Freud e o entendimento
do fenômeno político..
Por Alacir Arruda
Sigmund Freud e daqueles homens que marcaram sua época. As contribuições de seus inscritos transcendem o campo da psicanálise, Freud é também lembrado na Sociologia, filosofia ciência política etc... Uma cabeça tão profícua não se limitaria há apenas uma área do conhecimento humano. Logo, falar de Freud é falar de um visionário. Dito isso, não pretendo com esse artigo abordar as relações entre Psicanálise e Política, mas, a contribuição de Freud para o esclarecimento do fenômeno político. Isso significa limitarmo-nos a seu universo discursivo, sem ampliar a análise do político, abrangendo as várias correntes psicanalíticas, de Reich a Adorno, de Guatari a Lacan. A volta de Freud significa a preocupação em compreender a sua contribuição específica ao estudo do fenômeno político, sua pertinência e atualidade.
Durante mais ou menos um século, o estudo do “político” centrou-se nas instituições. Fourier esperava que, através delas, o vício individual se transformasse em virtude social.
A preocupação de Freud com o “social” se acentua após o impacto da Primeira Guerra. Nos seus dois ensaios a respeito, um escrito em 1915 e outro em 1922, procurou ele mostrar a hipocrisia da sociedade moderna, a coerção social funcionando e o caráter primário das tendências agressivas. Impressionado, como Max Weber, com o empobrecimento da vida, ele valoriza, inicialmente, a guerra como alternativa ao conceito convencional de morte, porem, a guerra condicionou seu interesse o estudo da agressão, como o câncer que o vitimaria, levou-o a aprofundar o conceito de “instinto de morte”.
Admitindo que o nosso inconsciente mata, mesmo por motivos insignificantes, vê na eclosão da guerra uma prova disso. Os homens não desceram tão baixo por ocasião da guerra, dizia ele, porque nunca estiveram tão alto como pensavam achar-se. assim, o homem renuncia a seus instintos agressivos substituindo-os pelas agressões estatais, o Estado proíbe ao indivíduo infrações, não porque queira aboli-las, mas sim, para monopolizá-las.
A autenticidade e espontaneidade podem andar vinculadas ao instinto da morte. Pode a pessoa “autenticamente” matar alguém e “espontaneamente” apertar o botão que despeja centenas de bombas, espalhando a morte. Embora admitisse a existência de soluções culturais; sugere a existência de uma autoridade universal para julgar os conflitos de interesse entre as nações.
A sua admissão da existência de uma agressividade “inata” não o impediu de considerar os meios indiretos de satisfação. O ódio básico em Freud, é fundido com as tendências sociais na medida em que o indivíduo amadurece.
Hobbes e Freud
Como Burke, admite a Freud a positividade das restrições sociais que nos livram da escravidão às paixões.
Enquanto, para Hobbes, o homem natural é egoísta, em Freud também o é, com a diferença de que ele tem necessidade social. Enquanto, para Hobbes, o homem segue a lei da astúcia e da força, Freud reconhece a sua existência, porém, afirma, concomitantemente, a existência do amor e da autoridade, daí a ambivalência. A figura do contrato social, em Hobbes, Locke e Rousseau, era para explicar a legitimidade original da sociedade capitalista. Para Hobbes, o pacto social funda-se na existência do medo, que torna o homem prudente.
Para Freud, a sociedade política corresponde ao desejo irracional do homem em restaurar a autoridade; com a morte do pai primitivo, surge no homem a “nostalgia do pai”. Para ele, o governo não surge de um contrato social, mas, de uma resposta contra-revolucionária, que emerge após a queda do governo patriarcal e representa o desejo majoritário dos cidadãos-irmãos, não é uma manifestação de prudência do grupo. Os mitos do contrato social, no universo psicanalítico, podem ser vistos como reafirmação da vontade do pai acima dos impulsos rebeldes dos filhos.
O contrato social, na medida em que significa o ingresso da sociedade na organização política histórica, representa a aceitação da derrota da maioria, ela que, mediante a restrição exogâmica de novas conquistas sociais, ninguém pode alcançar outra vez o supremo poder do pai, embora todos tivessem lutado para isso. Na forma de horda, família ou governo, para Freud o que existe é o controle da liberdade de ação. A existência da lei mostra a força dos desejos ocultos, a existência de uma necessidade interna, que a consciência desconhece. Daí Freud reconhecer que o desejo funda a necessidade da lei. O caráter complexo dos desejos explica a complexidade das interdições sociais.
As proibições
Freud relaciona as proibições auto-impostas, mediante as quais os neuróticos controlam os impulsos proibidos com as complicações rituais, mediante as quais os povos primitivos se defendem da “desordem”, os sentimentos libertários que possam surgir originam auto-controles compensadores, e esses, por sua vez, a renúncia a uma posse ou liberdade entendida como repressão e objetivada como tabu ou lei. A ambivalência, o tabu significam a existência de uma dialética que oscila entre repressão e rebelião; essa leva a nova repressão. A luta entre a lei e o impulso só pode ser sintetizada pelo “ego”. A liberdade procurada é a liberdade para se tornar um amo. Os impulsos conscientes de rebelião, para Freud, originam-se na inveja. O desejo de poder pe contagiante, todos querem ser reis. O excessivo respeito, a cortesia, e as regras estritas de etiqueta em relação ao “chefe” são derivadas do “medo de tocar” do primitivo, segundo Freud, medo de contatar pessoas pelas quais sente hostilidade inconsciente, sejam chefes, mortos ou recém-nascidos. Para ele, todos os gestos de submissão são ambivalentes, daí o respeito e o afeto esconderem hostilidade inconsciente. Freud venera quem estabelece regras como Moisés e simpatiza com que as contraria, como Ricardo III. Todos nós sofremos alguma ferida narcisista, daí a nossa simpatia para com ele.
Ao produzir Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud estava abandonando o evolucionismo linear de Totem e Tabu e a preocupação pelas origens pré-históricas cedia lugar à análise contemporânea. Essa preocupação transparece no seu texto Novas Contribuições à Psicanálise, onde relata seu conhecimento da obra de Marx. Embora reconhecendo que as pesquisas de Marx sobre a estrutura econômica da sociedade e a influência das distintas formas de economia sobre a vida humana impuseram-se com indiscutível autoridade, mantém seu ponto de vista, segundo o qual as diferenças sociais se originaram por diferenças raciais. Assim, para Freud, fatores psicológicos, como o excesso de tendências agressivas constitucionais, a coerência organizatória da horda e a posse de armas, decidiram a vitória; os vencedores se transformaram em senhores e os vencidos em escravos; isso exclui o domínio exclusivo dos fatores econômicos. Na sua crítica a Marx, partia ele do conceito de ato econômico como “ato puro”, difundido pela Escola Clássica.
Freud não só se preocupava com a herança de Marx, como, também, com o fenômeno da ascensão das massas após a revolução industrial, para tanto, fundado em Gustavo Le Bon, a quem corrigia em algumas particularidades, procurava estudar as vinculações da massa com o líder. Para Freud, a relação política básica consistia numa relação erótica, da massa com a autoridade. Para ele, a autoridade sempre existe personificada. A horda supõe um chefe, o hipnotizado, um hipnotizador, o amor, um objeto, a massa, um líder. Para ele a condição de líder exige que este se aparte de seus subordinados e, ao mesmo tempo, evite que eles o abandonem. O líder atua como um “centro” para organizar vidas que procuram um sentido. Porém, situações de pânico e desorganização social podem levar a massa a reorientar-se em torno de novos líderes. Para Freud, o líder toma a forma de pai perseguidor, como o pai primitivo, ou perseguido como Cristo. O líder aparece como figura segura de si, com poucos vínculos libidinosos; a sua vontade é reforçada pela dos outros. Freud vê toda a atividade política, sem distinção, como influenciada pela autoridade. Segundo Freud, isso dá um sentido permanente às manifestações de autoridade.
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