A BUSCA PELO SAGRADO: A
RELIGIÃO COMO RESPOSTA À EXISTENCIA
Alacir Arruda, Mestre em Sociologia Aplicada e Dr. Em Sociologia
Política professor do FEF-FATEA-SP.
Alacirarruda@yahoo.com.br
Área Temática: Núcleo de Estudos
do Homem e Pesquisas Sociais
Pós Graduação-FATEA
Resumo
Meus alunos sabem o que penso e como me relaciono
do ponto de vista objetivo com as religiões, por vezes sou ate incompreendido
por alguns. Todavia, resolvi falar da religião sob a ótica da Antropologia Filosófica
(campo de estudos que busca entender os fenômenos religiosos a partir de sua essência
primaria), tentando explicar a imanência e o sentido que a mesma oferece a existência
humana. Toda religião surge a partir de uma experiência fundante. O que desejo
agora é destacar as experiências fundantes de algumas religiões e mostrar o
quanto a sua institucionalização aos poucos a distanciaram de seu fundamento primário.
A religião aqui será entendida não tanto
em seu aspecto objetivo mas subjetivo.
Em seu aspecto objetivo a religião pode ser definida por seus ritos,
doutrinas, livros sagrados, sua estrutura
organizacional, etc. Meu interesse, é pensar a religião enquanto resposta de
sentido, ou seja, enquanto oferece um fundamento último sob o qual se organiza
e orienta uma determinada cultura ou civilização. Por exemplo, sabemos que o
Ocidente foi plasmado moralmente sob a
ègide do cristianismo e que mesmo no mundo secularizado da modernidade sua
presença pode ser ainda constatada através de alguns ritos e símbolos a exemplo
do crucifixo nas repartições públicas, das
cerimônias de bênção de
estabelecimentos comerciais e celebrações religiosas típicas dessa religião nas
cerimônias de formaturas das Universidades. Interessa aqui entender religião
nesse aspecto e não no aspecto de quando ela se apresenta na forma de sua
Institucionalização, no caso do cristianismo, na sua institucionalização
católica ou protestante.
1.
A Religião como Experiência
A
religião enquanto experiência subjetiva de sentido de uma determinada cultura
ou comunidade está diretamente vinculada a uma experiência fundante, àquela
experiência primeira, razão e fundamento
de seu existir. " As religiões são sistemas de símbolos, dependentes de
um fundador que teve uma experiência religiosa original"(Rampazzo,
1996:68) Para o cristianismo, essa experiência fundante foi a experiência dos
Apóstolos, do Cristo Ressuscitado, transmitida a nós. Para os Mulçumanos, foi a
experiência de seu Profeta Mohamed transmitida a sua posteridade. Para os
Judeus, foi a experiência dos Patriarcas e Profetas para com Javé. Esses três
exemplos, assinalam a experiência fundante como Revelação, ou seja, é o Próprio
Deus que se manifesta aos homens. Todavia, a maior parte das religiões não se
efetivou dessa forma. A maioria das religiões, classificadas como religiões naturais,
encontram sua experiência fundante no encontro com o Sagrado enquanto este se
apresenta como uma "explicação de sentido”, isto é, enquanto consegue
configurar um horizonte de referência que possibilite ao homem agir segundo esse horizonte, portanto, num
universo que lhe faça sentido. Desse modo, a cultura humana é marcada desde o
início pelo senso do religioso e difícil é delimitar a sua gênese da gênese
religiosa. O que se deseja afirmar aqui, é que a cosmovisão, a maneira como uma
determinada cultura compreende o mundo e orienta o agir humano nesse mundo
compreendido, implica diretamente a experiência fundante, ou experiência
primordial de Sagrado dessa cultura. Desse modo, podemos compreender, por um
lado, as culturas antigas como profundamente “religiosas”, com suas cosmovisões
bem definidas, ou seja, plenas de sentido; por outro lado, a crise de sentido
no Ocidente, quando, na modernidade o
Sagrado é banido do horizonte de referência cultural, substituído pelo campo de
referência técnico-científico inaugurado com o advento das ciências modernas.
Enquanto nas religiões reveladas, a
experiência fundante é transposta para a
linguagem escrita, originando os Livros
Sagrados ou Proféticos dessas religiões, as religiões naturais perpetuam
sua experiência na linguagem oral sob a forma da narração mítica. No primeiro
caso, o Livro Sagrado, lido e interpretado ritualmente, fundamenta e organiza a
religião no seu aspecto objetivo e
torna-se problemático, no caso do cristianismo, quando perde o monopólio de
legitimidade de sua interpretação heurística e passa a ser legitimamente
interpretado por quantos se lhe
aproximem de seu conteúdo sem nenhum outro rigor a não ser sua devoção pessoal.
Ao instaurar-se no campo de uma “hermenêutica privada”, o Livro Sagrado perde
sua força de coalizão de sentido cultural e torna-se objeto de manipulação
partidária ou sectária e o cristianismo entra em crise ou, ao menos, parte de sua crise pode
ser assim explicada. No segundo caso, o mito permanece como o fundamento último de sentido que justifica aos adeptos da
religião sua conduta no horizonte por ele plasmado, todavia, na modernidade,
esse tipo de conhecimento ou adesão passa a ser configurado como um jeito
"ultrapassado" e "primitivo", próprio mesmo dos
"ignorantes". Por este motivo
constata Antoniazzi, com certa perplexidade, o reaparecimento do sagrado na
modernidade em formas "primitivas" e selvagens (Antoniazzi, 1998:12).
Essas religiões, desse modo, passam a ser vislumbradas, na perspectiva desse
“olhar moderno” com uma exigência inerente de aperfeiçoamento o que vem a
significar na prática a sua eliminação. Em outras palavras, tomar o mito como
referência ou fundamento, é no mínimo uma irrazoabilidade inadimissível para os
tempos modernos. Desse modo, podemos compreender a afirmação de Cleto Caliman
quando ele afirma que “(...) pode-se
dizer que a nova busca religiosa se delimita não mais pelo sagrado, pelo divino
ou pelo mistério 'objetivamente captado' como norma para o existir histórico
das pessoas e da sociedade, mas pelo 'humano' ” (Caliman, 1998:8).
Na verdade, o modo como se busca a
religião atualmente está intimamente relacionado ao modo como o homem moderno
compreende a si mesmo. O homem moderno compreende a si e ao mundo a partir de
sua subjetividade. Desse modo, a legitimidade de sua profissão de fé não se
vincula mais a Tradição e sim à experiência de sua vivência religiosa
individual. Ora, a Tradição é o modo historicamente consolidado de transmissão
da experiência fundante de uma determinada crença religiosa e está diretamente
relacionada à comunidade religiosa, a comunidade dos adeptos dessa religião. A
religião "traduz uma realidade objetiva, uma tradição acumulada e
vivida por uma comunidade" (Libânio, 2002:90). Foi no caminho
vivencial-espiritual dessa comunidade que foram plasmados os ritos, a doutrina,
ou seja, a instância legitimadora de interpretação do Sagrado e da experiência
fundante. Quando essa legitimação é transposta para o plano individual, a
Tradição e, por conseguinte, a
comunidade objetivamente instituída na
forma da religião, entra em crise. Desse modo, podemos explicar e entender, tanto o aparecimento de
novas expressões religiosas, sincretizando símbolos religiosos e elementos
culturais os mais diversos; quanto o esfacelamento da Tradição cristã em
inúmeras igrejas, cada uma reivindicando para si a guarda legítima da
interpretação e vivência da experiência fundante, dessa Tradição. Nesse
contexto, o fundamentalismo apresenta-se como conseqüência quase natural, no
momento em que cada expressão religiosa se enclaustra em seu universo
subjetivo. Todavia, um outro processo urge e precisa ser gestado, como condição
indispensável para a construção da paz mundial (Küng, 1988), vem a ser, o
processo de reconhecimento mútuo dessas "legitimidades" religiosas,
através da tolerância e do respeito.
Fontes
de consulta
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Vozes.
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