Movimentos separatistas europeus: um risco a sobrevivência da U.E?
Alacir Arruda
O
que leva catalães (e levou muitos escoceses) a desejar independência não é ódio
à Espanha ou Grã-Bretanha — mas desespero por escapar das políticas
ultra-capitalistas contra direitos sociais
A Europa tem passado, nos últimos
tempos, por situações delicadas quanto a manutenção de sua unidade. Há algumas semanas, o parlamento catalão
tornou ilegal a homofobia, impondo penas para crimes e discursos de ódio contra
gays e lésbicas. Os Membros do Parlamento na Câmara Regional explodiram em
aplausos – mas era mais que uma celebração: o alvo do barulho eram os políticos
conservadores que governam Madri.
Esse foi o mais recente gesto
de Barcelona contra o governo central da Espanha, mas não o maior. Este virá no
domingo de 9 de novembro, quando o governo da Catalunha pretende organizar uma consulta
a respeito da independência. Embora o Supremo Tribunal da Espanha tenha
suspendido as preparações para a votação e o governo espanhol diga que ela é
ilegal, os preparativos não oficiais prosseguem em toda a Catalunha.
Assim como na Escócia, agora se
trata de mais do que nacionalismo: os movimentos de independência de pequenos
países estão sendo alimentados pelo fracasso dos grandes Estados em resolver a
crise econômica. Nos países onde as políticas nacionais estão travadas por
severos consensos de austeridade – e onde os velhos partidos socialistas
parecem sem rumo –, é racional que a resistência corra pelas vias do
separatismo e da autonomia.
Se você projetar uma visão de
50 anos para o capitalismo, como a OCDE fez em julho, verá um roteiro
desastroso para os países desenvolvidos, mais ou menos assim: suas populações
envelhecem, colocando um peso imenso nos gastos públicos; a desigualdade cresce,
levando a uma erosão na base tributária; enfim, eles vão à falência,
provavelmente encarando uma crise de suprimento de energia no caminho. Aqueles
que não quebram transformam-se em lugares feios, pobres e intolerantes.
Existem duas estratégias que
poderiam compensar isso, mas os países em crise vão achá-las difíceis de
praticar. Primeiro, segundo a OCDE e muitos macroeconomistas imparciais, é
necessário receber uma imigração massiva para rebalancear a população entre
contribuintes e usuários dos serviços. Depois, é necessário elevado crescimento
na produtividade, o que provavelmente significa um programa de inovação
dirigido pelo Estado, que idealmente resolveria a questão da energia ao longo
do caminho.
Uma vez que os problemas de
longo prazo do capitalismo estão postos cruamente, a lógica econômica para a
separação de pequenos países se torna mais clara. Não é apenas que os países
grandes são pesados, difíceis de manejar. Velhos países desenvolvidos como a
Grã-Bretanha e a Espanha têm elites políticas alinhadas com interesses
econômicos que não favorecem a inovação financiada pelo Estado, alta imigração
ou energia sustentável.
Nesse contexto, se a população
de um pequeno país dentro de uma entidade maior suspeita que vai ser a perpétua
perdedora em um período de cinquenta anos de austeridade, é lógico para ela
buscar a independência. Tanto na Escócia quanto na Catalunha, pude sentir a
convicção de que, se o futuro efetivamente envolve a recepção de imigração,
eles seriam mais felizes gerenciando isso em um país pequeno com alta coesão
social do que em um grande que é uma bagunça.
Mas no eventual rompimento
entre Madri e Barcelona que se aproxima existem diferenças cruciais em relação
à Escócia. Diferente da Escócia, a Catalunha é um grande contribuinte líquido de
impostos para o centro: em um ano médio, 8% do PIB da região flui em impostos
para o resto da Espanha, custando estimadamente 2.055 € a cada catalão em 2011
(o governo central não publica regularmente os valores). Agora em um movimento
descrito como “incendiário” pela mídia nacional, o orçamento nacional da
Espanha para 2015 destinou à Catalunha a menor parcela de investimento público
em 17 anos.
Então, se a separação tornar-se
uma realidade, nem o Banco Central Europeu nem o tesouro espanhol teriam muita
influência fiscal sobre Barcelona. Em todo caso, o partido nacionalista catalão
no poder, o CiU, de centro-direita, fez grandes cortes de gastos desde a crise
de 2008. Os catalães declaram-se “a Alemanha da Espanha” e estão confiantes de
que o novo país poderia se bancar.
A segunda grande diferença é a
esquerda. Os radicais de esquerda da Escócia tiveram grande impacto na campanha
do referendo, mas a sua presença em Holyrood – o parlamento escocês – consiste
em apenas dois membros do Partido Verde. A esquerda catalã é muito maior e está
em alta.
Em 2012, a Esquerda Republicana
da Catalunha (ERC) surgiu nas eleições para o parlamento regional, tornando-se
o segundo maior partido, com 13%. Desde maio, todas as pesquisas de opinião
colocam o partido com algo em torno de 23%, a caminho de ganhar a próxima
eleição. A ERC já governou a Catalunha no período que precedeu a Guerra Civil
Espanhola e – apesar de suas políticas serem basicamente de uma esquerda
social-democrata – está pressionando por um confronto com Madri, ao organizar o
referendo usando o serviço civil regional, mesmo que isso tenha sido declarado
ilegal.
A esquerda foi impulsionada não
somente pelos anos de crise econômica, mas por um escândalo de corrupção que
atingiu a CiU. Jordi Pujol, político veterano da CiU, admitiu manter uma vasta
fortuna em contas no exterior não declaradas. Ainda que ele negue que esse
dinheiro tenha sido obtido de forma corrupta, é isto o que alega Madri e, de
qualquer forma, trata-se de evasão fiscal. Enquanto isso, dois de seus filhos –
um dos quais acaba de renunciar a um cargo importante na atual liderança do
partido – também estão enfrentando investigações relacionadas a contas
bancárias no exterior.
Embora não haja certezas e os
Pujol afirmem que é tudo armação de Madri, entre as massas mais aguerridas da
Catalunha o caso levou mais separatistas para a ERC.
O referendo – caso aconteça –
será consultivo, sem efeito mandatório. Além disso, há duas perguntas: “você
quer ser um estado” e “você quer ser independente”? Então existe uma boa
quantidade de teatro político acontecendo aqui. Mas, quando se adiciona um
ingrediente de esquerda-direita numa crise constitucional na Espanha, os riscos
de conflitos sociais reais aumentam.
A Escócia e a Catalunha são as
birutas que indicam a direção de ventos que sopram em toda a Europa. Na próxima
quinta-feira, teremos os mais recentes dados de crescimento da Zona do Euro,
que provavelmente mostrarão ainda outro trimestre de estagnação ou crescimento
lento. Os economistas vão ralhar com Bruxelas e o BCE por falharem em fazer a
Europa mais como a Inglaterra e os EUA. Mas o impulso político contra a reforma
de livre mercado está crescendo.
Na França, temos a
extrema-direita com 25%. Na Alemanha, mês passado, o partido anti-euro Aliança
pela Alemanha (AfD) dobrou seus dígitos em duas eleições regionais. O governo
grego – o canário na mina de carvão da crise como um todo, que cairia primeiro
alertando para o risco de uma derrocada geral – está lutando para terminar seu
mandato, enquanto o maior partido marxista europeu espera na coxia, tendo
ganhado as eleições europeias de lá e tomado controle da maior região
administrativa.
Existem agora na Europa grandes
forças que rejeitam o status quo. Se os políticos da situação
controlam todas as forças, isso simplesmente significa que a oposição vai
seguir surgindo de formas imprevisíveis, com alguns nacionalismos se tornando
de esquerda e alguns partidos de extrema direita propagandeando o estado de
bem-estar social.
Com um mercado de títulos
globalizado, apenas alguns países enormes têm real controle sobre suas
políticas de arrecadação e gastos. Mas a sedução da secessão, de estratégias de
saída do euro ou mesmo da UE, continua forte, pela seguinte razão.
Para o mundo desenvolvido
readquirir seu dinamismo, algo drástico precisa acontecer. Se acreditarmos na
OECD e em outros eminentes comentaristas, então mudanças de mentalidade
radicais sobre investimentos, migração, oferta de serviços públicos e inovação
precisam acontecer.
Na Catalunha e na Escócia,
grandes parcelas da população prefeririam gerenciar essa situação livres de um
Estado central no qual elas não confiam mais.