tenha caído em desuso.
Contato: agaextensao@gmail.com
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