terça-feira, 28 de março de 2017

Texto para ENEM: Interesses da Russia

OS INTERESSES DA RÚSSIA: O PERIGO DE UMA NOVA GUERRA FRIA.

Por Alacir Arruda

O que esta acontecendo com Vladmir Putin? Por que seu comportamento déspota pode colocar em risco toda a União Europeia e dar inicio a uma nova Guerra Fria? O que busca esse tirano? Na verdade a alma russa está ferida desde a decadência do império czarista 1917, seguido da queda da União Soviética em 1989 e, defrontando-se agora,  com o medo da concorrência e influência europeia (sua prosperidade, direitos civis, decadência moral e o interesse da política dos EUA em desestabilizá-la), bem como da latente instabilidade que fermenta nos seus povos turcos, muçulmanos e outros.

Neste contexto, não é de estranhar um Putin viril, autoritário e decidido. Vladimir Putin fala claro, revela encarnar os interesses e intenções da Rússia negligenciando a realidade histórica da primeira e segunda guerra mundial no século XX ao afirmar que “a queda da União Soviética foi a maior catástrofe do século XX”. Deste modo distancia-se da interpretação histórica de perspectiva europeia e revela-se como verdadeiro czar.
A queda da União Soviética em 1989/90 deixou um vácuo de soberania na sua qualidade de potência mundial. Depois da anexação da Crimeia, a reputação de Putin subiu na Rússia para 86%. Putin quer a criação de uma união euroasiática sob orientação da Rússia, o que poderia tornar-se num poder superior à UE. A anexação da Crimeia obedece à logica do poder que se serve de estratégias a longo plano.
A Rússia não seguirá o caminho democrático do Ocidente, por razões históricas e de interesses estratégicos. Aprendeu bem a lição do que o Ocidente provocou com a defesa de uma certa ideologia democrática propagada na “Primavera Árabe” e na política falhada do Ocidente no Norte de África e em especial no Iraque, Líbia, Afeganistão e Síria.
Factores de Identidade: Antes o Comunismo agora o Conservadorismo
Putin é o gladiador da luta entre culturas; ele quer ostentar a Rússia como baluarte da tradição. A Rússia, Estado multi-étnico, encontra-se dividida entre os pró-ocidente e os pro-eslavos. Estes vêm no ocidente o perigo de destruição da alma russa (Dostojewski e Tolstoi). Dostojewski, nos “Irmãos Karamazov”, profetiza a queda do espírito europeu, resumindo o espírito russo no seu aforismo “Nós somos revolucionários (…) através do conservadorismo”.
A civilização russa mantinha-se antes unida pelo comunismo, agora deve uni-la o conservadorismo intelectual e moral. Enquanto na UE o Estado secular e as ideologias atacam o cristianismo, na Rússia vê-se isso como um estado decadente da UE e contracenando-se a esta o fortalecimento dos laços de união entre Estado e Ortodoxia/religião, contra o pluralismo e o individualismo democrático.
A estratégia de Putin é unir o antigo mundo da União Soviética, através do conservadorismo (anti-modernismo), contando para isso com o trunfo da ortodoxia e do islão. Defende o conservadorismo cultural russo para ganhar perfil, como defensor da tradição conservadora, perante o mundo ocidental. Para ele a tradição conservadora “é o fundamento espiritual e moral da civilização de cada nação“. A defesa da família e de valores tradicionais são fundamentos inalienáveis.
Também o leste e sul da Ucrânia são o símbolo da luta pelos valores conservadores (pro russos) enquanto o resto da Ucrânia defende os valores liberais pro ocidente. Com esta estratégia Putin pretende arranjar apoiantes nos países muçulmanos e na África. A sua campanha conservadora consegue também apoiantes em toda a Ucrânia e deste modo uma maior divisão da Ucrânia no sentido russo.
Num mundo de luta entre conservadores e progressistas, Putin distancia-se do liberalismo ocidental. A Rússia descobre a sua nova missão para a Europa.
O Ocidente (EUA) não respeita outras ordens de Paz
Encontramo-nos numa guerra econômica e pós-colonial de interesses geopolíticos entre o Ocidente e o oriente. Em nome das liberdades individuais destroem-se as sociais, em nome da democracia atacam-se outros sistemas civilizacionais. Obama, quando  presidente,  ao apelidar a Rússia de “potência regional” humilhou Putin e interpretou erroneamente o espírito de um grande povo.
A estratégia nacionalista de Putin não pode ser contraposta com uma política de exclusão. A Europa tem que viver com Putin e trabalhar, a longo prazo, no sentido de uma maior união e de política comum com a Rússia (no aspecto cultural, económico e geoestratégico).
A ordem de paz europeia não pode ser arquitetada sem uma ordem de paz russa, pelo que o princípio defendido por Merkel da “livre autodeterminação dos povos”, por muito humano que seja, contradiz a paz russa, a paz chinesa e a paz árabe. Por outro lado, a segurança não pode ser o único critério para um bloco se manter e pisar a liberdade e os direitos humanos com os pés.
Por trás de cada ordem de paz encontra-se uma estratégia e uma hegemonia. A União Soviética viveu durante várias gerações no caos sob o braço forte do comunismo. Não será agora uma união aduaneira nem o conservadorismo o suficiente para reverter a História. As potências não demonstram boa vontade nem responsabilidade histórica global quando instigam guerra-civis para conseguirem os seus objetivos. A Rússia é importante, também culturalmente, para a União Europeia.
A China, devido ao regime político e ao problema dos diferentes povos que alberga é, também ela, contra a autodeterminação nacional. A China, como não está preparada para exercer a chefia do mundo, junta-se à Rússia. A China e a Rússia são conjuntos de povos com grandes regiões em situação social medieval, e onde não houve um processo de lutas e de colonizações internas, como no caso da Europa e dos Estados unidos. Por isso as suas estratégias de desenvolvimento são necessariamente diferentes (durante um espaço de tempo histórico) para manterem a paz dentro dos seus territórios. A UE e os EUA são extemporâneos e, por isso,  desestabilizadores daqueles povos, exigindo deles que se tornem estados modernos à imagem das democracias ocidentais. De facto fomentam a instabilidade e a hegemonia econômica sobre estes estados. O problema da política da UE e dos EUA está em fazerem as suas conversações com as elites e não ligar à sociedade civil.
O povo fala de política e os políticos falam de negócios
A economia russa não consegue concorrer com o ocidente.
A Alemanha está muito comprometida com a Rússia; 39% do gás natural que consome vem da Rússia e muitas infraestruturas (pipelines, etc.) encontram-se, nas mãos de russos, na Alemanha.
A UE já tomou provisões construindo um terminal (LNG) em Rotterdam para os navios que transportam gás líquido da noruega, Catar e Nigéria. Segundo a revista Spiegel 14/2016 já há 22 instalações que se fazem concorrência umas às outras, podendo cobrir já hoje dois terços das necessidades de gás ( gás de xisto, gás do mar cáspio como visão de futuro para fugir à Rússia). A Alemanha já produz biogás que corresponde a 20% do gás importado da Rússia. Em 2015 a Alemanha teve, com a Rússia, um volume de negócios de 66 mil milhões de euros estando dependentes deste negócio 300.000 mil postos de trabalho na Alemanha. Por isso as sanções são também contra a própria economia.
Segundo a repartição de estatísticas Rosstat, os preços de produtos alimentares encareceram na Rússia 20%, em 2014. O Rubel desvalorizou 70% num ano e a inflação atingiu os 11% em 2014.Oxalá Putin não cometa o mesmo erro que a União Soviética cometeu com o comunismo. A história pode adiar-se, mas não indefinidamente. Uma Rússia fraca torna-se mais perigosa para a União Europeia e para a NATO do que um povo russo forte.
A guerra da Ucrânia já matou desde 2014 mais de 7000. Uns lutam pela liberdade democrática, outros pela estabilidade futura de blocos e por isso a guerra flui na rua… A Ucrânia, símbolo da europa central que procura refúgio numa das uniões ocidentais, encontra-se geograficamente na Europa mas socialmente dividida e entre as intenções russas de construir um bloco de união aduaneira e a NATO/EU com políticas não aferidas. A Polónia e outros países limítrofes da Rússia advogam uma política da confrontação em relação à Rússia enquanto a Alemanha, França e outros países da UE preferem cooperar em parte com a Rússia. Bruxelas quer assinar um Acordo de Associação com a Moldávia também ela dividida entre ocidente e oriente. Tudo isto leva a compreender que na Ucrânia estão em jogo os mais variados interesses que a levam a não ser um país normal.
Numa UE dividida, a Alemanha procura usar de todo o seu peso para mediar e impedir a escalação do conflito Rússia-Ucrânia. A Chanceler é contrária à intenção de os EUA fornecerem armas à Ucrânia, prefere uma solução diplomática. O plano de paz de Merkel e de Hollande antecipa uma zona desmilitarizada de 50 a 70 Km entre os partidos de conflito e maior autonomia para a Zona Leste da Ucrânia. As negociações dão-se, intencionalmente e de forma paralela à Conferência de Segurança de Munique para sinalizar a importância de uma solução não conflitual. Merkel dirigiu-se a Trump para conseguir mediar um plano sólido que uma Europa dividida não conseguiriam dado alguns estados da UE estarem interessados em seguir mais a política americana.

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