quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A Etica em Nietzsche

PARA QUE SERVE A VERDADE? UMA VIAGEM PELO PENSAMENTO NITIANO.

Por Alacir Arruda



Em épocas onde se questiona a ética, sobretudo na politica, nada melhor que buscar em Nietzsche um entendimento dessa característica humana na sua gênese.   A ética nietzschiana se caracteriza, sobretudo, pelo combate à Filosofia Ocidental, de cunho metafísico, e à Ciência Moderna, por enaltecerem valores supremos como solução para as desditas humanas. Essa forma de pensar, estritamente racional, teria levado o homem a desprezar a vida no âmbito dos sentidos e se voltar para uma realidade idealizada, irreal, estática. Para o filósofo, a nossa cultura, desde Sócrates, privilegiou, no âmbito psicológico, o deus Apolo (harmonia) e esqueceu Dionísio (desmesura).

Nietzsche se inspirou no pensamento dos filósofos pré–socráticos, que concebiam como fundamento da realidade o DEVIR – em especial Heráclito. Nesse momento embrionário da história da humanidade o pensamento estava marcado pelo corpo e a noção de VERDADE ainda não estava estabelecida. Preponderava a ideia de TRANSFORMAÇÃO e que a vida é um fluxo.

Segundo o filósofo, o nosso modo de pensar começou com Sócrates e seguiu um rumo equivocado ao NEGAR a vida dos sentidos. O homem, ao colocar o pensamento acima do corpo, construiu uma imagem de si mesmo muito superior do que ele pode ser. Com o advento da “verdade”, pensamento e vida se dissociaram.

Mas Nietzsche desloca o foco da abordagem filosófica tradicional e pergunta: Para que serve a verdade?

Considerou que a verdade não é produto da curiosidade humana, mas da necessidade psicológica de duração (medo da morte), como ocorre no campo da religião. Entendeu que o homem não é forte o suficiente para enfrentar a vida sem a proteção de entidades metafísicas, por isso construiu a ideia de VERDADE. Mas essa ideia o fez negar o corpo, o agora, o conflito e a transformação. Nesse contexto, o homem ficou apático, sem ânimo, indiferente. Instituiu-se, assim, o NIILISMO, contra o qual o filósofo se posicionou.

Nietzsche combateu o NIILISMO (ideia de culpa) por entender que nele os valores afirmativos da vida perdem a importância, como ocorre no CRISTIANISMO e na CIÊNCIA. Duas são as formas de niilismo: Negativo e Reativo.

O niilismo negativo é a teoria que sustenta que esta vida é um erro, logo devemos nos concentrar na “outra” vida, que é a verdadeira (visão judaico-cristã). O cristianismo funciona como o platonismo do povo.

Por outro lado, o niilismo reativo ocorre na modernidade com a morte de Deus, quando a ciência passa a explicar a realidade. O homem moderno colocou a vida sob a tutelada razão esclarecida, por isso, segundo Nietzsche, todos nós somos responsáveis pela morte de Deus. Nesse contexto, a FELICIDADE se apresenta como um conceito supremo e está ligado ao consumismo e outros procedimentos do homem moderno, fazendo-o viver sempre no PORVIR, tirando-o do momento presente e, por conseguinte, da vida. O ideal passou a presidir a existência embora não possa ser vivido.

Esse é o ambiente em que surge a moral dos ressentidos, baseada no medo e no ódio à vida. O homem fraco, incapaz de viver no âmbito dos sentidos, no fluxo das transformações, inventa outra vida, futura, eterna, incorpórea, que será dada como recompensa aos que sacrificarem seus impulsos vitais e aceitarem os valores dos escravos. A moral seria uma criação dos fracos para corroer a alma dos fortes, impingindo-lhe o ressentimento. Ela seria uma estratégia psicológica de dominação.

O homem moderno para o filósofo alemão seria hipócrita: ele quer se emancipar, mas quer se manter sob a proteção de elementos absolutos.

Nietzsche constrói a ideia de super-homem (além do homem), não como alguém que possui poderes sobre humanos, mas como quem cria a si próprio, superando-se. A sua essência está na superação, não na verdade. É aquele sujeito capaz de encarar a vida sem os consolos metafísicos inventados para negar a experiência do tempo e da morte. Para superar esse estado de coisas é preciso estar “além do homem”.

Para Nietzsche a existência não deveria ter justificação religiosa, ética, nem metafísica, mas reconheceu que o poder que se estabeleceu no mundo é o poder da fraqueza. Como exemplos dessa moral dos fracos estão as que afirmam que os seres humanos são IGUAIS, seja pela racionalidade (Sócrates e Kant), seja por serem irmãos (Cristianismo), seja por possuírem os mesmos direitos (ética socialista e democrática). Contra a moral dos escravos, o filósofo propõe a moral dos senhores, dos melhores, dos aristocratas, fundadas nos instintos vitais, nos desejos e na vontade de potência, cujo modelo se encontra nas sociedades antigas, nos guerreiros belos e fortes, que, pela guerra, buscavam a glória, fama, honra etc.

Para fazer essa crítica, Nietzsche combateu a METAFÍSICA, investigando problemas de LINGUAGEM, centrando-se nas questões morais. Ele percebeu que foi a mudança da linguagem, do vocabulário, que operou uma verdadeira revolução na MORAL. Foi o discurso que operou essa transformação.

Ele perseguiu os adjetivos morais. Perguntou inicialmente: o que é BOM? (quando usamos a palavra “BOM”?). Percebeu que a palavra “BOM” tem uma peculiaridade: possui dois antônimos MAU e RUIM (BOM – MAU e BOM –RUIM) e por possuir dois antônimos ela também possui dois sentidos: “Bom” no sentido técnico, que se opõe a ruim; “Bom” no sentido moral, que se opõe a mau.

Nietzsche percebeu que a palavra “bom”, como contraponto de “ruim’, faz parte do vocabulário dos FORTES, SADIOS e SENHORES. São aqueles que se consideram bons, porque o adversário não é hábil, não sabe lutar, não tem técnica, logo merece perder. Neste caso não há arrependimento ou compaixão, pois o outro perdeu por causa das suas próprias deficiências. Porém, quem usa a palavra “bom” em oposição a “mau” são os DOENTES, FRACOS e ESCRAVOS, ao tentarem impingir no espírito do outro a idéia de pecado, transgressão, culpa, etc, fazendo com que ele próprio sinta CULPA por submeter o outro ao seu poder, seja físico ou psicológico. Em Nietzsche os conceitos FRACO-FORTE, DOENTE-SADIO e ESCRAVO-SENHOR indicam tipos psicológicos para explicar como, pela palavra, o homem que era forte e viril, na Grécia Arcaica , ao ser seduzido pelo discurso metafísico, se tornou um animal de rebanho. Segundo Nietzsche, na história do pensamento ocidental os fracos venceram.

Os fracos inventaram a capacidade de mudar o vocabulário, logo mudaram o comportamento. Assim, criam a ideia de LIBERDADE, de o sujeito poder mudar a sua conduta, de má para boa. A ideia de liberdade gera a ideia de SUJEITO (consciente de suas ideias e responsável pelos seus atos, logo com liberdade para agir). Para Nietzsche os conceitos de “liberdade” e “sujeito” são invenções da gramática, isto é, do modo de falar. Em outras palavras: são invenções dos fracos. A proposição “Paulo agiu bem” cria o entendimento de que ele, Paulo, está no comando da ação, porque ele é livre para escolher dentre as ações possíveis, a “boa ação”, mas, para Nietzsche, tudo seria uma ficção promovida pela linguagem.


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5 comentários:

  1. Lendo esse texto, vc na minha frente, com toda aquela empolgação que era sua marca, nos ensinando Nietzsche. Como vc era apaixonado por ensinar Nietzsche, nós da psicologia até comentávamos: " como ele gosta de ensinar Nietzsche". A impressão que tínhamos é que você entrava em uma espécie de transe quando falava desse filosofo. Nunca, e jamais na minha vida, encontrarei alguém que conheça Nietzsche quanto você. Que pena professor! Pena que o sistema destrói os bons e mantem as "amebas" em sala de aula.Eu gostaria de ser uma psicologa 10% do que foi como docente. Abraços fraternos da psicologia- Alessandra

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  2. Assino embaixo Alessandra em tudo que disse e acrescento apenas que ele sempre nos disse que um dia o sistema iria chegar ate ele. Seja pela sua rebeldia,seja pela sua inteligencia. Professor Alacir, o melhor que tivemos.

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  3. Cada vez que você escreve sobre esse filósofo fico instigada para ler. Ainda mais um texto escrito com tanta coerência. Quando vejo os depoimentos dos seus ex alunos, sinto "inveja" deles por terem tido o privilégio de ter um docente tão comprometido com uma educação libertadora. Parabéns. Abraços.

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  4. Além de Nietzsche, Alacir há outras obras que abordam a um semelhante posicionamento referente a Linguagem? Ou,ficção promovida pela linguagem, tal como acreditava Nietzsche?

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    1. Creio que Nietzsche fez escola quanto a análise do discurso e a instrumentalização da Linguagem, podemos ver isso nos escritos de Freud e nos filósofos da Escola de Frankfurt. Porém, eu sugiro que leia a Escola de Discurso Francesa, sobretudo Jacques Lacan e Jacques Derrida que trabalham bem o conceito de desconstrução fundindo a filosofia e a linguagem sob a égide d teoria do signo de que se enquadra no pós-estruturalismo, o qual se opõe ao estruturalismo saussuriano (O legado linguístico de Ferdinand de Saussure). Sustentando que o significante (a forma do signo) refere-se diretamente ao significado (o conteúdo do signo), a teoria estruturalista derrubou toda uma corrente de pensamento logocêntrica (centrado no discurso) que se originou no tempo de Platão. Com a escrita como sua base, Derrida passou a interromper toda a metafísica baseada nas oposições. Ele elaborou a teoria da desconstrução (do discurso e, portanto, das palavras) que desafia a ideia de uma estrutura concreta e realça a noção de que não há estrutura ou centro. A ideia de uma relação direta entre significante e significado já não é mais sustentada, pelo contrário, temos infinitas mudanças de significados retransmitidas de um significante para outro. Abraços, espero ter ajudado e obrigado por estar aqui

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