sexta-feira, 28 de abril de 2017

ENEM 2017 - A decadência da Esquerda brasileira

A ESQUERDA BRASILEIRA  FOI ANIQUILADA PELA SUA INCOMPETÊNCIA E O PODER GRANDE MÍDIA.

Por Alacir Arruda

Não há dúvida que a esquerda brasileira perdeu o rumo e vive agora o seu pior momento desde o fim da ditadura militar. Se Marx fosse vivo com certeza estaria rindo disso tudo sentado no Mac Donalds comendo um Big Mac acompanhado de uma boa Coca Cola, afinal ele alertou: " A ação comum do proletariado, pelo menos nos países civilizados, é uma das primeiras condições para sua emancipação". Na verdade a esquerda brasileira estaá pagando o preço pela sua falta de união e por  tudo de ruim que aconteceu durante o ciclo do PT na Presidência da República. Se olharmos os resultados das últimas eleições municipais (2016) em todo o Brasil, vemos que a esquerda sofreu uma derrota colossal em todo o país. Todos sabem que sou marxista, atualizado, mas marxista e acho que essas derrotas são uma boa oportunidade para refletirmos sobre "qual o papel da esquerda no século XXI".

É hora de pensamentos medievais serem substituídos por ações concretas e positivas,de nada adianta continuar  gritando  aos quatro cantos que o capitalismo  é o grande  e único culpado de todas as mazelas que o mundo sofre, precisamos fazer uma mea-culpa, e se perguntar: "o que fizemos em 100 anos para mudar isso"? Muitos questionamentos que surgiram durante as manifestações de 2013 ainda permanecem sem resposta e os eleitores se sentem distanciados do processo político. A esquerda brasileira, inclusive a não-partidária, a chamada esquerda social, paga hoje o preço dos erros políticos cometidos pelo Partido dos Trabalhadores.

Esses erros, naturalmente, não são os mesmos apontados pela imprensa conservadora e pela oposição de direita, embora também não se possa ignorá-los. A esquerda petista precisa baixar as armas. A política é uma guerra, mas também não é uma guerra. A diferença entre a guerra e a política é que, na política, não é necessário destruir o adversário para vencer; pode-se transformá-lo. Isso significa que o derrotado, em política, não é necessariamente eliminado, ele pode se transformar, seja para ser incorporado ao vencedor, seja para reconstruir suas estratégias e vencer mais tarde.

Depois da derrota  sofrida no pleito de 2016, o mínimo que se espera de toda a esquerda nacional é ouvir as pessoas e os quadros, com mente aberta e espírito crítico. Esta sensibilidade excessiva, que reage agressivamente a qualquer crítica, não contribui para iniciarmos um processo de revisão dos erros cometidos, única maneira de reconstruir institucionalmente, politicamente, o campo progressista.

Nesse contexto os  blogs são uma  ferramentas que deveriam ser mais usadas pois reflete uma espécie de anticorpo jornalístico à manipulação das notícias e da verdade feita diariamente pela grande imprensa. Já escrevi muito sobre esse fator darwiniano que, infelizmente, não é compreendido pelas empresas de mídia. Os blogs sempre vão existir porque são fenômenos naturais, necessários, e sempre serão particularmente fortes no Brasil justamente por causa da nossa realidade midiática: um sistema de comunicação dominado por poucas famílias, sendo que uma delas, a Globo, detêm um poder comparável somente ao de monarcas absolutos do oriente médio.

Os blogs são necessários, como anticorpos, para a sobrevivência da própria mídia comercial brasileira, porque são os blogs que combatem os vírus da manipulação e da mentira, que comprometem seus últimos vestígios de profissionalismo. Mesmo assim, não é possível atribuir a derrota da esquerda apenas à grande mídia, até porque uma das principais críticas que se faz aos governos petistas tem sido, justamente, o de não ter combatido o sistema cartelizado da imprensa nacional.

O PT não fez nada e até hoje não faz nada para combater o monopólio. Em 13 anos de governo, nunca organizou um mísero seminário - aberto a todos os partidos, movimentos sociais, sociedade em geral - para discutir mídia. Os encontros de comunicação organizados pelo PT sempre foram ridiculamente fechados, uma espécie de treinamento para produzir soldadinhos de internet pró-PT, ao invés de se abrir à sociedade. Os eventos partidários do PT, em todos esses anos, sempre foram fechados, sectários, elitistas, inclusive em 2014 e 2015, quando o mundo já desabava sobre o partido.

No período que governou,  a comunicação da legenda se limitava a patrocinar uma "Agência PT", o que é evidentemente uma péssima ideia, o conceito mais antijornalístico que se possa imaginar. O partido precisa ter seu site, com notícias de partido, naturalmente, mas a comunicação maior precisava ser minimamente não-partidária, para ter resultados práticos na formação da opinião pública.

Os dirigentes do PT, ainda hoje, depois de tudo que aconteceu, são incapazes de formulações minimamente embasadas para criticar a mídia. Limitam-se a repetir uma crítica ou outra que leram em blogs e apenas para dar uma resposta apressada à militância ao último ataque da imprensa ao partido. Não sabem como é a mídia em outros países, então não tem como oferecer à população nem à sua própria militância a argumentação necessária para combater o arbítrio midiático.  

Entretanto, o pior erro do PT, pelo visto, está em sua incapacidade de ouvir críticas, que não significa apenas ouvir, mas assimilá-las e reagir dialeticamente a elas. A esquerda no Brasil vive hoje o seu pior momento: não tem mais governo, não tem mais recursos, não tem mais voto.  O único recurso que lhe resta são estas jazidas de inteligência política, esparsas, fragmentadas, porém imensas, inesgotáveis, porque podem ser encontradas não apenas em território nacional e não apenas no presente, mas no mundo inteiro e em toda a história.

A vantagem de não ser mais governo, de não ter mais nada a perder, é esta liberdade maravilhosa de ouvir críticas sem que isso se torne um problema de "governabilidade". Nem todas as críticas são justas, ou inteligentes, ou corretas. Mas todas as críticas podem nos levar ao auto-aperfeiçoamento. As críticas injustas nos permitirão reafirmar valores e acertos. As críticas justas nos farão ver onde erramos e a desenvolver projetos e ideias que serão os vencedores amanhã.

A reação à crítica, no entanto, deve ser serena e inteligente, e sobretudo entender que se um partido é criticado é porque ainda há quem lhe dê importância. Ninguém critica o PP, por exemplo.  A questão da mídia é organicamente ligada à questão política. Ao não entender este ponto, o PT perdeu a batalha sem lutar: a mídia promoveu uma lavagem cerebral de toda a população brasileira sem que houvesse, jamais, uma mísera denúncia disso por parte do governo.

Por ocasião da morte de Roberto Marinho, Palocci, importante quadro do PT na época, divulgou nota dizendo que ele tinha sido muito importante para a democracia... Hoje Palocci é um preso ( não que ele nao mereça)  e a Globo baixa a lenha nele. O ex-ministro da Comunicação, Paulo Bernardo, foi preso por Sergio Moro e deveria ficar por lá para sempre   pois,  além de ladrão, enquanto  ministro jamais fez nada para combater o monopólio.

A comunicação falha gerou outros problemas: ao não desenvolver uma estratégia inteligente de comunicação, o PT não ouviu as massas, ou então as ouviu mal. Erros de projeto também são gerados por falhas de comunicação.  A questão da pobreza e da fome, que naturalmente sempre foram essenciais no país, foi atacada muitas vezes de maneira superficial, com investimento insuficiente em saneamento básico e mobilidade urbana.

Voltando um pouco à questão da comunicação, hoje eu vejo que a tão festejada pulverização de recursos da Secom durante a gestão de Franklin Martins, no primeiro governo Lula, foi na verdade uma iniciativa demagógica, que não resultou em nenhuma mudança estrutural na produção de notícia. Uma análise dos contratos da Secom mostram a distribuição de quantias incrivelmente ínfimas para uma quantidade enorme de rádios e pequenos jornais.

Num primeiro momento, esses recursos podem até ter sido importantes, mas depois de um tempo eles são naturalizados. Os custos aumentam, e o volume de recursos continua o mesmo. Mil reais para um pequeno jornal do interior já não significam mais nada. Não permitem o surgimento de nenhum tipo de jornalismo diferente. Pagam uma continha ali e aqui.

O governo, se quisesse usar seus bilhões anuais de publicidade federal para mudar a super-estrutura da comunicação social brasileira, tinha que ter ajudado a criar centros de produção de jornalismo autônomos e autossustentáveis, em todo o território nacional, em rádio, jornal impresso, internet e tv. Essa seria uma estratégia central inclusive para oferecer um mínimo de segurança midiática a seus próprio quadros.

Isso sem falar na questão liberal. Os institutos liberais brasileiros são pastiches hipócritas, contraditórios e cretinos, porque o liberalismo pressupõe respeito à pluralidade política, às garantias constitucionais contra a perseguição do Estado, à segurança jurídica e à liberdade individual, fatores que foram destruídos por esse golpismo patrocinado pelo monopólio midiático.

Claro que essa sempre foi uma batalha difícil. Mas era central, e a mídia sabia disso, tanto que, mesmo sem o governo fazer nada, ela iniciou um ataque maciço à qualquer ensaio ou mero discurso de mudança, taxando-o de bolivariano ou coisa parecida. E o governo cedeu antes de lutar, como aqueles lutadores de sumô que desistem apenas com um troca de olhar com o adversário.

No campo da corrupção, os governos Lula e Dilma, que poderiam colher frutos de várias iniciativas inéditas, como o portal da transparência, as auditorias, o investimento na Polícia Federal, deixaram de fazê-lo pela mesma razão de sempre: uma inexplicável e imperdoável ausência no campo da comunicação política.  O PT, sempre que tentava fazer, às pressas, algum tipo de comunicação, fazia mal, confundindo comunicação com propaganda.

A ausência de comunicação também gera corrupção. Os gastos precisam ser abertos para que a sociedade possa monitorá-los. A lição dos países mais bem sucedidos na guerra contra a corrupção é maior transparência e participação social no processo de execução orçamentária. A corrupção acontece obviamente onde circula dinheiro, então para combatê-la é preciso muita luz sobre essas áreas.

Se o PT quiser renascer como um legenda de esquerda, o que eu duvido muito, precisa ouvir as críticas, com serenidade, porque todas serão oportunidade para que o partido se reinvente, afinal naquele mar de lama que o partido se tornou ainda é possível que alguém sobreviva. Uma coisa é certa, incitar greves e manifestações sem fundamentos num país envolto por uma crise econômica sem precedentes  é, no minimo, uma burrice.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

A Reforma Trabalhista

A REFORMA TRABALHISTA É ALGO INEVITÁVEL.

Por Alacir Arruda

Após muitas negociações o governo Temer conseguiu quorum para aprovar a Reforma Trabalhista na câmara e isso tem sido motivo de grandes preocupações para muitos brasileiros. Uma coisa é certa, faz -se necessário uma reforma em nossas Leis que regulam as relações capital-trabalho. A CLT se tornou obsoleta frente as mudanças do seculo XXI e uma nova ordem nessas relações tornou-se imperativa. Veja as principais mudanças propostas nas leis trabalhistas:

Trabalho temporário:


- Os contratos temporários de trabalho poderão passar dos atuais 90 dias para 120 dias, prorrogáveis por mais 120 dias;

- Os temporários poderão ser contratados diretamente pela empresa ou, então, como é feito hoje, por meio de uma empresa de trabalho temporário;

- Os trabalhadores passam a ter os mesmos direitos previstos na CLT e as empresas que fornecem mão de obra temporária ficam obrigadas a fornecer aos contratantes dos serviços os comprovantes de pagamento das obrigações sociais dos trabalhadores (FGTS, INSS e certidão negativa de débitos);

- Essa nova regra não se aplica aos empregados domésticos.
Acordo do sindicato valendo como lei

Os acordos coletivos de trabalho definidos entre as empresas e os representantes dos trabalhadores poderão se sobrepor às leis trabalhistas definidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 11 pontos específicos, que dizem respeito a jornada de trabalho e salário. Não podem ser alteradas normas de saúde, segurança e higiene do trabalho.

Não podem mexer também no pagamento do FGTS, 13º salário, seguro-desemprego e salário-família, que são benefícios previdenciários, bem como o pagamento da hora-extra de 50% acima da hora normal, a licença-maternidade de 120 dias e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.

A possibilidade de acordos trabalhistas terem força de lei recebe críticas de alguns setores por, em tese, permitir a redução de direitos assegurados nas leis trabalhistas.

Os defensores da medida afirmam que isso garante mais autonomia aos trabalhadores nas negociações sindicais e contribui para a geração de empregos. O governo afirma que direitos adquiridos não serão reduzidos.

Veja o que poderá ser negociado entre empresas e trabalhadores:

- Férias:

O texto prevê que as férias poderão ser divididas em três períodos de descanso.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que a proposta mantém um mínimo de 15 dias seguidos de descanso nas férias, mas que o restante do período poderá ser objeto de negociação coletiva. "A negociação coletiva vem com toda força e vai seguramente fazer com que tenhamos muito menos conflito [na Justiça do Trabalho]", disse.

- Jornada de trabalho:

Um dos pontos em que as negociações coletivas poderão se sobrepor à legislação trabalhista é a jornada de trabalho. O texto fala que o cumprimento da jornada diária poderá ser negociado entre patrões e empregados, desde que respeitado o limite máximo de 220 horas mensais e de 12 horas diárias. Hoje a jornada padrão é de 8 horas por dia, com possibilidade de haver 2 horas extras. A jornada padrão semanal é de 44 horas.

"A convenção coletiva vai poder definir a forma com que a jornada de 44 horas semanais será executada, desde que seja vantajosa para o trabalhador", disse o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira.

O ministro afirmou que a proposta não prevê ampliação na jornada. "A jornada de trabalho permanece a padrão de 8 diárias e 44 horas semanais. Nunca esteve, não está e não estará na agenda do governo proposta de aumento de jornada de trabalho", disse Nogueira.

- Intervalo:

O intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser negociado, desde que tenha no mínimo 30 minutos.

- Deslocamento até o trabalho:

Empresas e representantes dos trabalhadores poderão negociar se serão remuneradas também as horas gastas no trajeto de casa até o trabalho --atualmente, elas não são pagas. Essa hipótese é mais comum nos casos em a empresa oferece transporte aos trabalhadores que moram muito longe, como em fábricas que ficam fora da cidade, por exemplo.

- Banco de horas:

Os acordos coletivos também poderão prever a criação de um banco de horas para contabilizar as horas extras trabalhadas, além da forma de pagamento.

- Trabalho remoto:

A atuação do trabalhador fora da sede da empresa também é um dos pontos que poderá ser definido com força de lei pelas convenções coletivas.
Trabalho com jornada parcial

- O objetivo é estimular a contratação de jovens, mães, e trabalhadores mais velhos.

- Atualmente, prevê jornada máxima de 25 horas por semana, sendo proibidas as horas extras; a proposta é passar para 30 horas semanas, sem horas extras, ou para 26 horas semanais com até 6 horas extras.

- Hoje, o trabalhador tem direito a férias proporcionais de no máximo 18 dias e não pode vender dias de férias em troca de dinheiro; a proposta prevê 30 dias de férias e a possibilidade de vender dez dias.
Multas para empresas

As empresas que não registrarem seus empregados terão que pagar multa de R$ 6.000 por empregado não registrado e de igual valor em caso de reincidência. No caso de empregador rural, microempresas e empresas de pequeno porte, a multa é de R$ 1.000.

Independente de sua aprovação ou não, o importante e que cada cidadão brasileiro conscientize que o conceito de trabalho mudou em todo mundo,  e o Brasil não é uma ilha deve fazer  parte dessa onda, sem com isso ampliar a distancia que existe entre quem produz e quem detém os meios de produção.

Contato: agaextensao@gmail.com

terça-feira, 25 de abril de 2017

ENEM 2017 -Ayn Rand Filosofa russo- americana

AYN RAND, FILÓSOFA , E A CORRUPÇÃO.

Por Alacir Arruda

Na década de 20 uma filósofa atrevida já incomodava o mundo capitalista moderno. Ayn Rand. Nascida Alissa Zinovievna Rosenbaum – em São Petersburgo, 2 de Fevereiro de 1905 e faleceu em Nova Iorque, 6 de Março de 1982- foi uma escritora, dramaturga, roteirista e controversa filósofa norte-americana de origem judaico-russa, mais conhecida por desenvolver um sistema filosófico chamado de Objetivismo, e por seus romances The Fountainhead (que foi lançado no Brasil com o título de "A Nascente" e deu origem a um filme homônimo conhecido no Brasil por "Vontade Indômita") e Atlas Shrugged ("A Revolta de Atlas" no Brasil).

 Nascida e educada na Rússia, Rand emigrou para os Estados Unidos em 1926. Ela trabalhou como roteirista em Hollywood e teve uma peça produzida na Broadway, em 1935-1936. Ela alcançou a fama com seu romance The Fountainhead, publicado em 1943, que em 1957 foi seguido por seu melhor e mais conhecido trabalho, o romance filosófico Atlas Shrugged. Mas, sem duvida, foram sua reflexões sobre o caráter de alguns homens públicos que a fez conhecida no mundo literário da época. Uma de suas reflexões mais famosas é essa:

“Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; Quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; Quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; Quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; Então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.” (Ayan Rand)


Como sabemos, a corrupção é um dos fenômenos mais perigosos para uma nação. Os efeitos econômicos são devastadores, à medida que o custo das empresas sobe, investimentos despencam, as pessoas começam a perder a confiança nas instituições do País e a democracia começa a ser ameaçada. Não é à toa que os países no topo do ranking da transparência internacional, como Finlândia e Singapura, estão entre os mais ricos, enquanto as nações mais corruptas do planeta, como Togo e Gana estão entre as mais pobres. A correlação entre corrupção e subdesenvolvimento é fortíssima. 

 
Qual a sua ideia de corrupção? É quase certo que você fale em desvio, por um administrador desonesto, do dinheiro público. É a ideia que se firmou hoje em dia. Mas, antes disso, a corrupção era termo mais abrangente, designando a degradação dos costumes em geral.
 
Como a corrupção veio a se confinar no furto do bem comum? Talvez seja porque, numa sociedade capitalista, o bem e o mal, a legalidade e o crime acabam referidos à propriedade. Por analogia com a propriedade privada, o bem comum é entendido como propriedade coletiva — e até como bem condominial, aquele do qual cada um tem uma parcela, uma cota, uma ação.
 
Mas o bem comum é diferente, por natureza, do bem privado. No estatuto de uma sociedade comercial, é obrigatório incluir o destino a dar aos bens, caso ela se dissolva. Se constituo uma firma com um sócio, caso a fechemos repartiremos os bens que pertencem a ela. Mas isso é impossível quando se trata da coisa pública. Há certos “bens” que só ela produz e que não podem ser divididos: virtudes, direitos e uma socialização que não só respeita o outro como enriquece, humanamente, a nós mesmos.
 
Pensar o mau político como corrupto e, portanto, como ladrão simplifica demais as coisas. E sinal de que não se entende o que é a vida em sociedade. O corrupto não furta apenas: ao desviar dinheiro, ele mata gente. Mais que isso, ele elimina a confiança de um no outro, que talvez seja o maior bem público. A indignação hoje tão difundida com a corrupção, no Brasil, tem esse vício enorme: reduzindo tudo a roubo (do “nosso dinheiro”), a mídia ignora — e faz ignorar — o que é a confiança, o que é o elo social, o que é a vida republicana.
A corrupção continua, porém, sendo um tema republicano - só que com outro sentido, outro conteúdo. Ela ainda é o grande perigo para a república. Como esta valoriza o bem comum, todo desvio dele para o particular a ameaça. Mas nossa ideia de corrupção é mais fraca que a antiga.
 
Chamamos de corrupção o furto do patrimônio público. Ora, isso faz esquecer que o bem público tem natureza distinta do bem particular ou da propriedade privada. Muitos se referem ao Estado como se fosse equivalente a um indivíduo ou empresa. Com isso, ficam na perspectiva patrimonialista, cujos problemas vimos no capítulo anterior.
 
Uma saída para a pouca importância, hoje, do tema da corrupção seria apostar na educação. Diríamos: a corrupção ameaça a república, mas não se resume no furto do dinheiro público. O corrupto impede que esse dinheiro vá para a saúde, a educação, o transporte, e assim produz morte, ignorância, crimes em cascata. Mais que tudo: perturba o elo social básico que é a confiança no outro. Quem anda por nossas ruas, com medo até de crianças pequenas, e depois se espanta com a descontração das pessoas em outros países pode sentir o preço que pagamos por não vivermos numa república — por termos um regime que é republicano só de nome.
 
A saída educativa é indispensável. Mas ela exige dar à educação dos costumes um sentido distinto do que teve no antigo pensamento republicano. Não se trata mais de conter a sexualidade, de promover a castidade e a discrição. Os costumes viáveis, a educação desejável em nosso tempo têm a ver com a realização pessoal. Será preciso combinar essa promoção de si com o respeito devido ao outro. E será necessário, mais que tudo, recuperar — ou reinventar — a ideia de que haja algo, no espaço comum a todos, que seja mais do que um simples arremedo social da propriedade privada.
  


Despertem seres humanos!  Nossa sociedade está doente.  

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ENEM 2017 - A PÓS-VERDADE

OS PERIGOS DA PÓS-VERDADE.

Por Alacir Arruda

Em épocas de delações premiadas, denúncias, dossiês e uma série de "dedos duro" morrendo de medo de irem pra prisão, faz-se necessário uma filtragem de  tudo aquilo que assistimos, lemos ou ouvimos. Gostaria de dar alguns exemplos de falsas verdades que, ainda  hoje, muitos juram ser "verdades absolutas". Por exemplo: D. João VI não era o imbecil que alguns professores insistem em propagar. Sua fuga de Portugal, ao contrario do que dizem, foi estratégica e salvou o reino português. Tiradentes nunca foi barbudo e jamais teve semelhança com jesus,  O MESSIAS, cristo jamais foi cristão e Pôncio  Pilatos era romano e não um fariseu e,  por último, Colombo era Italiano e não espanhol. 

Na sociedade contemporânea, é evidente que há uma facilidade de acesso às informações e, consequentemente, de opiniões acerca delas. Com o advento das mídias digitais e das redes sociais, se estabelece um terreno de propagação de conhecimentos que por vezes impressiona, noutras assusta, pois na medida em que é um novo espaço para se informar e ter voz, é também um recinto que engloba falácias e sensacionalismos. Esse fenômeno, ainda recente e passível de análises, afeta vários flancos: políticos, jurídicos, econômicos, e até mesmo em vidas pessoais. Mas o principal a se analisar são justamente as conseqüências numa área que é diretamente ligada ao ato de informar e opinar: a do jornalismo.

Dentro desse contexto da comunicação social, existem as vertentes daquilo que é informativo e do que é opinativo, mas com um porém: ambos necessitam de precisão e fatos objetivos para se concretizarem de maneira genuína. Erros históricos nascem da imprecisão. Profissionais como os repórteres têm o dever de serem contundentes e não emitirem juízos, pois qualquer mínimo erro ao retratar um cenário, uma história, ocasiona a falha daquele que vai expor a opinião e, consequentemente, a diversos setores da sociedade, afinal, quando um erra, a cadeia toda pode falhar: o advogado, o sociólogo, o antropólogo e mais para frente o historiador.

Com a brecha da internet de haver mais possibilidades no processo de se informar e reproduzir a informação, é necessário o dobro da preocupação na busca de fontes e na exigência da precisão ao apurar as notícias. A história sempre foi inicialmente escrita pelos veículos de comunicação e agora existem novas formas de abordá-la. Isso faz com que seja aberto um cenário de muitas incertezas e incognoscibilidades quanto ao futuro – tanto na área do jornalismo como na vida em si.

Em 2016, o Dicionário Oxford definiu “Pós-verdade” como a palavra do ano. O termo se refere a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais. Essa definição se deu principalmente por conta do referendo britânico sobre a União Europeia e nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Faz sentido trazer à tona esse conceito, pois isso se agrava precisamente de acordo com esse cenário agridoce da emissão de informações e opiniões nas redes digitais.

Para começar, os autores das notícias não possuem emancipação total ao escrever e apurar, pois a liberdade absoluta pertence ao dono do veículo onde se trabalha – no Brasil ou em qualquer lugar do mundo e de qualquer ideologia. Ao ligar esse fato ao significado da palavra pós-verdade na sociedade civil, é notório que se amplia o espaço às percepções corporativas e políticas pelos meios de comunicação. Portanto, é muito complicada e sutil a distinção entre ser um agente de opinião ou simplesmente um porta-voz de autoridade. E, principalmente, entre um verdadeiro agente de informação ou mais um enredado nas armadilhas e segmentações ocasionadas pelas redes e pelo contágio das pós-verdades.  Ja disse em outros artigos, não seja otário da vez, busque a fonte daquilo que ouve, lê ou assiste. Tv é espetáculo ja dizia Guy Debord.




domingo, 23 de abril de 2017

ENEM 2017 - O Sandinismo resiste

AUGUSTO SANDINO: UM HERÓI  ESQUECIDO E SEM MEDALHA.

Por Alacir Arruda

Augusto César Sandino (1895-1934) é considerado por muitos historiadores, o pai de todos os movimentos revolucionários da America Latina e um marco na luta contra o imperialismo americano. Apesar de esquecido, e considerado "bandido" pelos norte americanos, Sandino deixou seu nome gravado na luta contra a opressão e a desigualdade na América Central servindo de referência para movimentos como: Revolução cubana, Sendero Luminoso (Peru) Tupac Amaro (Uruguay), MR8 ( Brasil), ELN (Colômbia) entre outros. Confesso que falar de Sandino me causa uma certa emoção pois ele foi o responsável por toda a minha dedicação às ciências humanas. Li Sandino a primeira vez quando tinha 14 anos, por influência de uma professora de história, e desde então me dedico a pesquisar os sandinismo enquanto movimento politico e social.

A história de Sandino começa na pequena Nicarágua, na América Central, na primeira metade do século XX que sofria os ataques dos impulsos imperialistas norte-americanos bem antes da Guerra Fria, período de disputa da hegemonia geopolítica no mundo entre os Estados Unidos e a União Soviética que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. A América Latina sofreu as agruras desse embate. Nas décadas de 20 e 30 do século passado, o revolucionário nicaraguense Augusto Sandino foi o precursor em enfrentar a intervenção dos Estados Unidos nos assuntos internos dos países latino-americanos.

Ainda adolescente, Sandino testemunhou o enterro do general Benjamín Zeledón, que lutou contra a primeira intervenção militar norte-americana em seu país, iniciada em 1909. O general foi assassinado pelas tropas invasoras em 2 de outubro de 1912. Sandino sempre lembrava que a centelha de sua obstinada resistência ao invasor do Norte nasceu naquele momento. Ali se iniciava a fascinante história do líder revolucionário Sandino, que ainda vive no imaginário da auto-afirmação da identidade latino-americana. 

A mãe do guerrilheiro nicaraguense, Margarita Calderón, era muito pobre e sobrevivia como camponesa e empregada doméstica. Seu pai, Gregorio Sandino, vinha de uma família com um pouco mais de recursos e era proprietário de um pequeno lote de terra. Já com os pais separados, Sandino trabalhou durante a infância na difícil colheita de café ao lado da mãe na região do Pacífico nicaraguense. Aos 11 anos, Augusto foi viver com o pai. 

Augusto César Sandino nasceu há 122 anos na pequena Niquinohomo no dia 18 de maio de 1895. Morreu na capital nicaraguense Manágua em 21 de fevereiro de 1934, com apenas 38 anos.

Augusto César Sandino em 1928 (fonte: Wikimedia Commons)

Entre 1920 e 1923, Sandino trabalha na Guatemala nas plantações da United Fruit, multinacional norte-americana que comercializava frutas tropicais. Trabalha também em empresas produtoras de petróleo nas cidades mexicanas de Tampico e Cerro Azul, entrando em contato com militantes socialistas e anarquistas embalados pelo clima de mobilização sindical criado pela Revolução Mexicana.

Em agosto de 1925, depois de mais de 13 anos de ocupação, os Estados Unidos retiram suas tropas de Nicarágua e confiam seus interesses a grupos paramilitares. Em 1926, Emiliano Chamorro assume através de um golpe militar e após somente um ano, os marines dos Estados Unidos desembarcam novamente na Nicarágua já que não reconhecem a legitimidade de Chamorro. Em outubro deste ano, Sandino volta à Nicarágua e se une às tropas constitucionalistas. No dia de Natal, Sandino e outros constitucionalistas combatem os invasores com a colaboração das prostitutas que trabalham na região portuária da cidade litorânea de Puerto Cabezas.

Durante o ano de 1927, Sandino acompanha de perto o armistício entre o general Moncada e o governo do presidente republicano Calvin Coolidge, que governou os Estados Unidos entre 1923 e 1929. Sandino não se convence que a soberania nicaraguense foi respeitada pelo acordo entre os dois países e continua sua luta pela expulsão das tropas norte-americanas do país. Para isso, recebe o apoio de combatentes estrangeiros de países como El Salvador, Guatemala, México e Venezuela, inclusive do dirigente comunista salvadorenho Farabundo Martí. No final de 1928, Moncada é eleito presidente em eleição organizada pelos marines e contestada por Sandino.

Augusto Sandino (foto de La Voz del Sandinismo)

“Iremos até o sol da liberdade ou até a morte; se morrermos, nossa causa seguirá vivendo. Outros nos seguirão” (Sandino).

Entre 1930 e 1932, o Exército Defensor da Soberania da Nicarágua, comandado por Sandino, chegou a possuir em suas fileiras 6 mil soldados. Após uma longa guerra civil, no primeiro dia de janeiro de 1933, a causa sandinista consegue expulsar as tropas norte-americanas do país. Juan Bautista Sacasa assume a presidência e o general Anastásio Somoza passa a comandar a Guarda Nacional, que ainda sofre forte influência dos Estados Unidos. Em fevereiro, Sandino firma um acordo de paz com o governo central mesmo se queixando das perseguições e assassinatos perpretados pela Guarda Nacional a combatentes do Exército Defensor.

Sob as ordens do embaixador norte-americano, Somoza desobedece ao salvo conduto fornecido pelo governo ao líder nicaraguense e arquiteta seu assassinato no dia 21 de fevereiro de 1934 após uma reunião de Sandino com o presidente Sacasa. Em junho de 1936, Somoza derruba Sacasa e assume a presidência. Ele e seu filho dominaram o governo nicaraguense durante décadas. Em 1939, o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, ironizou: “Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.

O curioso é que Anastásio “Tachito” Somoza Debayle, filho do algoz de Sandino, foi derrubado do governo pela FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), grupo político que, ate hoje, segue o ideário político de Augusto Sandino, em 1979. O ditador Somoza Debayle fugiu para o Paraguai onde foi assassinado em 17 de dezembro de 1980.

“Minha maior honra é ter surgido do seio dos oprimidos, que são a alma e o nervo da raça” (Sandino).

Contato: agaextensao@gmail.com 

sábado, 22 de abril de 2017

ENEM 2017- Che Guevara 50 anos sem o mito

50 ANOS SEM CHÊ GUEVARA: MORREU O HOMEM MAS O MITO PERSISTE...


Por Alacir Arruda
     
No dia 09 de outubro de 1967 o exército boliviano,  sob orientação  da CIA,  matava o revolucionário Ernesto Guevara de La Serna , o CHÊ. Mal sabiam os bolivianos que morria ali o homem e nascia o mito.  Se estivesse vivo, Ernesto "Che" Guevara completaria esse ano 89 anos de idade. O guerrilheiro tornou-se ícone das esquerdas, visto como um idealista disposto a dar a vida pela causa. Adorado em Hollywood e Paris, Che foi eternizado pela foto tirada pelo fotografo cubano Alberto  Korda em 1967, que virou estampa de camisetas e biquínis. A ironia do destino transformou o comunista em lucrativa marca de negócios. Ame-o  ou  odeiem, Chê ainda vive.

Esse ano completa 50 anos da morte da figura mais conhecida da America latina, Chê está entre as  100 figuras mais importante do seculo XX segundo a Revista Time e sua foto é a mais reproduzida do mundo, perdendo apenas para a imagem de  uma figura mítica, jesus cristo.  Mas, como alertou Nietzsche, a morte dos mártires pode ser uma desgraça, pois seduz e prejudica a verdade.

Para as pessoas de minha geração, Che Guevara é uma figura importante. Embora ele tenha sido morto na Bolívia, de uma certa forma ele continuou vivo, sempre de cabelos longos, barba rala, sério, olhando fixamente em uma direção fora da moldura, usando uma boina escura na qual se vê uma estrela branca. Esta é obviamente a descrição da sua fotografia mais famosa ou, por assim dizer, a “oficial”.

Mas quem foi Ernesto Guevara? E importa realmente quem ele foi? Parece que importa: o número de biografias sobre ele, sobre sua atuação na revolução cubana indica que depois de todas estas décadas ele ainda continua atraindo a curiosidade intelectual dos escritores, e o interesse de leitores. Mas o que mais se sabe de Che está relacionado com sua posição como um dos dentes da engrenagem capitalista contra a qual ele lutou.

Para exemplificar esta colocação, eu posso citar ter visto reproduções da famosa foto de Che, feita por Alberto Korda, em praticamente todos os continentes. Em algumas, a imagem aparece ao lado de personagens históricos locais. Em outras, ele está sozinho, rodeado de slogans. Em outras ainda, com as cores invertidas. Mas a ocasião mais interessante foi quando um aluno de primeiro ano de faculdade apareceu na minha aula com uma camiseta com a tal imagem. Eu perguntei se ele sabia quem era o homem. “Claro, é o Che”, ele respondeu. Quando eu perguntei quem era Che, ele respondeu, “Ah, é um cara que jogava beisebol por Cuba”. Fiquei sem saber se deveria corrigir o aluno, ou deixar que ele seguisse pensando da mesma forma. Afinal, pra uma pessoa de 18 anos, que diferença faz se Che jogava beisebol ou futebol, desde que fosse por Cuba?

Logicamente, faz uma grande diferença, não que tipo de esporte, mas que tipo de filosofia política Che teve e como a empregou durante sua vida. Como sabemos e vimos, ele era argentino de Rosário, e vinha de uma família que, de acordo com a história, era “acomodada”: nem rica, nem pobre, mas que vivia bem. Fez faculdade de medicina e desenvolveu sua visão política depois de sair em uma viagem de motocicleta com seu amigo Alberto. Eles atravessaram a América espanhola (pelo menos as partes mais interessantes e com gente com problemas), e foram até… um lugar ao norte e ficaram em um asilo para leprosos… e Che estava muito apaixonado por sua namorada argentina de família rica… e talvez por causa disto nunca teve sexo com ninguém durante toda a viagem, enquanto que seu amigo Alberto usou todas as oportunidades para conquistar as mulheres que encontravam. No final, Che e seu amigo se despediram, e vemos que o amigo ficou velhinho e trabalhou em Cuba. Mas, um momento! Este é o enredo do filme “Diários de motocicleta”! Será que Che realmente foi tudo o que o filme relata? É verdade que resistiu aos charmes da mulherada durante o trajeto? Deu mesmo aquele dinheiro da sua namorada para o casal de mineiros desempregados? O filme, pelo que quer indicar, vem dos diários do próprio Che, mas como é que podemos ter certeza? Não seria a primeira vez que o escritor do script adiciona algumas coisas para fazer mais efeito. O fato é que, depois de assistir este filme, meus alunos,sobretudo as alunas,  ficaram muito comovidos com a história de Che, especialmente porque quem o representou foi um ator bonitão

Mas a última foto real de Che não o mostra tão bonito como o ator de “Diários de motocicleta”. Embora aquela foto não tenha aparecido tanto como a fotografia tirada por Korda, ela apareceu em alguns lugares. Teria sido em Manchete? Teria sido em Fatos e Fotos? Agora já fica difícil lembrar. Mas a foto circulou no Brasil. Era do interesse dos nossos ditadores mostrar ao povão o que acontecia com um comunista. Sim, comunista! Esta era a palavra maldita que se usava para indicar qualquer um que poderia ter o fim semelhante ao do jovem guerrilheiro que tinha ajudado Fidel Castro a ganhar a revolução. Aquele corpo estendido numa maca, sem camisa, foi usado como um aviso.

Mas não foi o único aviso. Em 1969 um filme com Omar Sharif já vinha com sua versão da vida de Che. O nome do filme, “Che!”, foi traduzido no Brasil como “Causa perdida”, e a tradução dos diálogos do filme foi alterada de forma suficiente para indicar que a causa estava, realmente, perdida. Quem viu aquele filme quando foi liberado no Brasil? Quais foram as conseqüências? Difícil dizer. Mas, pelo menos para mim, que vi o filme em 1989, ficaram as cenas chocantes de Che assinando ordens de execução de gente relacionada ao regime do ditador anterior de Cuba. Simplesmente assinando, enquanto do lado de fora o pelotão de fuzilamento ia matando, matando, matando, e ele dizendo alguma coisa que “no hay que perder la ternura”. (Ou será que isto também vem de outra fonte?) Mas, naquele filme, no fim, aparecem as imagens do corpo sendo levado, amarrado à parte inferior de um helicóptero, os cabelos voando ao vento. E também as imagens do corpo estendido no chão do hospital para onde o cadáver foi levado depois da execução. A não ser que estas sejam imagens mentais que fiz depois de ler sua biografia.

Mas em Cuba, as crianças talvez não precisem de nenhuma imagem mental enquanto recitam, todos os dias, uma sentença que diz, “Seremos como Che, seremos internacionalistas.” E os que não querem ser como Che, têm uma opção? Será verdade o que um antigo prisioneiro em Cuba (Armando Valadares, antigo embaixador dos Estados Unidos na ONU) conta, de um menino de 12 anos que foi preso por ter brincado com a arma de um policial, e depois de ser seviciado e violentado na cadeia, ficou com doenças venéreas, e ia ficar na prisão até os 18 anos, sujeito a todo tipo de humilhação e violência? Podemos acreditar que todas as crianças de 12 anos em Cuba têm que ir passar um tempo em uma espécie de retiro, onde trabalham e recebem a doutrina, mas que acabam sendo violentadas por falta de supervisão?  Ou será que é verdade que todas as crianças — aliás todas as pessoas — em Cuba têm direito a assistência médica gratuita? E todas as escolas têm suficiente leite em pó, açúcar, arroz e feijão para dar a todos os alunos duas refeições diárias? Como vamos saber?

De vez em quando,  nos Estados Unidos, a imprensa se refere a Cuba. Depois do escândalo com o menino Elián, que sobreviveu a travessia e chegou à Flórida para ser o alvo de um conflito entre os familiares dos dois lados, o assunto que mais aparece é Fidel Castro. Está vivo!!  El comandante nao morreu!  Como é mesmo seu irmão? Os Estados Unidos devem ou não devem parar com o embargo? Quem gosta de charutos cubanos, etc.?

Talvez uma das imagens mais chocantes dos últimos tempos seja a que de Castro e Chávez, em 2001,  lado a lado, quando este último lhe estava dando a espada de Bolívar. Deu mesmo? Ou será que foi só para tirar as fotos? A espada pertencia a Chávez pra ele poder ir dando a Castro? Não pertence à Venezuela? Os venezuelanos foram consultados sobre esta doação? Quem sabe ao certo? Talvez nem mesmo Chávez, que parece não saber exatamente onde termina a realidade e onde começa sua auto-invenção.

E, logicamente, esta imagem dos dois juntos é especial. Chávez, autodenominado socialista, é o filho bastardo da revolução cubana, da qual fez sua própria tradução e interpretação livre. Depois desta última “eleição”, em que qualquer tentativa de disfarçar seus desígnios ditatoriais caíram por terra, eu fico pensando no que diria Bolívar, seu compatriota e herói da libertação da América espanhola, que sonhou com uma América democrática.

Mas uma outra coisa interessante daquela entrevista dos dois foi a imagem do velhinho Fidel, ainda chamado “comandante”, que entrava em conflito com a outra imagem mental que temos dele, uma espécie de Che mais magro, de cabelos mais curtos, falando à multidão depois da entrada triunfal em Havana. Sim, meus amigos, até os poderosos criam rugas e ficam com manchas na pele. É só uma questão de tempo.

Mas não para Che. Ele continua com o mesmo olhar penetrante. Furando o tempo. As doenças jamais o tocaram. Não teve cataratas. Não colocou dentadura nem implantes. Ali está ele, imortal. Furando o futuro e chegando até nós. É ou não é?

Como vamos saber se é mesmo verdade que as crianças de Cuba têm alimentação garantida? Sabemos que o país eliminou o analfabetismo e que exporta médicos. Mas, e a comida? Com o embargo imposto pelos Estados Unidos por tantos anos, e com a queda da União Soviética no fim dos anos 80, o país ficou mesmo como um pequeno navio num marasmo, velas murchas. Que fazer?

Em 1999, quando lecionava em São Paulo, participei de uma mostra de um filme, seguida de palestra e discussão, feita pela artista de origem cubana Coco Fusco. Naquela ocasião Fusco, que trabalha com teatro, especialmente teatro de performance (uma espécie de improvisação), relatou sua experiência em Havana, e como uma grande porcentagem das mulheres jovens da cidade trabalham em volta dos hotéis de luxo, como prostitutas, e sustentam a família com este trabalho. Ela trazia os filmes e entrevistas que havia feito, e a conclusão, naquele momento, era que a população cubana estava numa condição terrível, então as mulheres — mesmo meninas de 10 a 12 anos – faziam o que podiam para ajudar suas famílias. Fiquei com a impressão que nada havia mudado em Cuba, pelo menos não para as mulheres. Outra vez, a ilha tinha virado o bordel dos países ricos, em que homens endinheirados podem ir e escolher as mulheres que quiserem para usar e descartar. Elas não têm outra opção, não importa o que “el comandante” diga, e quantas espadas de Bolívar Chávez possa lhe trazer.

Eu nunca estive em Cuba. É bem possível que jamais possa ir. Mas a imaginação daquele país permanece, para mim, assim como para muitos outros, filtrada pelos versos do patriota José Martí, que morreu tentando libertar sua pátria dos espanhóis: uma terra de palmeiras, de brisa, de grande beleza. Talvez tenha sido esta a imagem que inicialmente atraiu o jovem idealista Ernesto Guevara.

As guerras, as revoluções, são mesmo como um omelete: não podem ser feitas sem se quebrar os ovos. Che entrou na luta pela libertação de Cuba pronto para quebrar ovos. Fidel ficou com o omelete. O povo cubano pode ter ganhado um pouco do omelete no início (especialmente depois que a maioria dos brancos se foi da ilha), mas pelo que se vê ultimamente, o povo cubano está realmente com as cascas dos ovos nas mãos, e as galinhas foram também comidas. Agora que Fidel se foi,  seguindo o estilo de ditadores, a presidência fica para seu irmão Raul Castro. O que se espera, para o bem do povo cubano, é que Raul — que também não é jovem — veja que eleições livres não têm que necessariamente significar que o país vai ser entregue aos ianques. Que adianta terem dado educação aos cubanos, se os irmãos Castro acham que o povo é estúpido e não sabe escolher seu próprio presidente?

As ditaduras, tenham as caras que tiverem, cheiram mal. Agora que Chávez, mesmo morto, pariu seu próprio modelo, é bem possível que a carniça se espalhe pela América Latina inteira. Não sei bem o que Che diria de Chávez, mas é bem possível que o que ele pensaria não poderia ser impresso em uma camiseta.

Quanto à imagem de Che, causa uma espécie de alegria vê-lo sempre jovem, varonil, bonito, tal como Casimiro de Abreu, Castro Alves e Lord Byron. Tal como estes poetas românticos, e tal como os ícones como Marilyn Monroe e James Dean, Che escapou dos achaques da idade, das dores de coluna, das varizes, das hemorroidas. Há uma grande beleza nisto, temos que admitir.

A não ser, claro, que a gente prefira a beleza da velhice plena de Michelangelo. Ou mesmo de um Fidel que hoje descansa no mausoléu dos heróis em Santiago.

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sexta-feira, 21 de abril de 2017

ENEM 2017-Turquia a nova ditadura

TURQUIA: A NOVA DITADURA DA EUROPA.

Por Alacir Arruda


A Turquia  tem vivido momentos de tensão, o plebiscito da semana passada, que mudou o regime de parlamentarista para presidencialista, acabou por dar super poderes a Tayyp Erdogan que pode governar o pais ate 2029.  Sua primeira ação, após o plebiscito,foi revogar as licenças de 21 mil professores que trabalham em instituições privadas. Esta é mais uma das medidas de repressão do governo turco após a  tentativa de golpe militar ano passado. Além disso, o Conselho de Ensino Superior ordenou a saída de 1.577 reitores universitários por todo o país. 

Após um ano  da  tentativa de golpe na chamada "madrugada sangrenta", que matou 290 pessoas na Turquia ano passado,  governo de Erdogan  tem perseguido e chamado os insurgentes militares — que tentaram tomar o poder — de terroristas. Erdogan, vem sugerindo a possibilidade de restabelecer a pena de morte para punir os rebeldes.

Vamos recapitular os fatos: Durante a tentativa de golpe em 2016, na  tentativa de tranquilizar a comunidade internacional, o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, negou a existência de um “espírito de vingança” contra as pessoas envolvidas. A declaração, no entanto, não parece condizer com as ações tomadas pelo governo.

Em um comunicado, o Ministério da Educação já havia anunciado a suspensão de mais de 15 mil de seus funcionários suspeitos de ter vínculos com o imã Fethullah Gülen, acusado de estar por trás do fracassado golpe. As novas demissões em massa somam-se aos já cerca de 20 mil militares e servidores civis destituídos ou detidos na sequência do levante militar.

“Uma coisa assim é absolutamente inaceitável no Estado de direito”, disse Yildirim no Parlamento. “Esta nação tira sua força do povo, não dos tanques”. Antes que eu siga com meus comentários, leia o que a matéria ainda tem a dizer sobre o desrespeito de Erdogan pelo estado de direito:

As imagens que mostram agressões e humilhações contra os soldados golpistas que se renderam provocaram uma grande polêmica, sobretudo nas redes sociais. Líderes ocidentais apelaram à Turquia para que se respeite o Estado de Direito.

Fontes informaram que 257 funcionários do gabinete do premier foram afastados também por suspeita de envolvimento na tentativa de golpe. No mesmo dia, uma autoridade turca informou que cem funcionários da Inteligência foram suspensos por susposta ligação com o movimento religioso de Gülen — um pregador exilado nos Estados Unidos.

Em uma entrevista ao canal CNN, Erdogan disse que sua vida correu perigo durante a tentativa de golpe, mas os detalhes de seu retorno da cidade de Marmaris (oeste), onde estava de férias, continuam sendo confusos.

“Se tivesse ficado 10 ou 15 minutos a mais no hotel, teriam me matado, sequestrado ou transferido”, disse na segunda-feira à noite à rede de televisão americana.

Até o momento, ao menos 118 generais e almirantes foram detidos em todo o país por suposta participação no golpe, segundo a agência de notícias estatal Anatolia.

Um tribunal de Ancara determinou a prisão preventiva de 26 generais e almirantes do Exército na segunda-feira, acusados, entre outros crimes, de tentativa de derrubar a ordem constitucional, de liderar um golpe armado, de tentativa de assassinato do presidente Erdogan e de formação de um grupo armado.

Um dos generais presos, Akin Ozturk, que segundo parte da imprensa teria sido o cérebro da intentona, nega as acusações.  “Não sou a pessoa que planejou ou liderou o golpe. Não sei quem o fez”, afirmou Ozturk em um texto apresentado ao tribunal. “Com base em minha experiência, acredito que a estrutura paralela (uma referência à rede do pregador Fetulhah Gülen) aplicou a tentativa de golpe de Estado militar”.

O tenente-coronel Erkan Kivrak, assistente militar de Erdogan, também foi detido, segundo a agência. O Estado-Maior afirmou que a grande maioria das Forças Armadas não teve absolutamente nada a ver com a tentativa de golpe.

A respeito de Gülen, Ancara indicou ter enviado informações a Washington por seus supostos vínculos com a tentativa de golpe, anunciou Yildirim. Mas o clérigo, exilado nos Estados Unidos desde 1999, nega qualquer envolvimento na intentona.

“Sempre fui contra a intervenção de militares na política interna”, afirmou na segunda-feira em uma entrevista à AFP nos Estados Unidos. “Em um panorama como este, já não é possível falar de democracia, de Constituição, de uma forma de governo republicano”, acusou o líder opositor, ex-aliado de Erdogan e atualmente seu grande inimigo.

Além disso, o religioso afirmou que o governo pode ter desempenhado um papel na tentativa de golpe. “Há informações da imprensa que indicam que membros do partido no poder estavam a par da tentativa oito, 10 ou 14 horas antes”, disse.

Erdogan é um sujeito maquiavélico, mas com um nível de realismo que seus adversários golpistas não possuíam. As lições da política moderna nos mostram que só existem duas alternativas de se obter o poder: (1) pela via democrática, a partir da guerra política, (2) pela via do totalitarismo dissimulado, a partir da guerra política para corromper a democracia. Outros modelos obsoletos incluem: (3) pela via democrática, sem jogar a guerra política, e aí, no máximo, contando com colapsos absurdos causados pelo oponente, (4) pela via do totalitarismo, a partir de ações do golpismo de estado formal, colocando tanques na rua.

Os adversários de Erdogan utilizaram essa quarta alternativa. Com isso, Erdogan morreu de rir. Sabia que seus adversários, ao escolherem um modelo obsoleto de tomada de poder, estavam no máximo dando mais poder a ele. Com seu retorno ao cargo, e em seguida adotando táticas dissimuladas de tirania moderna, Erdogan poderá utilizar a repressão contra seus opositores.

Muitos podem  até dizer que essa  é “imoral”. Falso. Ela é uma análise amoral, tal como avaliar se vai chover ou não, ou se a febre de alguém aumentou ou não. Não há aspectos morais nisto. Mas é bom lançar uma observação: de fato Erdogan é imoral até a medula, ao utilizar os métodos da tirania moderna. Mas para combatê-lo seria preciso esperteza, e não burrice precipitada, a qual foi impetrada através de ações obsoletas e desalinhadas com qualquer estratégia moderna.

No fim, a política é bela por nos dar lições como esta: o mundo é dos espertos. E os intervencionistas precisam começar a entender que, se não jogarem a guerra política (o que os faria deixar de serem intervencionistas, no mínimo), só servirão como instrumentos nas mãos de seus opositores muito mais espertos. Repetindo o que disse Alvin Toffler: “Se você não tem uma estratégia, você é parte da estratégia de alguém”.

Erdogan agora poderá curtir a vida de tirano moderno (e ele escolheu o modelo 2 de tomada de poder, ou seja, da tirania dissimulada). Ele poderá se esbaldar. Porque ele merece. É triste? Sim. Mas é a realidade.

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quarta-feira, 19 de abril de 2017

ENEM 2017- A Guerra dos Seis Dias.

OS 50 ANOS DA GUERRA DOS SEIS DIAS.

Por Alacir Arruda

No dia  5 de junho de 2017 o mundo relembrará os  50 anos de um dos conflitos mais emblemáticos da historia, a Guerra dos Seis Dias. Com uma ação militar fulminante, Israel conseguiu com a Guerra dos Seis Dias derrotar o Egito, a Síria e a Jordânia, além de ocupar parte dos territórios desses países.

A Guerra dos Seis Dias foi a guerra mais curta que existiu dentre os conflitos árabes-israelenses. Ocorrida em julho de 1967, ela foi uma ação surpresa realizada pelas forças armadas de Israel contra o Egito, a Síria e a Jordânia.

Conhecida também como Terceira Guerra Árabe-Israelense, a Guerra dos Seis Dias estava envolta em uma escalada de violência verificada entre alguns países do Oriente Médio.

A Guerra dos Seis Dias, assim ficou conhecida a guerra que confrontou Israel e os seguintes países árabes: Egito, Jordânia e Síria, com o apoio do Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Sudão e Argélia. A guerra pelo controle do Canal de Suez tinha deixado uma situação onde outra guerra poderia acontecer a qualquer momento.

Israel, que tinha ocupado a península do Sinai (Egito), concordou em retirar suas tropas desde que o Egito deixasse de apoiar as ações da guerrilha que partiam daquela região. Em lugar das tropas de Israel a ONU ficou administrando a península do Sinai.

No entanto o governo egípcio, apoiado pela URSS, continuou ajudando as diferentes facções guerrilheiras que atacavam o estado hebreu. Em maio daquele ano, tanto árabes como israelenses já estavam mobilizando suas tropas. O Egito bloqueou o golfo de Àqaba, rota vital para a navegação de Israel, ato considerado pelo governo israelense como uma agressão.

Infantaria Israelense -deslocamento

As hostilidades começaram no dia 5 de junho com um massivo ataque preventivo por parte de Israel que destruiu a capacidade aérea dos países árabes, em três horas a aviação de Israel destruiu a maior parte do arsenal aéreo do Egito, 319 aviões que nem chegaram a decolar. Isto aconteceu depois do estado israelense ter verificado com seus radares a movimentação de tanques e aviões movendo-se em direção à fronteira entre ambos os países. As perdas israelenses somaram apenas 19 aviões.

Assim, as tropas israelenses avançaram por terra rapidamente, ocuparam a Faixa de Gaza e chegaram ao Sinai. Os israelenses avançaram em direção à Síria, ou seja, romperam as defesas árabes tanto pelo sul como pelo norte e, na Faixa de Gaza, as tropas de Israel fizeram cessar o esforço militar que unia egípcios e palestinos. No mesmo dia a Jordânia entra na guerra. Os aviões jordanianos começaram a bombardear as cidades israelenses, especialmente Jerusalém. A reação hebraica foi imediata e contundente: começaram a tomar posições jordanianas perto de Belém e ao sul de Ramallah e bombardearam Amman e Mafraq.

Quando, no dia 10 de junho, os combates cessaram, Israel controlava a totalidade da península do Sinai, a Faixa de Gaza, Cisjordânia (com a totalidade da cidade de Jerusalém) e as estratégicas colinas de Golã, na Síria. Desta forma, Israel tinha conquistado um território quatro vezes maior que o seu em 1949, e albergava em suas novas fronteiras uma população árabe de 1,5 milhões. 

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segunda-feira, 17 de abril de 2017

ENEM 2017- Foucault e o poder

FOUCAULT E A MICROFÍSICA DO PODER.

Por Alacir Arruda

Michel Foucault foi, sem nenhuma sombra de dúvidas, um dos maiores nomes da filosofia do século XX,  um pesquisador inveterado das instituições e do poder,  e suas obras tem sido muito cobradas nos últimos ENEM. Foucault morreu em 1984  após uma carreira dedicada ao entendimento  das vísceras  do sistema. A abordagem do poder, como o entende Foucault,  tem desencadeado inúmeras confusões entre os estudantes e um certo regozijo por parte de uma casta acadêmica adepta da versão tradicionalista de História. Vou tentar descrever minha interpretação sobre essa problemática, de uma maneira bem esquemática e até simplista, esperando que ela sirva para desfazer preconceitos e gerar discussões.


Michel Foucault -1972 - agencia Reuters

Diferentemente dos anarquistas e dos comunistas clássicos, Foucault não considera que o poder seja uma coisa centralizada que emana de um só lugar (que seria o Estado ou a ideologia da classe dominante representada pelo Estado). O poder é uma relação. Por ser uma relação não possui um controle já dado. Ou seja, tomar o lugar de onde supostamente o poder é emanado ou destituir uma classe dominante das decisões políticas não seria a libertação de todo o resto, mas somente um jogo de força a partir do qual novas configurações de poder aconteceriam.

Embora as classes burguesas gozem de certo domínio numa organização social capitalista, tal domínio se deve mais pela participação ou resignação dos demais nesta teia de relações do que pelo poderio meticuloso da referida classe. Aliás, se pudermos falar em “dominação” é preciso salientar que esta ocorre de uma maneira muito mais sutil do que pela propaganda da democracia representativa nos meios de comunicação institucionalizados e com interesses de “classe”. Outras instituições, menos visíveis que o Estado e diretamente ligadas a ele, como a escola, o hospital, o hospício, a penitenciária, o asilo e, sobretudo, a família, exercem um poder tão “grande” quanto o Estado. 

O maior "problema" é que levamos para o cotidiano através de nossos comportamentos as relações sociais apreendidas em tais instituições. As relações de mando e de obediência, de patriarca e de filho, de diretor e de subordinado, que alimentam essas instituições devem mudar em caso de almejarmos uma transformação da sociedade. Foucault explica que no stalinismo o “poder” do Estado mudou de mãos e as relações produtivas foram alteradas, porém não houve uma mudança substancial na União Soviética porque as instituições sociais citadas (escola, hospício, hospital etc.) continuaram existindo tais quais eram antes da Revolução de 1917.

"O poder não opera em um único lugar, mas em lugares múltiplos: a família, a vida sexual, a maneira como se trata os loucos, a exclusão dos homossexuais, as relações entre os homens e as mulheres...todas essas relações são relações políticas. Só podemos mudar a sociedade sob a condição de mudar essas relações", escreve Foucault (2006, p. 262).

Alguns pensadores modernos (como Habermas e alguns marxistas) denunciaram o Direito (as leis, o estado de direito num regime liberal) como um veículo que possibilita a hegemonia da classe social "detentora" do poder político. O Direito para estes teóricos, mais do que garantir a justiça, assegura a legitimidade das coisas continuarem sempre favoráveis à classe burguesa. Foucault concorda com tais análises, mas não cai em um reducionismo de dizer que o Direito só serve aos interesses da burguesia num Estado capitalista.

Essa rede de poderes tecida pelo Direito possibilita também contestação, resistência e luta dentro do mesmo campo onde aparentemente seria a "casa da opressão de classe". Portanto o Direito funciona sempre como uma disputa por ter criado ferramentas que podem servir tanto a um quanto ao outro que dele se utilizam. O interessante é que Foucault enxerga isso sob extremo pessimismo e desconfiança. Pois para as classes "oprimidas" utilizarem esses mecanismos de poder é preciso que elas os reconheçam como legítimos -- e assim acontece. Para alterar esse quadro não basta remodelar de dentro ou consertar as falhas e as injustiças existentes e internas, mas seria preciso dele se desembaraçar (no caso do Direito).

O poder para Foucault é uma positividade. É uma teia de relações. Não é possível estar fora dele. Porém onde existe poder existe resistência. E a resistência não é uma recusa do poder, é uma disputa de poder para, entre outras coisas, poder fazer de sua vida o que lhe convir. Como esse exercício era para "poder fazer", logo, ele se transforma e expõe micropoderes que já existiam antes, que nos chegaram de alguma maneira através das relações culturais. Outro dia aqui no blog falei sobre a liberdade. Digamos o poder para Foucault se relaciona de modo parecido com a questão da liberdade. Ele só existe sob uma relação de construção. Para alterar as relações de poder é preciso que dela participemos. Não podemos mudá-las de fora como um ser acima do tempo histórico e do espaço. 

Neste sentido o poder não pode ser tratado somente como interdição, como uma “coisa ruim”, como um controle ligado a uma classe ou exercido pelo Estado. O poder também cria. A liberdade é do mesmo jeito, não tem sentido em querer liberdade sem participar de uma relação de certo “aprisionamento”. Chamo este “aprisionamento” a relação que configura a luta por poder e por liberdade. Sendo assim a liberdade para Foucault nunca será uma libertação completa ou uma emancipação absoluta. Simplesmente porque novos poderes e novas relações de mando se criam infinitamente. A liberdade para o filósofo está no exercício ininterrupto da resistência, da revolta e da recusa. A liberdade para Foucault não é um estado, mas uma ética.

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sábado, 15 de abril de 2017

ENEM 2017 - Bauman,o mago do mundo pós-moderno

ZYGMUNT BAUMAN: O MAGO QUE REINVENTOU O CONCEITO DE  PÓS MODERNIDADE.

Por: Alacir Arruda

Em janeiro de 2017 o mundo perdeu um dos seus  maiores intelectuais, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman.  A importância de Bauman vai além de suas aulas ou  aparições na mídia nos últimos anos.  Bauman foi autor de diversos livros que buscam interpretar o momento cultural e a estrutura social que vivemos atualmente. Declaradamente um crítico da pós-modernidade, os livros de Bauman ultrapassam as esperanças com o presente e fazem dele um campo de lutas mais invisíveis. Lutas e coerções que acabam parecendo liberdade, que parecem livre-escolha.

Bauman nasceu na Polônia em 1925 e foi professor na Universidade de Varsóvia. Antes disso, havia fugido do nazismo na Segunda Guerra Mundial, quando se mudou para a URSS. Quando voltou para seu país de origem, o autor foi perseguido pelo antissemitismo local, teve artigos censurados, foi expulso de seu cargo e encontrou um novo lar na Universidade de Leeds, na Inglaterra, onde morou e  comandou o departamento de sociologia da instituição ate sua morte em janeiro último.

A importância de Bauman para o mundo está na interpretação da fluidez dos tempos pós-modernos. Bauman é duro neste aspecto, se declara um sociólogo crítico e recusa o rótulo de “pós-modernista”. Para ele, “pós-modernista” é aquele que reproduz a ideologia do pós-modernismo, que se recusa a qualquer tipo de debate, que relativiza a vida ao máximo e que, dentro dessa superrelativização, não consegue estabelecer críticas e nem formar regras para guiar a sociedade. Pós-modernista é aquele que foi construído dentro de uma condição pós-moderna, ele a reproduz e é constituído por ela. É seu arauto, seu representante inconsciente e é este posto que Bauman rejeitava e negava fielmente.

© Zygmunt Bauman, (Wikicommons).

A posição do autor em suas obras, sempre foi crítica às relações sociais atuais. Se trata de começar com uma categorização nova: modernidade líquida e modernidade sólida. Uma que representa o novo mundo, a pós-modernidade, e o outro que define a modernidade, a sociedade industrial, a sociedade da guerra-fria. Não é difícil de conseguir perceber a relação direta entre a “solidez” das relações da guerra-fria, com dois núcleos de produção dos julgamentos corretos (o capitalista, representado pelos EUA e o comunista, representado pela URSS), com duas opção distintas e antagônicas para serem “escolhidas”, ao contrário do pós-guerra fria, após a queda do Muro de Berlim e com a dissolução de qualquer centro de emissão moral, com a primazia do consumo em detrimento de qualquer ética da parcimônia e etc e etc.

A sociedade líquida é a sociedade das relações fluidas, das relações frágeis, é a sociedade em que a fixidez de uma amizade em que ambas as partes matariam e morreriam pela outra já não existe mais. Não se trata mais de uma sociedade em que os indivíduos sabem o seu destino desde o nascimento, agora estamos imersos em um espaço social onde ~teoricamente~ escolhemos nosso futuro, optamos pelo nosso destino, somos responsáveis pelo nosso fracasso. Não é mais necessário ser asiático para ser um legítimo budista, basta comprar os livros certos e assistir às aulas certas. Ninguém é, e sim está.

A primeiro momento pode-se pensar que a condição pós-moderna é uma condição de liberdade, mas é aí que podemos ver a camisa de força escondida.

O hedonismo pós-moderno, fantasiado de livre-escolha, de “se não gostar do programa, então desligue a televisão”, em que parecemos ser reis de tudo aquilo que chega até nós, é, primeiramente, uma condenação da sociedade. Construímos uma sociedade onde o mal-estar se agravou e se delineou em novas importantes categorias psiquiátricas, como a síndrome do pânico e a depressão.

É nesta sociedade onde as pessoas não conseguem desenvolver ferramentas de socialização eficientes o bastante para uma conversa em um bar. É aqui onde começar uma amizade virtual, até mesmo ter um “amor virtual”, se torna algo fácil e plausível. Nós não nos relacionamos, mas nos conectamos, não pela facilidade da conexão, mas pela facilidade da desconexão. Nos conectamos por que a relação não tem mais a mesma consistência, agora é frágil como uma conexão, e quando não temos qualidade, investimos na quantidade. Aqui o mito da sexualidade libertada é contestada pelo autor. Só há uma nova forma de aprisionamento, uma nova delimitação das relações amorosas, uma nova configuração das maneira de amar.

Sob um ponto de vista macro, Bauman revelou que o capitalismo atual não tem mais um grande banco de trabalhadores reservas, mas tem dispositivos de armazenamento e de exclusão mais eficientes. As prisões, ao contrário daquilo que foi dito por Foucault, não é mais o lugar da disciplina, mas é o da vigilância e exclusão total. O preso é um sujeito vigiado e armazenado, mas não para ser disciplinado, ele não é mais útil e nem pode ser. É uma vida desperdiçada, é um lixo humano.

Mas não são somente nas prisões que nós encontramos aqueles que precisam ser eliminados: eles também estão nas favelas e nas ruas, são os desempregados crônicos, aqueles que foram expulsos da esfera do trabalho por estarem “desatualizados”, ou que não têm mais para onde ir, pois não podem mais seguir o fluxo de imigração para países que exploração de mão de obra estrangeira. São os mendigos, os loucos, os pobres, os drogados, aqueles que fogem do padrão da sexualidade, são todos os que estão fora da construção da ordem, são os que realizam o contrário, que desfazem a ordem, que dão indícios de que ela pode ser quebrada ou de que ela não é absoluta.

Mas há uma nova forma de exclusão, a forma que advém particularmente da globalização: a exclusão do não-consumidor. Aquele que não consome já não é parte do esforço de construção da ordem, já que a ordem tem lugar cativo para os grandes consumidores, para os gastadores compulsivos e para aqueles que querer “exercer sua liberdade” por meio do consumo de serviços e produtos que demonstrem suas escolhas em todas as esferas da vida. Os que não consomem não podem ficar no espaço social.

© Zygmunt Bauman, (Wikicommons).

Um exemplo pode ser visto na própria arquitetura das cidades. Para Bauman, as cidades são projetadas para serem o antro da diversidade, mas, ao mesmo tempo, um dispositivo de exclusão eficiente: os ferros pontiagudos que são colocados em frente aos prédios de grandes corporações são um exemplo de tática de exclusão, evitando que mendigos fiquem nestes lugares.

O não-consumidor é o novo estranho, o ambivalente, aquele que não pode ser localizado em nosso mapa cognitivo, que, na verdade, atrapalha seu funcionamento, que mostra suas condições errantes, sua incapacidade de abarcar o todo. Esses estranhos são absorvidos e “domesticados”, ou completamente eliminados. O novo racismo não é o da caça e da morte do estranho, mas é o da separação e da “culturalização” da essência.

Agora não se trata de uma essência biológica, mas de uma essência cultural. Os novos racistas imputam uma cultura fixa a cada grupo específico e promovem a separação total destas, as hierarquizam de maneira que o branco “tem a cultura superior”. Bauman diz que a tática de absorver e domesticar não é menos autoritária que a prática dos regimes totalitários de morte e exclusão. Para ele, a destruição daquilo que é a identidade do sujeito é um movimento autoritário e forçoso de eliminação do sujeito. Como não se pode mais matar, então é necessário ter ambientes certos para a absorvê-lo e reeducá-lo, como a escola, a igreja, ou as prisões e as favelas. É necessário normatizar o estranho.

Zygmunt Bauman, "Vidas Desperdiçadas".

Zygmunt Bauman, "Modernidade Líquida".

Em nossa época, o medo se espalha como uma malha infinita. Os meios de comunicação tem um papel privilegiado, pois transmitem os objetos do medo de forma mais rápida e brusca que o próprio objeto poderia se transmitir, vide a Al-Qaeda após o 11 de setembro. É na televisão onde os programas telejornalísticos banalizam os medos e, ao mesmo tempo, fazem vibrar o alarme da “violência local” e da “violência global”.

O controle dos medos também é um assunto em pauta. Bauman diz que uma das formas de exercer o poder eficientemente é controlando as incertezas. O grupo que controla as incertezas, que detém o controle da decisão e que, por sua vez, prevê todos os movimento sem ser previsto por nenhum outro grupo, este grupo consegue, também, decidir em quais momentos a sociedade deve ter medo (como nos Estados de Sítio eternos) e quando deve ficar calma e pacífica, como nas tentativas neoliberais de acalmar a tensão entre os miseráveis garantindo que poderão ascender na hierarquia social, desde que trabalhem o bastante para isso. Basicamente, Bauman diz que a sociedade atual não garante a manutenção do sujeito em sua posição social, não garante seu sustento e também não garante sua integridade física. Vivemos em uma sociedade onde ontem estávamos no topo na hierarquia, mas hoje estamos de volta à base; onde ontem tínhamos empregos, mas hoje podemos não ter mais (e é normal não ficarmos no mesmo); e onde as tecnologias de proteção individual e vigilância aumentam em disparada.

A importância de Bauman e de outros intelectuais que renovaram a crítica à contemporaneidade é de poder entender de maneira nova e atualizada a dinâmica da sociedade atual. Bauman trata de temas mais ou menos globais e coletivos, que se expressam também na vida individual. Não se trata só de falar sobre as “relações frágeis”, mas de entender que elas não assim “do nada”, de repente, mas que são fruto de uma época, de um dado momento histórico.

Ninguém está fora desta fragilidade. Não é uma questão de escolha ou de autopoliciamento. Bauman diz isso bem ao fazer a distinção entre segurança e proteção. Para Bauman, segurança é aquilo que constitui o sujeito, a segurança (e a insegurança) são inscritas no sujeito em toda sua socialização. É algo que forma o sujeito. Isso significa que a segurança tem a ver com algo que nós não escolhemos, mas que é a base para nós escolhermos outras coisas. Somos inseguros quando checamos o celular de nossos parceiros para saber se estão nos traindo. Já a proteção tem a ver com aquilo que você compra ou acumula para guardar a integridade física. Proteção são câmaras, coletes à prova de balas, bunkers e etc e etc.

O autor deixa claro que não se resolve problemas globais com soluções locais. Isso também pode ser entendido como um aviso de que não resolve a insegurança individualmente, mas sim, coletivamente e globalmente. A futilidade, o consumismo e a incerteza são constitutivos e devem ser combatidos sabendo que eles fazem parte de nós, não tentando nos afastar deles, em busca de uma salvação individual. 

Para aqueles que tiveram aula comigo devem se lembrar o quanto eu citava Bauman em minhas aulas, na minha modesta opinião, um mago  que, como ninguém, interpretou a pós modernidade

-Leiam Bauman e se embebedam de conhecimento!!!

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