terça-feira, 14 de outubro de 2014

a banalização do mal

QUANDO O MAL SE TORNA BANAL..

Por Alacir Arruda 

Como sociólogo as vezes me pergunto; o que ocorre com o ser humano atual que não consegue sentir compaixão mesmo diante da mais cruel barbárie? Na semana passada na periferia da nossa capital duas meninas, uma de 16 outra de 14 anos, foram assassinadas “brutalmente” por pauladas até seus miolos fossem expostos. Não sou policial, não vou entrar no mérito da investigação, muito menos conjecturar quem foi a “besta fera” que praticou tal ato. Mas será que o assassino era realmente uma besta fera? Um monstro? Ou uma pessoa comum?

Faço essa reflexão a partir da filosofa alemã Hannan Arendt que cunhou a expressão "banalidade do mal" após assistir o julgamento de Adolf Eichmann, nazista preso pelo Mossad e julgado em Jerusalém na década de 60. Hannan, que não gostava de ser chamada de filósofa, embora fosse, afirmou após o julgamento que “a incapacidade de pensar como indivíduo leva o homem a cometer as piores atrocidades”. A obediência cega, seja a um chefe ou a princípios, sem consciência crítica, pode resultar na barbárie. Por isso Hannah Arendt dizia que o que aconteceu, sob as ordens dos nazistas, pode voltar a acontecer em qualquer tempo. 

Quando escreveu seu polêmico “Eichmann em Jerusalém” ela recebeu muitas críticas porque a julgaram defensora dos nazistas, logo ela que era judia vinda dos campos de concentração na França ocupada. A análise dela foi desmistificatória; o carrasco nazista capturado na Argentina e julgado em Jerusalém em 1962, um homem visto por muitos como um monstro, um ser maligno, um louco, cruel e perverso, na sua percepção era apenas um caráter medíocre, comum, um fiel cumpridor de ordens, que tinha uma postura ordinária que o fazia igual à tanta gente, e isso causou mal estar entre todos os que defendiam a justiça e o bem. 

Foi justamente a atitude de Eichmann que permitiu a Arendt cunhar a curiosa idéia relativa à “banalidade do mal”. Por banalidade do mal, ela se referia ao mal praticado no cotidiano como um ato qualquer, feito de maneira automática, sem muito pensar. Muitas pessoas interpretaram a visão de Arendt como uma afronta à desgraça judaica, mas ela era uma filósofa descomprometida com seu povo, religião, partido ou ideologia; só tentava entender o que realmente se passava com a particularidade de um homem como Eichmann. 

A pensadora não adotava sua condição de judia como superior ao seu caráter de filósofa comprometida com a compreensão de seu tempo. A condição judaica era, para ela, sua condição humana. Não menos, não mais. O problema da individualidade, das nossas escolhas éticas que provocam nossa liberdade e responsabilidade, era a questão central naquele momento para ela. Como hoje lá em Israel e Gaza, aliás! 

A tese da banalidade do mal é uma tese difícil, não por sua lógica, mas por seu desempenho. Aquele que é confrontado com ela precisa fazer um exame de sua consciência particular em relação ao geral e, portanto, de seus atos enquanto participante de um grupo, de um estado e de sua condição humana. A banalidade do mal significa que o mal não é praticado como atitude deliberadamente maligna. O praticante do mal banal é o ser humano comum, aquele que ao receber ordens não se responsabiliza pelo que faz, não reflete, não pensa. As pessoas comuns tomadas pelo “vazio do pensamento”, como imbecis que não pensam e repetem clichês e que são incapazes de um exame de consciência. 

Heidegger, o filósofo que diz ter se arrependido de aderir ao regime nazista, e que foi o amor e mestre maior de Hannah era um gênio da filosofia e, no entanto pouca coisa diferente de Eichmann. 

O aterrador é constatar que entre Eichmann, o imbecil, e Heidegger, o gênio, está o ser humano comum. O nazista não era diferente de qualquer pessoa, era um simples burocrata que recebia ordens e que punha em funcionamento a “máquina” do sistema! Do mesmo modo que cada um de nós pode fazê-lo a cada momento em que, autorizado pela reflexão que une, em nossa capacidade de discernimento e julgamento, a teoria e a prática, e ai, seguimos as “tendências dominantes”, o “caminho da manada” como escravos livres de si mesmos. 

SAIR DA BANALIDADE DO MAL É FAZER A OPÇÃO ÉTICA E RESPONSÁVEL DO PENSAR E DESCOBRIR, ( NA CONTRAMÃO DA TENDÊNCIA À DESTRUIÇÃO, QUE CONVIDA CADA UM A CONFORMAR-SE COM AS INJUSTIÇAS), UMA FORMA DE REAGIR . 

A banalidade do mal é, portanto, uma característica de uma cultura carente de pensamento crítico, em que qualquer um – seja judeu, cristão, alemão, brasileiro, mulher, homem, não importa – pode exercer a negação do outro e de si mesmo. 

Em um país como o Brasil, em que a banalidade do mal realiza-se na atitude autorizada, PELO AGIR DA MAIORIA, na homofobia, nos preconceitos do racismo, no consumismo e no assassinato de todos aqueles que não têm poder, seja no caso Amarildo de Souza no Rio de Janeiro ou Chico Mendes, Irmã Dorothy Stang nos confins do amazonas ou ainda o adolescente negro da periferia ou da favela, o sem-terra que ocupou uma fazenda improdutiva, uma parada DE TODOS NÓS PARA PENSAR, pode significar o bom começo de um crime a menos na sociedade que extermina e na polícia do Estado transformados em máquina mortífera.

Não nos esqueçamos que também somos tomados pelo “vazio do pensamento” quando repetimos os clichês disfarçados de crítica contra o mal, quando separamos os vilões dos mocinhos, distinguindo pela aparência os opressores dos oprimidos. São as mesmas que combatem preconceitos com outros preconceitos. 

Melhor seria cada um fazer um exame particular e olharmos de frente para o monstro que habita um canto sombrio de todos nós. E nesse auto-exame deixarmos de ser “especialistas” na crítica do modo de agir e pensar do "outro". Em nome de interesses pessoais, muitos abrem mão do pensamento crítico, engolem violência e toleram conviver com aqueles que desprezam. 

A banalidade do mal em nosso povo está ligada diretamente ao fato das pessoas estarem se tornando tolerantes com a corrupção política e social, enquanto tornam aqueles honestos e bem intencionados cidadãos, (como Betinho e Irmã Dulce) figuras míticas ou tolas e antiquadas. Algumas pessoas, e não são poucas, comentaristas de redes sociais estão contaminadas pela lógica da banalidade do mal, apoiadas por uma mídia dominante que vulgariza o mal, tornando-o corriqueiro. 

Será que só Estado, o capital financeiro e a sociedade são "máquinas mortíferas"?... E nós? 



Sugestão de Leitura: Eichman em Jerusalém: Um relato sobre a Banalidade do Mal - (Hannan Arendt)

7 comentários:

  1. Alacir, simplesmente genial esse artigo. é isso..A nossa omissão e aceitação diante de fatos do cotidiano produz assassinos comuns. Um grande abraço de sua fã Dolores. Recife -PE

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    1. Obrigado Dolores que mesmo tão distante mantem essa relação fraterna.

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  2. Quando leio seus textos me asseguro de que: Existem missões que são extremamente sublimes nesta vida, algumas imitam a nobreza do amor de Deus, outras a justiça, a cultura, a saúde, projetos, mas todas são exercidas por profissionais. Todas elas merecem o respeito e gratidão. Você que é um professor e profissional digno da mais profunda admiração pela forma incansável, com a qual se dedica ao seu objetivo e profissão com determinação. Não poderia deixar de lhe prestar as minhas homenagens neste dia tão especial. Sou grato porque tenho a certeza que ainda há pessoas como você, que lutam em prol de uma vida melhor com sucesso. Obrigado por você ser meu professor, e por compartilhar de suas aulas que na verdade são lições de vida. Jaqueline. bjs

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    1. Obrigado Jaqueline, mas o dia dos professores é amanha rsrs..De toda forma são por existirem pessoas como você que me empenho a cada dia mais no sentido de poder transmitir o pouco que tenho de forma simples e objetiva. Valeu mesmo!!

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  3. Prof. parabéns
    excelente post
    obrigado por compartilhar
    seus conhecimentos conosco
    Juscelino

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    1. Juscelino, vc sabe o carinho que tenho pela sua pessoa enquanto um aluno exemplar e dinâmico nas suas ações. Obrigado

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  4. Professor as vezes me pergunto durante suas aulas: Acho que o Alacir não tem mais nada a ensinar pra gente, pois acho você simplesmente um gênio em sala de ula, pelo numero de informações que vc nos passa.. Então entro no seu blog e leio um artigo desse e concluo que vc deve ensinar apenas 10% do que sabe para nós..rsrsr. Deus não é justo. kkk. Um grande beijo..Bianca

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