terça-feira, 15 de julho de 2014

crime, esse sim organizado

No Brasil Organizado só o Crime...

Por Alacir Arruda

É assustador as últimas notícias de mortes de policiais e de  civis  no estado de São Paulo, neste último trimestre de 2014. A  violência é atribuída a facção criminosa (autodenominada Primeiro Comando da Capital - PCC) que atua na cidade, a qual articula suas ações de dentro dos presídios, a reação é vingança contra operações da polícia para combater o crime organizado. Isso nos lembra de que, em 2006, a cidade de São Paulo se viu diante de uma situação inusitada por cerca de três dias: a mesma facção criminosa conseguiu fazer a cidade parar, com uma série de atentados a policiais, a ônibus e a instituições bancárias, que geraram pânico na população e mudaram a rotina da metrópole.

Episódios semelhantes ocorrem em alguns bairros do Rio de Janeiro. No Ceará igualmente aumentam os casos de violência. Antes de analisar os fatos em si, é mais interessante procurar o fenômeno histórico e sociológico que está por trás dele: o surgimento do crime organizado no Brasil. Isso ocorreu ao longo da década de 1970 e vários fatores concorreram para que as quadrilhas se transformassem em verdadeiras corporações empresariais. Na década de 60, começou a acentuar-se significativamente a urbanização do país, devido ao êxodo rural. No ano de 1970, 56% da população brasileira vivia em cidades.

Dez anos depois, já eram 68%. Atualmente, passam dos 80%. A população do campo migrou para as grandes cidades - Rio e São Paulo num primeiro momento-, em busca de melhores condições de vida. Tratava-se de gente pobre, com pouco estudo e sem especialização profissional. Parte desse imenso contingente humano, ao longo dos anos 70, conseguiu seu lugar ao sol.

A crise do petróleo no final da década e a estagnação econômica dos anos 1980 impediram que outra parte também se desse bem na vida, excluindo-os dos pequenos e flutuantes avanços da economia brasileira desde então. Resultado: com a continuidade do êxodo rural somado à diminuição da renda, ao desemprego e às poucas oportunidades de trabalho, favelas e as regiões periféricas não só cresceram, como também se tornaram um território propício ao desenvolvimento do crime. Por que propício? Porque se trata de um território menosprezado pelos governantes e onde o Estado não se fazia presente, prestando os serviços que prestar, como a segurança, para dar o exemplo mais óbvio. Na verdade, durante os 21 anos do regime militar (1964-1985) e os 21 subsequentes de democracia, inexistiram políticas públicas sistemáticas voltadas para o setor de segurança.

Os militares voltaram o aparato policial para os opositores do regime. Estes, por sua vez, ao chegarem ao poder, simplesmente ignoraram a questão. Durante os governos militares, criminosos comuns entraram em contato com membros das organizações guerrilheiras de esquerda que combatiam a ditadura. No convívio comum, os criminosos comuns absorveram as táticas e estruturas organizacionais das esquerdas. Não por acaso, a primeira facção criminosa do Rio de Janeiro se autodenominou "Comando Vermelho", numa alusão à cor das bandeiras das organizações e partidos de esquerda. Obviamente que isso não explica o fenômeno como um todo. Não basta ter aprendido os rudimentos de organização na cadeia.

A organização, aliás, não parte necessariamente do contato com esquerdistas. Muitos presos se organizaram a partir da explosão populacional nas cadeias e das condições de vida precária que nelas vigorava. Organizar-se era uma forma de se proteger, evitando assassinatos e estupros por outros presos. Era também uma maneira de tentar dialogar com as autoridades e reivindicar melhores condições de vida na prisão. Mas o elemento que parece ter sido decisivo para a organização do crime no Brasil foi o tipo de negócio com que ele se envolveu, um tipo de negócio altamente lucrativo: o tráfico de drogas. Maconha e cocaína alavancaram o crime organizado por aqui, assim como ocorreu com o álcool clandestino em Chicago, durante a lei seca (1920). Lucrativo devido à expansão do consumo (sobretudo entre as classes médias e mesmo elites), o tráfico de drogas exige uma estrutura complexa para ser levado a bom termo.

Ele implica o plantio e a colheita da maconha e da coca, inclui o tratamento das plantas em estado bruto (no caso da cocaína, o refino é feito a partir de outras substâncias químicas), abrange a estocagem, o transporte e a distribuição - no atacado e no varejo. Como o negócio não é regulamentado por leis, muito pelo contrário, a garantia de segurança para todas as etapas do processo são as armas.

Assim, a violência se torna parte integrante do negócio. Dessa forma, o tráfico de armas passou a se desenvolver paralelamente ao de drogas, num círculo vicioso em que uma forma de tráfico alimenta a outra e a violência se multiplica e potencializa. Além disso, gera ainda a necessidade de as atividades criminais se diversificarem, entrando pelo campo do roubo de veículos e de cargas, por exemplo. Sem falar que os chefões dos negócios se veem forçados a lavar o dinheiro que ganham, isto é, dar um jeito para justificar legalmente a sua origem. Some-se a isso o aumento da população pobre e da exclusão social como causas da criminalidade. A possibilidade de melhorar de vida rapidamente e de escapar da exploração do mundo do trabalho pelo patronato levam muita gente a adentrar na vida criminosa. Obviamente que a questão social, por si apenas, não explica tudo. Talvez se possa falar de vários outros fatores, mas dois são certamente unânimes entre os estudiosos da questão.

Em primeiro lugar, vem a certeza da impunidade. Os grandes criminosos, em sua maioria, sabem que podem dispor de recursos para contratar advogados que, por sua vez, encontrarão as mais diversas brechas numa legislação muito longe de ser a ideal para lidar com o crime organizado. Pior, o crime organizado atualmente começa a corromper o próprio judiciário, como demonstra o envolvimento recente de vários juízes em ações delituosas. Em segundo lugar, está a degradação dos valores morais, da expansão do individualismo neoliberal, em que a ideia de vencer na vida a qualquer preço tornou-se uma espécie de missão única da cada pessoa. Tem-se um vale-tudo social, onde as práticas mais absurdas são toleradas em nome da ascensão e do ter.

Um comentário:

  1. Muito elucidativo o texto Professor! Somando a isso temos a inoperância da classe politica ( legislativo especificamente ) em buscar soluções para essa situação, sugerindo uma conivência com esses fatos, como se muitos dos nossos representante fossem "associados" dessas Organizações.

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