O
MORAL SOB A ANALISE DE NIETZSCHE
Por
Alacir Arruda
Um
dos maiores estudiosos da Moral, sem duvida nenhuma, foi o Filosofo alemão Friedrich
Nietzsche, para ele: Quando consultamos um dicionário qualquer de vernáculos em
busca do significado de bom e de mau, encontramos as seguintes definições:
Bom.
(do lat. bonu) adj. 1. Que tem todas as qualidades adequadas à sua natureza e
função. 2. Benévolo, bondoso, benigno. 3 Misericordioso, caritativo. 4. Rraigoroso
no cumprimento de suas obrigações (Aurélio).
Mau.
(do lat. malu.) adj. 1. Que causa mal, prejuízo ou moléstia. 2. Malfeito;
imperfeito, irregular. 3. De má qualidade; inferior. 4. Nefasto, funesto. 5.
malvado (1): pessoa má. 6. Fam. Traquina(s), travesso (Aurélio).
Na
verdade, antes mesmo de consultarmos um dicionário, “já sabemos” de antemão o
significado de bom e de mau. Quando nascemos, ingressamos num mundo já
constituído e somos educados, desde a mais tenra idade, na forma como devemos
nos comportar, falar, agir e pensar, sobre o que é certo e o que é errado. Se
agirmos em conformidade com a moral vigente seremos considerados bons,
bondosos, benignos, e, se agirmos ao contrário, seremos considerados maus,
malvados, causadores de temores etc.
O
pensamento de Nietzsche vem para abalar as nossas certezas em relação aos
significados desses valores. Para esse filósofo, é necessário rever como tais
valores foram estabelecidos, para descobrir qual o seu verdadeiro valor.
A
investigação nietzschiana sobre a moral segue um caminho diferente de Kant. Em
sua obra Para genealogia da Moral, Friedrich Wilhelm Nietzsche se propôs a
investigar qual é a genealogia dos valores bom e mau, isto é, qual é a origem
desses valores e qual é o valor que eles têm. Conforme interroga no prefácio da
referida obra, “(...) sob que condições inventou-se o homem aqueles juízos de
valor, bom e mau? E que valor têm eles mesmos?” (1983, p.298).
Para
Nietzsche, é necessário examinar como os valores foram fundamentados, para
descobrir qual é o seu verdadeiro valor, qual é o seu valor de origem.
Segundo
o filósofo, os historiadores da moral explicam em sua genealogia que a origem
do conceito “bom” está relacionada às ações não egoístas, consideradas boas
para aqueles a quem eram úteis. Depois, pelo costume do uso, de tanto serem
consideradas boas, passaram por esquecer a origem dessa atribuição, e as ações
altruísticas foram tomadas como boas em si mesmas. Para Nietzsche, a esses
historiadores da moral falta o espírito histórico, pois eles tiram esse
conceito de onde não existe.
Nietzsche
expõe que o juízo “bom” foi cunhado pelos próprios “bons” que se intitularam
como tal. Não tem origem no bondoso, no benigno, mas sim nos nobres e poderosos
que são capazes de criar valores e selar cada coisa com um nome.
[...]
o juízo “bom” não provém daqueles a quem foi demonstrada “bondade”! Foram antes
“os bons”, eles próprios, isto é, os nobres, poderosos, mais altamente situados
e de altos sentimentos, que sentiram e puseram a si mesmos e ao seu próprio
fazer como bons, ou seja, de primeira ordem, por oposição a tudo o que é
inferior, de sentimentos inferiores, comum e plebeu (1983, p.299).
Os
“superiores” ou os “bons”, devido ao distanciamento que encontravam dos
“inferiores”, tomaram para si o direito de criar valores, sem se preocupar com
a utilidade dos mesmos.
Nietzsche,
então, busca pelo sentido etimológico da palavra “bom” nas diversas línguas.
Encontra a ideia de “distinção”, sendo que “nobreza” é a ideia-mãe da qual se
origina a ideia a respeito de “bom”. E a noção de “vulgar”, “plebeu”, “baixo”,
transforma-se na ideia de “mau”. Destaca que nas raízes da palavra “bom” está a
matriz de homens superiores e que, em contraposição, “mau” designa o que é
simples, comum, ruim, baixo.
A
moral de senhores é a moral dos nobres, dos fortes e dos poderosos; já a moral
de escravos é a moral dos fracos, a moral de rebanho, dos ressentidos. “Dessa
perspectiva, bom é quem extravasa a própria força e ruim quem é rancoroso; bom
é quem não hesita de pôr-se à prova, de enfrentar o perigo, querer a luta, e
ruim quem não é digno de participar dela” (Marton, 1993, p.52). Mas acontece
que “‘Os senhores’ foram abolidos; a moral do homem comum venceu” (Nietzsche,
1983, p.300). Para Nietzsche, este fato tem como base o judaísmo e o cristianismo,
que inverteram os verdadeiros valores e criaram uma rebelião dos “escravos da
moral”.
O levante dos escravos da
moral começa quando o ressentimento mesmo se torna criador e pare valores: o
ressentimento de seres tais, aos quais está vedada a reação propriamente dita,
o ato, e que somente por uma vingança imaginária ficam quites (Nietzsche, 1983, p.301).
A
moral dos nobres tem na sua origem uma autoafirmação, um dizer sim a si mesmo.
Suas forças são ativas, são dominantes e superiores. Segundo Gilles Deleuze, em
sua obra Nietzsche e a filosofia, “apropriar-se, apoderar-se, subjugar, dominar
são as características da força ativa” (p.66). Já a moral dos fracos e dos
ressentidos se origina de uma negação.
Como eles não podem se igualar e
combater os mais fortes, ou seja, os nobres, designam-nos “maus” e, por
contraposição, autodesignam-se “bons”. Veem na força e na potência dos senhores
um mau, um perigo a ser combatido. O ressentido caracteriza-se pela não ação,
por um estado em que as forças reativas predominam sobre as forças ativas. É
aquele que não esquece e também não exterioriza a sua ação. Impossibilitado de
vencer os fortes, inverte então os valores.
Incapaz de admirar o forte,
o ressentido imputa-lhe justamente o erro de ser forte. Reúne fatos e
testemunhas para montar sua peça de acusação, cujo objetivo último é o de
introduzir no âmago do forte o vírus corrosivo da culpa (Marton, 1993, p.55).
No
entanto, quando surge o ressentimento no homem nobre, este não o “envenena”,
visto que o homem nobre age de imediato, exteriorizando sua vontade numa ação,
sem dissimular e se esconder como o fraco, e, assim sendo, tem na ação o
próprio “antídoto” contra o ressentimento.
A
vontade de poder dos senhores, como uma força afirmativa, manifesta-se como uma
vontade de dominar que lhes é característica. Já os fracos, incapazes de vencer
os senhores, reprimem sua vontade de potência e com isso expandem sua
interiorização, desenvolvendo assim uma “alma”. Os fortes fazem parte de uma
aristocracia natural, daqueles que efetivam sua vontade de potência. Por isso,
como se veem num mesmo patamar, fazem um acordo, um contrato para não se
destruírem mutuamente. Nessas regras, os aristocratas são “adestrados” em menor
grau, já que as mesmas são frutos de seus engenhos. Mas os ressentidos querem
um acordo igual para todos, querem as mesmas regras tanto para os fortes quanto
para os fracos, querem uma democracia. Daí as críticas de Nietzsche à
democracia e ao cristianismo.