Por Alacir Arruda
Não há dúvida de que enquanto sociedade, nós fracassamos. Segundo Bauman (2007) "a liberdade, como a cura universal para todos os males presentes e futuros, é vista como uma ideologia da elite global emergente". As relações interpessoais tendem a ser moldadas à semelhança dos meios e dos objetos de consumo e segundo as linhas sugeridas pelo consumismo que sugere o fascínio pelas alegrias e sensações prazerosas e efêmeras, seguindo um comportamento ditado por uma série de estratégias, julgamentos e pressupostos sobre os caminhos do mundo e as formas de percorrê-los.
Em uma sociedade consumista, a liberdade está intimamente ligada à perfeição, que também está ligada a uma qualidade coletiva da massa e a multiplicidade de objetos e desejos.
Para Bauman "a sociedade de consumo não é nada além de uma sociedade do excesso e da fartura – e, portanto da redundância e do lixo farto" (BAUMAN, 2007, p. 111). É o excesso que gera o vazio existencial, aumenta as incertezas pela liberdade de escolhas e não é nunca suficientemente excessivo.
Em se tratando de liberdade, Bauman dizia que "os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade". Diverso do que pensava Freud (1997), que partiu de uma análise da crise da civilização moderna, que, pela falta do exercício da liberdade, porém com segurança, via-se tolhida da felicidade individual. Bauman se serve de uma ideia contrária, mas que cabe melhor nessa noção de uma modernidade líquida, diversa da modernidade sólida à qual Freud se referia.
Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. (BAUMAN, 1998, p.10).
Para Bauman, a sociedade de consumo tenta satisfazer os desejos humanos; no entanto, essa promessa só se manterá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado. Na verdade, a estratégia de mercados, da sociedade e da indústria de consumo é a
[...] não satisfação dos desejos e a crença firme e eterna de que cada ato que visa satisfazê-los deixa muito a desejar e pode ser aperfeiçoado – são esses os volantes da economia que tem por alvo o consumidor. (BAUMAN, 2007 p. 106).
Outra forma eficaz de manter o consumo é a satisfação de toda necessidade e a provocação de novas necessidades, desejos e vontades. Ou seja, o que começa como necessidade deve ser a tal ponto estimulado até que se transforme em compulsão ou vício. Para este autor, a "síndrome consumista é uma questão de velocidade, excesso e desperdício" (BAUMAN, 2007, p.111).
Aqui introduzo uma questão fundamental na sociedade de consumo, que é a lacuna entre os que possuem poder aquisitivo para satisfazer às suas necessidades/desejos e os que não possuem esse poder, mas foram seduzidos por esse mercado de consumo. Na verdade, a sedução do mercado é a grande igualadora da sociedade atual e, ao mesmo tempo, a divisora. Iguala porque os impulsos sedutores são dirigidos, indistintamente, a todos que ouvirão seus apelos. Há uns poucos que podem reagir em conformidade com a mensagem sedutora e muitos que não podem reagir aos desejos induzidos pela mídia.
Com efeito, a modernidade é globalizante e suas consequências são desestabilizadoras. O modo de vida do sujeito moderno, em tempos líquidos, não somente é afetado por grandes transformações, como também permeia a formação e a construção de identidades, de relações sociais e vínculos afetivos.
Giddens (1991) faz um alerta sobre as tendências globalizantes da modernidade que vinculam os indivíduos a sistemas de grande escala como parte da dialética de mudança nos polos local e global. Considera que, no desenvolvimento inicial do indivíduo, a confiança básica e a segurança ontológica (própria do ser) derivam da confiança pessoal e estabelece uma necessidade de confiança nos outros, que resiste ao longo da vida. A confiança nas pessoas é construída sobre troca de respostas e envolvimento. Por exemplo: a fé na integridade do outro é fonte primordial de um sentimento de integridade e autenticidade do "eu". A confiança em sistemas abstratos contribui para a confiabilidade da segurança cotidiana, mas o sistema não pode oferecer nem a troca, nem a intimidade que as relações pessoais oferecem.
Por conseguinte, as relações de intimidade pessoal também são afetadas. Os sistemas abstratos associados à modernidade transformam a natureza de relações afetivas. Por exemplo: a amizade tem mais a ver com dependência a laços pessoais. O oposto de "amigo", já não é mais "inimigo", nem mesmo estranho; ao contrário disto é "conhecido", "colega", ou até "alguém" que não conheço. Acompanhando essa transição, a honra é substituída pela lealdade, que não tem apoio, apenas afeto pessoal. A sinceridade é substituída pela autenticidade (que o outro seja bem-intencionado). Um amigo não é alguém que sempre fala a verdade, mas alguém que protege o bem-estar emocional do outro. O "bom amigo" nos dias de hoje substitui o "honorável companheiro".
Com o desenvolvimento dos sistemas abstratos, a confiança em princípios impessoais tornou-se indispensável à existência social. "A confiança pessoal não pode ser controlada por códigos fixos, ela tem de ser ganha, e o meio de fazê-lo consiste em abertura e cordialidade demonstráveis" (GIDDENS, 1991, p. 123).
Os relacionamentos são laços baseados em confiança, nos quais a confiança não é pré-constituída, mas trabalhada e o trabalho torna-se um processo mútuo de autorrevelação.
A modernidade e os seus sistemas são capazes de alterar e/ou abalar e/ou destruir relações sociais, afetivas, emocionais, sem as quais os indivíduos se veem cerceados de sentir e perceber o mundo com maior clareza e concretude.
Essas transformações modificam a maneira das pessoas sentirem ou percebem com lucidez a realidade na qual estão inseridas, tornando-as vulneráveis às mazelas e aos defeitos do projeto moderno.
-AS CONSERVAS CULTURAIS
Apesar de todas as transformações ocorridas nos últimos séculos, o homem contemporâneo continua conectado a um modelo tradicional e conservador, que determina padrões de comportamento com relação aos modos de produção e consumo.
O homem, por medo do novo, aceita os comportamentos limitados e ditados pela sociedade que desumaniza as relações interpessoais tornando-as automatizadas e direcionadas.
Atualmente vivemos essa máxima da forma mais imperativa possível. O homem aprendeu a aceitar as ideias preconcebidas e, apesar de viver a era das transformações, da desconstrução de valores, da transformação da cultura e do fracasso de certas ideologias clássicas da sociedade, ainda assim, vive em conformidade com elas. No mundo moderno, cada vez menos se dá chance ao indivíduo para responder livre e adequadamente a novos estímulos.
Quase todas as respostas sociais estão condicionadas por normas e por regras, ocorrendo um bloqueio da espontaneidade, que restringe a capacidade de percepção e criação. O indivíduo passa a ser visto como simples peça de uma engrenagem, sem possibilidades de criar o próprio destino, deixando de ter verdadeira participação na sociedade.
Em um mundo onde as relações são cada vez mais superficiais, torna-se imprescindível o emprego de uma proposta. Em outras palavras, temos de romper com os padrões de comportamento, os valores e as formas estereotipadas de participação na vida social para não nos tornarmos seres automatizados.
Na verdade, pensamos no ser humano moderno como um ser gestado dentro de uma proposta que o emancipa de quaisquer entraves de pensamento e de sentimento, livre de religiões, de crenças e ideologias, de teorias explicativas e superficiais; ele seria o fruto da própria razão, autogerindo sua realidade, desde as primícias até as consequências de seus atos. Um sujeito pleno, capaz de vislumbrar a verdade e a razão como as únicas auxiliadoras necessárias para uma vida equitativa em sociedade.
Acabou ocorrendo que o homem moderno passou a buscar a felicidade incessantemente e a preços altos, muitas vezes como o seu objetivo último. O consumo passou a ser sua máxima. Se, para ser feliz, a necessidade é consumir tudo e todos ao mesmo tempo e ainda assim sentir-se insatisfeito, entra-se em um ciclo, em uma procura infindável de meios para suprir um vazio existencial, uma ausência de algo maior, de uma proposta que possa dar a todos segurança e esperança em projetos futuros.
O que se vê, por fim, é uma luta dos seres humanos para consumir o que seja e de qualquer jeito, desde que esse consumo seja capaz de gerar uma saciedade, mesmo que temporária. O desejo de consumir é natural da humanidade ou uma necessidade gerada sócio-historicamente?
Independentemente de seu poder aquisitivo, o sujeito contemporâneo é levado a sentir desejo e necessidade de possuir bens de consumo, de ter status, de usar roupas da moda, ver um bom filme, comer boa comida, dormir bem, enfim, necessita ter e ser tudo aquilo que é vendido pela mídia para se sentir feliz – "Vem ser Feliz" como veicula um comercial, ou "Aqui é lugar de gente Feliz" como veicula outro. E assim, em um eterno desejo/necessidade quer tudo aquilo que vê em outros sujeitos, mesmo que para isso, utilize-se de meios transgressores.
Essas transformações atingem também a criminalidade, que se organiza de acordo com o sistema capitalista. Grandes organizações com vínculos internacionais comandam a comercialização do tráfico de drogas, que se transformou em uma atividade altamente rentável, visando sempre o lucro fácil e a disseminação do seu produto.
Na atual conjuntura, é fundamental entender como o ilícito e o ilegal se enraízam no setor informal para comandar um exército de empregados e sócios menores. O tráfico de drogas traz questões como assaltos e roubos de automóveis, de cargas de caminhão, de joias, de dólares, de quadros e sequestros. Esses objetos entram na circulação de mercadorias, características do mundo capitalista e, apesar de seguirem canais clandestinos, vistos como em oposição ao sistema, servem ao mesmo fim que é o da acumulação e da obtenção de lucros desmesurados.
Essa situação fica clara nas imagens apresentadas pela mídia, nas quais aparecem meninos/garotos, subindo os morros e as favelas, com armas de última geração, nas mãos, representando um símbolo de poder. Esses garotos completam sua imagem com um boné, importado, inspirado no movimento negro da América do Norte, ouvem música Funk,black ou rap americanos, cheiram cocaína trazida da Colômbia, roubam ou compram, através do furto, um tênis Nike americano, último tipo. Quando filmados ou fotografados mostram dólares e armas importadas.
Na verdade, a globalização é um processo ainda em construção, com dimensões que se expandem muito além da esfera econômica, e o mercado mundial é o meio básico onde nasce, desenvolve-se e se reproduz o capitalismo. As novas formas do social produzidas pelo processo de globalização apresentam múltiplas dimensões, as quais podem ser assim sintetizadas:
• foram geradas, além das classes sociais, outras direções na produção da organização social;
• multiplicaram-se as formas de organização dos grupos sociais, para além dos interesses socioprofissionais;
• surgem diferentes formas de representação e mediação política, aquém e além dos partidos;
• o Estado cede espaço à sociedade, tanto em nível macro – pelas formas supraestatais – como em nível micro, pelo exercício de diversas redes de poder entre os agentes sociais;
• a crise do Estado desencadeia processos de formação e consolidação do tecido social, por grupos que organizam, de maneira conflituosa, seus interesses particulares e se articulam em variados contratos de sociabilidade.
Por fim, o que se configura, atualmente, é uma sociedade desorientada que, alijada do auxílio do Estado, com influências vorazes que a circundam diariamente, com questões sociais latentes, como violência, corrupção, criminalidade, pobreza, falta de acesso à educação, vê-se diante de um dilema produzido pelo projeto moderno, o qual previu suas qualidades, porém não deu conta de explicar ou solucionar os problemas e os desastres que causou. Sendo assim, este artigo se preocupa com a falha do projeto moderno, qual seja, como é construído o sujeito moderno em tempos de liquidez e efemeridades que privilegia o consumo, em detrimento de valores e compromissos sociais.
Diante de tantas mudanças, proponho uma discussão para entender de que forma o sujeito contemporâneo é influenciado por essas transformações e como se constitui através delas. Com isso, suscitar debates sobre a sociedade contemporânea como geradora do mal-estar na civilização e sua contribuição em situações, potencialmente, de risco nos contextos individual, social, profissional e familiar.
Debater sobre os efeitos da modernidade sobre o sujeito adolescente; como este é afetado por situações que muitas vezes desconhece, mas que são consequências do tempo no qual existe. Tempos agressivos e impiedosos, que somente dão passagem para os que podem consumir e os que se encontram em situações ditas "normais" e "legais".
Sujeitos infratores, imperfeitos, desviantes de um caminho tido como único e correto, são marginais: vivem às margens de uma sociedade que é implacável com seus indivíduos não enquadrados em um perfil considerado exemplar. Infração, aqui entendida como a fuga de um padrão próprio: o que infringe padrões de beleza e peso, os que infringem leis e condutas, os que se utilizam de drogas e outros bálsamos ilegais são todos sujeitos marginais, que por não serem considerados perfeitos, também não são pacificamente aceitos pelos grupos sociais. A imagem do jovem bom, por assim dizer, é a daquele que estuda, usa e tem bens de consumo, não se droga, não é obeso e/ou doente e não possui nenhum tipo de deficiência. Tudo o que fugir desse estereótipo não merece ser modelo para a formação e a construção de uma identidade.
A vertiginosa globalização da sociedade torna-se, também, um fator adicional a esses conflitos de identidade. É importante para o adolescente encontrar no discurso social referências positivas que lhe permitam identificar-se e projetar-se no futuro, no entanto, como já dizia Arminda Aberastury (1992) "a sociedade em que vivemos não oferece garantias suficientes de sobrevivência às pessoas, criando ainda dificuldades para o desprendimento do adolescente, que busca modelos e figuras ideais para identificar-se encontrando, ao invés disso, a violência e o poder acentuado, chegando às raias da falta de ética e decoro".