segunda-feira, 17 de abril de 2017

ENEM 2017- Foucault e o poder

FOUCAULT E A MICROFÍSICA DO PODER.

Por Alacir Arruda

Michel Foucault foi, sem nenhuma sombra de dúvidas, um dos maiores nomes da filosofia do século XX,  um pesquisador inveterado das instituições e do poder,  e suas obras tem sido muito cobradas nos últimos ENEM. Foucault morreu em 1984  após uma carreira dedicada ao entendimento  das vísceras  do sistema. A abordagem do poder, como o entende Foucault,  tem desencadeado inúmeras confusões entre os estudantes e um certo regozijo por parte de uma casta acadêmica adepta da versão tradicionalista de História. Vou tentar descrever minha interpretação sobre essa problemática, de uma maneira bem esquemática e até simplista, esperando que ela sirva para desfazer preconceitos e gerar discussões.


Michel Foucault -1972 - agencia Reuters

Diferentemente dos anarquistas e dos comunistas clássicos, Foucault não considera que o poder seja uma coisa centralizada que emana de um só lugar (que seria o Estado ou a ideologia da classe dominante representada pelo Estado). O poder é uma relação. Por ser uma relação não possui um controle já dado. Ou seja, tomar o lugar de onde supostamente o poder é emanado ou destituir uma classe dominante das decisões políticas não seria a libertação de todo o resto, mas somente um jogo de força a partir do qual novas configurações de poder aconteceriam.

Embora as classes burguesas gozem de certo domínio numa organização social capitalista, tal domínio se deve mais pela participação ou resignação dos demais nesta teia de relações do que pelo poderio meticuloso da referida classe. Aliás, se pudermos falar em “dominação” é preciso salientar que esta ocorre de uma maneira muito mais sutil do que pela propaganda da democracia representativa nos meios de comunicação institucionalizados e com interesses de “classe”. Outras instituições, menos visíveis que o Estado e diretamente ligadas a ele, como a escola, o hospital, o hospício, a penitenciária, o asilo e, sobretudo, a família, exercem um poder tão “grande” quanto o Estado. 

O maior "problema" é que levamos para o cotidiano através de nossos comportamentos as relações sociais apreendidas em tais instituições. As relações de mando e de obediência, de patriarca e de filho, de diretor e de subordinado, que alimentam essas instituições devem mudar em caso de almejarmos uma transformação da sociedade. Foucault explica que no stalinismo o “poder” do Estado mudou de mãos e as relações produtivas foram alteradas, porém não houve uma mudança substancial na União Soviética porque as instituições sociais citadas (escola, hospício, hospital etc.) continuaram existindo tais quais eram antes da Revolução de 1917.

"O poder não opera em um único lugar, mas em lugares múltiplos: a família, a vida sexual, a maneira como se trata os loucos, a exclusão dos homossexuais, as relações entre os homens e as mulheres...todas essas relações são relações políticas. Só podemos mudar a sociedade sob a condição de mudar essas relações", escreve Foucault (2006, p. 262).

Alguns pensadores modernos (como Habermas e alguns marxistas) denunciaram o Direito (as leis, o estado de direito num regime liberal) como um veículo que possibilita a hegemonia da classe social "detentora" do poder político. O Direito para estes teóricos, mais do que garantir a justiça, assegura a legitimidade das coisas continuarem sempre favoráveis à classe burguesa. Foucault concorda com tais análises, mas não cai em um reducionismo de dizer que o Direito só serve aos interesses da burguesia num Estado capitalista.

Essa rede de poderes tecida pelo Direito possibilita também contestação, resistência e luta dentro do mesmo campo onde aparentemente seria a "casa da opressão de classe". Portanto o Direito funciona sempre como uma disputa por ter criado ferramentas que podem servir tanto a um quanto ao outro que dele se utilizam. O interessante é que Foucault enxerga isso sob extremo pessimismo e desconfiança. Pois para as classes "oprimidas" utilizarem esses mecanismos de poder é preciso que elas os reconheçam como legítimos -- e assim acontece. Para alterar esse quadro não basta remodelar de dentro ou consertar as falhas e as injustiças existentes e internas, mas seria preciso dele se desembaraçar (no caso do Direito).

O poder para Foucault é uma positividade. É uma teia de relações. Não é possível estar fora dele. Porém onde existe poder existe resistência. E a resistência não é uma recusa do poder, é uma disputa de poder para, entre outras coisas, poder fazer de sua vida o que lhe convir. Como esse exercício era para "poder fazer", logo, ele se transforma e expõe micropoderes que já existiam antes, que nos chegaram de alguma maneira através das relações culturais. Outro dia aqui no blog falei sobre a liberdade. Digamos o poder para Foucault se relaciona de modo parecido com a questão da liberdade. Ele só existe sob uma relação de construção. Para alterar as relações de poder é preciso que dela participemos. Não podemos mudá-las de fora como um ser acima do tempo histórico e do espaço. 

Neste sentido o poder não pode ser tratado somente como interdição, como uma “coisa ruim”, como um controle ligado a uma classe ou exercido pelo Estado. O poder também cria. A liberdade é do mesmo jeito, não tem sentido em querer liberdade sem participar de uma relação de certo “aprisionamento”. Chamo este “aprisionamento” a relação que configura a luta por poder e por liberdade. Sendo assim a liberdade para Foucault nunca será uma libertação completa ou uma emancipação absoluta. Simplesmente porque novos poderes e novas relações de mando se criam infinitamente. A liberdade para o filósofo está no exercício ininterrupto da resistência, da revolta e da recusa. A liberdade para Foucault não é um estado, mas uma ética.

Contato: agaextensao@gmail.com

6 comentários:

  1. É professor...., entender Foucault não e facil. Quando me deu aula você conseguiu fazer eu entender Foucault mas, devo reconhecer que de lá pra cá abandonei as leituras desse autor,porém, esse texto seu me fez voltar a buscar Michel Foucault. Obrigado. Danilo-SP

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    1. Danilo saudades meu camarada, quanto temo hein? Fiquei sabendo que esta na Espanha, San Sebastian, numa multi-nacional,fico feliz por você, és um acara que merece e te considero muito sabe disso. Olha, o Gustavo tá no Canadá, Vancouver, esta bem, quase terminando o doutorado, termina esse ano, mandei vários artigos pra ele. Abraços saudades daquela galera de 2008.

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    2. O mestre ki felicidade de falar com vc, a recíproca e verdadeira, você foi o melhor que tivemos na faculdade estou aqui na Espanha realmente desde 2015 mas estou torcendo por vc depois dessa sacanagem que fizeram contigo, como alguém já disse em outros comentários, não é você quem perdeu e sim a educação brasileira que é uma merda, e quando tem alguém diferenciado, comprometido com a causa educação eles fazem isso,mas tranquilo vc supera. Faço desde já um convite,venha para a Espanha, aqui caras como vc são respeitados e terei prazer em lhe apresentar a linda cidade de San Sebastian norte da Espanha. Quanto ao Gustavo eu falo sempre com ele,fiquei feliz dele terminar esse ano o doutorado,se bem que, 80% ele deve a vc, rs. Saudações bascas do eterno aluno Danilo.

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  2. Que legal ver tanto carinho e admiração por sua pessoa Alacir. Abraços

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  3. Ola professora Naildes, obrigado e obrigado ainda ao meu grande amigo, independente de ser ex aluno, ok Danilo. Você, juntamente com outros 60, fizeram parte de uma das melhores turmas que lecionei nesses 23 anos de sala de aula, Danilo,Gustavo, Waleska etc... galera boa que faziam direito em SP onde trabalhei. Saudades. Quanto a mim Danilo, esquenta não, sei muito bem que eu sou e meus ex alunos falam por mim. Agora, os imbecis que acreditam em midia ou noticias sem fonte, precisam ler: Jean Baudrillard, Escola de Frankfurt ou Guy Debord, em Sociedade do Espetaculo", que dizia: " O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores’’. Danilo, imbecis encontramos em todas as plataformas, inclusive essa.um abraço.

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  4. Interessante seu desabafo. Sociedade do espetáculo. Não tinha pensado nesta expressão. Um abraço

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