quinta-feira, 15 de junho de 2017

Professora,eu falo errado?

A SOCIOLINGUÍSTICA E A IMPORTÂNCIA DO REGIONALISMO.


Por Naildes Medeiros:  Discente especial do Programa de Mestrado em Estudos Linguísticos UNEMAT- Sinop-MT profnaildesfernandes27@gmail.com

Profª você acha que falo ‘errado’?

Essa foi a pergunta angustiante que uma operadora de caixa de farmácia me fez quando disse a ela que pretendia fazer uma pesquisa sobre preconceito linguístico. Então, resolvi colocá-la como título do presente texto. A jovem em questão, me fez esta pergunta com muita tristeza nos olhos, pois segundo ela é muito criticada no seu ambiente de trabalho a respeito do seu dialeto, sendo muitas vezes ofensivo ou taxado de engraçado.

Diante de episódios como esse, vemos que exclusão linguística é muito reafirmada por suportes de comunicação social de massa, pois apresentam forte papel normatizador, como a televisão, o rádio e as revistas, pois têm a intenção de ensinar o que é certo e o que é errado, assim como as gramáticas e os livros didáticos (BAGNO, 1999, p. 13), deixando à margem o falante ativo da língua, que absorve em seu inconsciente que seu modo de falar é errado. Esses meios não levam em consideração que “todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. Saber uma língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela”. (BAGNO, 1999, p. 35). 

Outro fator também excludente, da questão linguística, refere-se muito ao aspecto sócio financeiro, onde quem possui um maior poder aquisitivo tem a sua cultura mais valorizada, não apenas no fator linguístico, isso também acontece no modo de vestir, andar, agir, na postura que esses indivíduos assumem perante a sociedade. Por isso que Bortoni-Ricardo (2005, p.15) afirma: “o caminho para uma democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a língua é o mais importante”.

Há muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não-padrão consideradas inferiores ou erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, são objeto de avaliação negativa.

Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma ‘correta’ de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala ‘correta’ é a que se aproxima da língua escrita, o de que brasileiro fala mal português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. (PCN, apud, BAGNO, 1999, p.75)

Por isso a Sociolinguística ou Teoria da Variação surge a partir da constatação da importância da fala, e sua preocupação é observar o fenômeno linguístico em sua abrangência dialetal e variacional, observa como a língua funciona em um contexto de fala, e quais os fatores que influenciam para que as mudanças linguísticas ocorram.

Os estudos sociolinguísticos emergem a partir de 1964 com a realização de um congresso na Universidade da Califórnia, no estado de Los Angeles, Estados Unidos. Esse congresso foi organizado por William Bright, e contou com a participação de importantes figuras nos estudos da Sociolinguística mundial: William Labov, Dell Hymes e John Gumperz (SOUSA, 2005, p.153). Desse congresso resultou a coletânea Sociolinguistic (Sociolinguística). Nesta obra, os linguistas procuram estudar a diversidade linguística na estrutura social. Eles privilegiam a fala que é estudada através de “orientações contextuais”, ou seja, “os lexemas estão inseridos em um contexto a partir do qual se conhece o sentido dos termos e sua aplicação no dia a dia daquela sociedade” (ALKMIM, 2001, p.24).

. Esse estudo leva em consideração a língua como algo social, pertencente a todos os indivíduos de uma comunidade. A Sociolinguística concebe a língua como uma estrutura viva, que se diversifica dependendo da região onde é empregada, ou seja, ela possui um caráter heterogêneo. A respeito deste tema Bortoni-Ricardo (2005, p.20) afirma: “A Sociolinguística se ocupa principalmente das diversidades nos repertórios linguísticos das diferentes comunidades conferindo às funções sociais que a linguagem desempenha a mesma relevância até então se atribuía tão-somente aos aspectos formais da língua”.

.A língua é um patrimônio histórico-cultural, por isso varia no tempo e no espaço. Mesmo sendo única em um país, como o Brasil, tem suas variações dependendo do local e do objetivo do falante no momento da fala.

Classificação das variedades linguísticas:

Segundo Bagno (2007 p. 48), as variedades linguísticas estão classificadas em: dialeto, socioleto, cronoleto e idioleto. 

· Dialeto – esse termo designa o modo que caracteriza o uso da língua falada em um lugar determinado, envolve variedades de pronúncia, gramática e vocabulário;

· Socioleto – se refere à variedade característica de um grupo que compartilha de um mesmo universo sociocultural, sejam relações de trabalho, nível cultural, posição econômica, etc.;

· Cronoleto – diz respeito a variedade utilizada por falantes de uma idade, ou melhor, de uma geração;

· Idioleto – designa a individualidade na fala de um indivíduo, seu repertório vocabular, seu modo de pronunciar as palavras, de elaborar as sentenças, etc.

Para melhor entendermos a questão das variedades linguísticas não se pode deixar de mencionar uma frase de Bagno (2007, p. 48) “todas as variedades linguísticas se equivalem, todas têm sua lógica de funcionamento, todas obedecem a regras gramaticais que podem ser descritas e explicadas”, então, não podemos afirmar que existe falar melhor, mais bonito, todos são o Português agindo no inconsciente dos falantes. 

-Vertentes da Sociolinguística: Interacional e Variacionista

A Sociolinguística Interacional procura estudar “o uso da língua na interação social face a face” (SOUSA, 2005, p. 157), busca analisar o modo de agir do falante no momento da interação, e isto depende de vários fatores, como: com quem se fala, sobre o que se fala, o local da conversa e a circunstância do momento da fala.

A Sociolinguística Variacionista foi introduzida em nosso meio por William Labov (1927), que designa de Variacionista a vertente que busca analisar os fatores linguísticos em um contexto social, ou seja, leva em consideração fatores como a idade, o sexo, o nível social, a origem étnica, etc. Ele afirma que essas características do locutor (falante) e do interlocutor (ouvinte) podem influenciar no modo como o indivíduo usará seu repertório ao se comunicar. 

A variação linguística analisa a língua como um objeto histórico-cultural, que varia no tempo e no espaço. Assim, em um país como o Brasil, mesmo sendo única, a língua não é usada da mesma forma por todos os falantes, há diferenças fonológicas, morfossintáticas e semânticas nas diversas regiões, e isso ocorre como já foi citado, em função da extensão territorial do país que não permite um contato profundo entre as regiões que estão nos extremos e da “trágica injustiça social”, que desmerece o falar do menos favorecido financeiramente (BAGNO, 1999, p. 16). 

REFERÊNCIAS 

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 6.ed. São Paulo: Contexto, 2000.
______. Preconceito linguístico: O que é, como se faz. 15.ed. São Paulo: Loyola, 2002.

______. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

BAGNO, Marcos (Org.). Linguística da norma. 2. ed. São Paulo, Edições Loyola: 2004.

BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gilles; STUBSS, Michael. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.

BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.

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Um comentário:

  1. Cara professora Naildes, gostaria de parabenizá-la pelos textos que muito enriquecem esse modesto Blog. Sempre digo que "escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial". Então querida, eu louvo que você continue sentindo o verdadeiro prazer. Abraços

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