No Brasil Organizado só o Crime...
Por Alacir Arruda
É assustador as últimas notícias de mortes de policiais e de civis no estado de São Paulo, neste último trimestre de
2014. A violência é atribuída a facção
criminosa (autodenominada Primeiro Comando da Capital - PCC) que atua na
cidade, a qual articula suas ações de dentro dos presídios, a reação é vingança
contra operações da polícia para combater o crime organizado. Isso nos lembra
de que, em 2006, a cidade de São Paulo se viu diante de uma situação inusitada
por cerca de três dias: a mesma facção criminosa conseguiu fazer a cidade
parar, com uma série de atentados a policiais, a ônibus e a instituições
bancárias, que geraram pânico na população e mudaram a rotina da metrópole.
Episódios semelhantes ocorrem em alguns bairros do Rio de Janeiro. No Ceará
igualmente aumentam os casos de violência. Antes de analisar os fatos em si, é
mais interessante procurar o fenômeno histórico e sociológico que está por trás
dele: o surgimento do crime organizado no Brasil. Isso ocorreu ao longo da
década de 1970 e vários fatores concorreram para que as quadrilhas se
transformassem em verdadeiras corporações empresariais. Na década de 60,
começou a acentuar-se significativamente a urbanização do país, devido ao êxodo
rural. No ano de 1970, 56% da população brasileira vivia em cidades.
Dez anos depois, já eram 68%. Atualmente, passam dos 80%. A população do campo
migrou para as grandes cidades - Rio e São Paulo num primeiro momento-, em
busca de melhores condições de vida. Tratava-se de gente pobre, com pouco
estudo e sem especialização profissional. Parte desse imenso contingente
humano, ao longo dos anos 70, conseguiu seu lugar ao sol.
A crise do petróleo no final da década e a estagnação econômica dos anos 1980
impediram que outra parte também se desse bem na vida, excluindo-os dos
pequenos e flutuantes avanços da economia brasileira desde então. Resultado:
com a continuidade do êxodo rural somado à diminuição da renda, ao desemprego e
às poucas oportunidades de trabalho, favelas e as regiões periféricas não só
cresceram, como também se tornaram um território propício ao desenvolvimento do
crime. Por que propício? Porque se trata de um território menosprezado pelos
governantes e onde o Estado não se fazia presente, prestando os serviços que
prestar, como a segurança, para dar o exemplo mais óbvio. Na verdade, durante
os 21 anos do regime militar (1964-1985) e os 21 subsequentes de democracia,
inexistiram políticas públicas sistemáticas voltadas para o setor de segurança.
Os militares voltaram o aparato policial para os opositores do regime. Estes,
por sua vez, ao chegarem ao poder, simplesmente ignoraram a questão. Durante os
governos militares, criminosos comuns entraram em contato com membros das
organizações guerrilheiras de esquerda que combatiam a ditadura. No convívio
comum, os criminosos comuns absorveram as táticas e estruturas organizacionais
das esquerdas. Não por acaso, a primeira facção criminosa do Rio de Janeiro se
autodenominou "Comando Vermelho", numa alusão à cor das bandeiras das
organizações e partidos de esquerda. Obviamente que isso não explica o fenômeno
como um todo. Não basta ter aprendido os rudimentos de organização na cadeia.
A organização, aliás, não parte necessariamente do contato com esquerdistas.
Muitos presos se organizaram a partir da explosão populacional nas cadeias e
das condições de vida precária que nelas vigorava. Organizar-se era uma forma
de se proteger, evitando assassinatos e estupros por outros presos. Era também
uma maneira de tentar dialogar com as autoridades e reivindicar melhores
condições de vida na prisão. Mas o elemento que parece ter sido decisivo para a
organização do crime no Brasil foi o tipo de negócio com que ele se envolveu,
um tipo de negócio altamente lucrativo: o tráfico de drogas. Maconha e cocaína
alavancaram o crime organizado por aqui, assim como ocorreu com o álcool
clandestino em Chicago, durante a lei seca (1920). Lucrativo devido à expansão
do consumo (sobretudo entre as classes médias e mesmo elites), o tráfico de
drogas exige uma estrutura complexa para ser levado a bom termo.
Ele implica o plantio e a colheita da maconha e da coca, inclui o tratamento
das plantas em estado bruto (no caso da cocaína, o refino é feito a partir de
outras substâncias químicas), abrange a estocagem, o transporte e a
distribuição - no atacado e no varejo. Como o negócio não é regulamentado por
leis, muito pelo contrário, a garantia de segurança para todas as etapas do
processo são as armas.
Assim, a violência se torna parte integrante do negócio. Dessa forma, o tráfico
de armas passou a se desenvolver paralelamente ao de drogas, num círculo
vicioso em que uma forma de tráfico alimenta a outra e a violência se
multiplica e potencializa. Além disso, gera ainda a necessidade de as
atividades criminais se diversificarem, entrando pelo campo do roubo de
veículos e de cargas, por exemplo. Sem falar que os chefões dos negócios se
veem forçados a lavar o dinheiro que ganham, isto é, dar um jeito para
justificar legalmente a sua origem. Some-se a isso o aumento da população pobre
e da exclusão social como causas da criminalidade. A possibilidade de melhorar
de vida rapidamente e de escapar da exploração do mundo do trabalho pelo
patronato levam muita gente a adentrar na vida criminosa. Obviamente que a
questão social, por si apenas, não explica tudo. Talvez se possa falar de
vários outros fatores, mas dois são certamente unânimes entre os estudiosos da
questão.
Em primeiro lugar, vem a certeza da impunidade. Os grandes criminosos, em sua
maioria, sabem que podem dispor de recursos para contratar advogados que, por
sua vez, encontrarão as mais diversas brechas numa legislação muito longe de
ser a ideal para lidar com o crime organizado. Pior, o crime organizado
atualmente começa a corromper o próprio judiciário, como demonstra o
envolvimento recente de vários juízes em ações delituosas. Em segundo lugar,
está a degradação dos valores morais, da expansão do individualismo neoliberal,
em que a ideia de vencer na vida a qualquer preço tornou-se uma espécie de
missão única da cada pessoa. Tem-se um vale-tudo social, onde as práticas mais
absurdas são toleradas em nome da ascensão e do ter.
Muito elucidativo o texto Professor! Somando a isso temos a inoperância da classe politica ( legislativo especificamente ) em buscar soluções para essa situação, sugerindo uma conivência com esses fatos, como se muitos dos nossos representante fossem "associados" dessas Organizações.
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