segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A mordaça na educação

A EDUCAÇÃO E SUA MORDAÇA..

Por Alacir Arruda

Durante 24 anos estive dentro de uma sala de aula, tive a honra de ministrar aulas para alunos desde a 5 serie a programas de mestrado e doutorado, passando ainda  pelo ensino médio e universidades. Durante esse período nunca escondi para meus alunos,  minhas convicções ideológicas, sem com isso doutriná-los. Venho de uma formação marxista  e durante minha adolescência, e grande parte da juventude, militei em movimentos comunistas,  como a Ala Jovem do PCdoB  no final dos anos  80 e principio dos 90. Eu era um menino, um jovem com ideais libertários e, como muitos daquele período,  acreditava que o comunismo seria a solução para esse mundo.  Assisti ao vivo a queda do Muro  de Berlim em 1989,  o fim da URSS em 1992 e os conflitos nos Bálcãs. Mesmo carregando convicções de esquerda isso não me impediu de dar aulas em varias instituições confessionais  católicas  e protestantes  em SP e RJ, até no famoso seminário Santo Afonso em Aparecida-SP trabalhei ministrando filosofia na formação de sacerdotes. Apesar de um rebelde confesso,  nunca admiti que  secretarias de educação, diretoras de ensino,  diretores ou coordenadores de escola  interferissem em minhas estrategias pedagógicas.

Mas recentemente tenho observado, com muita preocupação, as interferências do Sistema em estratégias usadas por alguns docentes. A repercussão de um  vídeo (https://goo.gl/JhAv21) em que alunos de uma escola estadual de Curitiba aparecem parodiando a música “Baile de Favela” em uma aula de sociologia  com conceitos marxistas como “ideologia”, “luta de classes” e “mais-valia”,   me chamou atenção. Em pouco tempo o vídeo viralizou e chegou até no radar de Rodrigo Constantino, ex-colunista da Revista Veja, que promoveu uma verdadeira cruzada contra a professora responsável, que foi acusada por esse jornalista de  praticar a “doutrinação” dos alunos. Constantino a chamou de safada e bandida intelectual. Ela acabou sendo afastada porque, segundo a direção, expôs os adolescentes e difamou a instituição. Pode isso?

Apesar de pedagogicamente injustificável e legalmente insustentável, o afastamento da professora foi necessário para revelar a verdadeira face do movimento Escola Sem Partido, que majoritariamente o comemorou com entusiasmo — o próprio Constantino é um dos seus adeptos.  Digo isso porque ainda há quem caia no conto de que o propósito dessa asneira aí, como bem definiu o historiador Leandro Karnal, é garantir a pluralidade do ensino formal. Não é. Nunca foi. E eu explico:

Se o problema com a aula fosse a ausência de pluralidade, ninguém exigiria o afastamento da professora e nem ficaria escandalizado com a abordagem marxista, mas cobraria, no máximo, um trabalho semelhante com outros sociólogos clássicos como, sei lá, Comte, Durkheim e Weber. A cobrança seria questionável, afinal há sociólogos demais para que todos sejam contemplados num ano letivo, mas seria pelo menos compreensível e coerente com a propaganda da proposta de uma escola mais plural.

Não é de pluralidade que estou falando, mas de censura. E esse é, evidentemente, o primeiro motivo pelo qual me preocupo com a interferência em sala de aula. A rigor, são profissionais muito pouco familiarizados com as Ciências Humanas que se sentem no direito de determinar o que é e o que não é legítimo ensinar em sala de aula. O que estamos prestes a assistir não é muito diferente do que se viu em experiências totalitárias, quando alunos eram estimulados a denunciar, pelo bem da nação, professores alinhados à esquerda. Hoje a professora é afastada. Amanhã é o quê? O que basta para saciar a sanha persecutória da nova direita brasileira? O mais curioso disso é que Rodrigo Constantino e a imensa maioria dos entusiastas do movimento Escola Sem Partido se intitulam “liberais” — de fazer inveja aos republicanos, nos EUA dos anos 1920, diga-se.

Mas não é só isso. Se você assistir ao vídeo em que os alunos cantam a versão marxista de Baile de Favela, não vai ser capaz de diferenciá-lo de outros que se veem por aí de professores que ensinam fórmulas químicas ou matemáticas em cursinhos pré-vestibulares. Nas maiores escolas particulares do país, paga-se uma nota pela aula deles.

A única diferença aqui, e que torna a ação da professora ainda mais admirável, é que foram os próprios alunos que escreveram aquelas linhas. Os conceitos estão todos ali. É uma aula de Sociologia. Com a participação ativa e entusiasmada dos alunos. E só quem trabalha com adolescentes sabe o quanto isso é difícil. Estamos falando de um autor oitocentista sendo cantado por alunos do Ensino Médio. Um autor que está presente em todos os currículos de Sociologia do mundo e que vai cair em todos os vestibulares e ENEMs  que essa criançada irão prestar. Isso que está acontecendo é mais que macarthismo. É burrice. Os burros sequestraram este país. Por falta de aviso que não foi em 2001 eu avisei.....

O nome da jovem professora é Gabriela e mesmo sem conhecê-la já sou seu fã, visto que,  mesmo afastada do trabalho,  ela recusou a se dobrar a um sistema que mutila o professor não apenas financeiramente, com salários miseráveis, mas,  e sobretudo, intelectualmente. Em 1565, no Concilio de Trento,  a Igreja Católica Apostólica Romana retomou a Santa Inquisição, que havia sido abolida desde o seculo XIV,  a partir dai passamos a ver que eles  queimavam não apenas pessoas, mas também, livros e mentes, que o diga, Giordano Bruno, Galileu Galilei  e Isaac Newton. Gabi, a inquisição continua por ai instrumentalizando o sistema,   perseguindo e  aniquilando pessoas e carreiras, ela apenas mudou de tática, ao invés de queimar, ela  te persegue de tal forma  que um dia, sem saída, você acaba por desistir, como eu fiz. Lembre-se mocinha,  você é apenas mais uma vitima disso.  Força!!

Ah, os alunos não gostaram nada da decisão. Por isso organizaram protestos e abriram uma campanha que todos temos a obrigação de abraçar:

‪#‎VoltaGabi‬. É isso: volta, Gabi.


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3 comentários:

  1. Por isso Alacir que caras como você fazem falta em sala de aula, estamos assistindo nossos jovens se robotizarem e os universitários ficarem bitolados com um modelo de educação que ja esgotou estagnou. Faço outro apelo #voltaalacir. Bjs

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  2. Professor, amei seu texto e gostaria de conhecer essa moça idealista e corajosa porque vc eu já conheço. Saudações de Volta Redonda sentimos sua falta. Vanessa

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  3. Muito bom o texto Alacir. Sempre uma estrela do conhecimento. Volta Gabi. Volta Alacir. Abraços

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