quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Karl Marx e a  religião como o ópio* do povo
*droga

Por Alacir Arruda/ Releitura de Michael Low

   A religião, ainda hoje, é tal como Marx e Engels a entendiam no século XIX, um baluarte de reação, obscurantismo e conservadorismo? Brevemente, sim, é. Seu ponto de vista se aplica ainda a muitas instituições católicas (a Opus Dei é só o exemplo mais claro), ao uso fundamentalista corrente das principais confissões (cristã, judia, muçulmana), à maioria dos grupos evangélicos (e sua expressão na denominada “igreja eletrônica”), e à maioria das novas seitas religiosas, algumas das quais, como a notória Igreja do reverendo Moon, são nada mais que uma hábil combinação de manipulações financeiras, lavagem cerebral e anticomunismo fanático.
Entretanto, a emergência do cristianismo revolucionário e da teologia da libertação na América Latina (e em outras partes) abre um capítulo histórico e eleva novas e excitantes questões que não podem ser respondidas sem uma renovação da análise marxista da religião.
Inicialmente, confrontados com tal fenômeno, os marxistas recorreriam a um modelo tradicional de interpretação confrontando trabalhadores cristãos e camponeses, que poderiam ser considerados como suportes da revolução, com a Igreja considerada como corpo reacionário. Inclusive muito tempo depois, a morte do Padre Camilo Torres, que tinha se unido à guerrilha colombiana foi considerada um caso excepcional, ocorrida no ano de 1966. Mas o crescente compromisso de cristãos –inclusive muitos religiosos e padres– com as lutas populares e sua massiva inserção na revolução sandinista claramente mostrou a necessidade de um novo enfoque.
Os marxistas desconcertados ou confusos por estes desenvolvimentos ainda recorrem à distinção usual entre as práticas sociais vigentes destes cristãos, e sua ideologia religiosa, definida como necessariamente regressiva e idealista. Entretanto, com a teologia da liberação vemos a aparição de pensadores religiosos que utilizam conceitos marxistas e convocavam para lutas pela emancipação social.
De fato, algo novo aconteceu no cenário religioso da América Latina durante as últimas décadas, de importância histórica a nível mundial. Um setor significativo da Igreja –crentes e clérigo– na América Latina trocou sua posição no campo da luta social, pondo seus recursos materiais e espirituais ao serviço dos pobres e de sua luta por uma nova sociedade.
O marxismo pode nos ajudar a explicar estes eventos inesperados?

* * *
A conhecida frase “a religião é o ópio do povo” é considerada como a quintessência da concepção marxista do fenômeno religioso pela maioria de seus partidários e oponentes. O quão acertado é este um ponto de vista? Antes de qualquer coisa, as pessoas deveriam enfatizar que esta afirmação não é de todo especificamente marxista. A mesma frase pode ser encontrada, em diversos contextos, nos escritos de Immanuel Kant, J. G. Herder, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, Moses Hess e Heinrich Heine. Por exemplo, em seu ensaio sobre Ludwig Börne (1840), Heine já a usava –de uma maneira positiva (embora irônica): “Bem-vinda seja uma religião que derrama no amargo cálice da sofredora espécie humana algumas doces, soníferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, esperança e crença”. Moses Hess, em seu ensaio publicado na Suíça em 1843, toma uma postura mais crítica (mas ainda ambígua): “A religião pode tornar suportável [...] a infeliz consciência de servidão […] de igual forma o ópio é de boa ajuda em angustiosas doenças” (citado em Gollwitzer, 1962: 15-16)[1].
            A expressão apareceu pouco depois no artigo de Marx Sobre a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844). Uma leitura atenta do parágrafo marxista onde aparece esta frase, revela que é mais complexo que usualmente se acredita. Embora obviamente crítico da religião, Marx leva em conta o caráter dual do fenômeno e expressa: “A angústia religiosa é ao mesmo tempo a expressão da dor real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como o é o espírito de uma situação sem espírito. É o ópio do povo” (Marx, 1969a: 304).
Se nos pusermos a ler o ensaio completo, aparece claramente que o ponto de vista de Marx é devedor mais da postura de esquerda neo-hegeliana –que via a religião como a alienação da essência humana– que da filosofia da Ilustração –que simplesmente a denunciava como uma conspiração clerical. De fato, quando Marx escreveu a passagem mencionada era ainda um discípulo de Feuerbach, e um neo-hegeliano. Sua análise da religião era, por conseguinte, “pré-marxista”, sem referência a classes e a-histórico. Mas tinha uma qualidade dialética, cobiçando o caráter contraditório da “angústia” religiosa: ambas uma legitimação de condições existentes e um protesto contra estas.
Foi só depois, particularmente em A Ideologia Alemã (1846), que o característico estudo marxista da religião como uma realidade social e histórica começou. O elemento chave deste novo método para a análise da religião é aproximar-se dela como uma das diversas formas de ideologia –ou seja, da produção espiritual de um povo, da produção de idéias, representações e consciência, necessariamente condicionadas pela produção material e as correspondentes relações sociais. Embora ele esteja acostumado a utilizar o conceito de “reflexo” –o qual conduzirá a várias gerações de marxistas para um beco sem saída– a idéia chave do livro é a necessidade de explicar a gênese e desenvolvimento das distintas formas de consciência (religiosa, ética, filosófica, etc.) pelas relações sociais, “o que significa, é obvio, que a questão pode ser representada em sua totalidade” (Marx, 1969b: 154, 164). Uma escola “dissidente” da sociologia da cultura marxista (Lukács, Goldmann) estará a favor do conceito dialético de totalidade em lugar da teoria do reflexo.
Logo depois de escrever com Engels A Ideologia Alemã, Marx prestou pouca atenção à questão da religião como tal, ou seja, como um universo específico de significados culturais e ideológicos. Podemos encontrar, entretanto, no primeiro volume de O Capital, algumas observações metodológicas interessantes. Por exemplo, a bem conhecida nota de rodapé em que responde ao argumento sobre a importância da política na Antigüidade e da religião na Idade Média, revela uma concepção ampla da interpretação materialista da história: “Nem a Idade Média pôde viver do Catolicismo nem a Antigüidade da política. As respectivas condições econômicas explicam, de fato, por que o Catolicismo lá e a política aqui desempenham o papel dominante” (Marx, 1968: 96, Tomo I). Marx nunca se tomaria a moléstia de defender as razões econômicas acima da importância da religião na Idade Média, mas esta passagem é importante porque reconhece que, sob certas condições históricas, a religião pode de fato desempenhar um papel dominante na vida de uma sociedade.
Apesar de seu pouco interesse pela religião, Marx prestou atenção à relação entre protestantismo e capitalismo. Diversas passagens de O Capital fazem referência à contribuição do protestantismo à acumulação primitiva de capital –por exemplo, por meio do estimulo à expropriação de propriedades da Igreja e campos comunais. Nos Grundrisse, formula –meio século antes do famoso ensaio de Max Weber!– o seguinte comentário significativo e revelador sobre a íntima associação entre protestantismo e capitalismo: “O culto do dinheiro tem seu ascetismo, seu auto-abnegação, seu auto-sacrifício –a economia e a frugalidade, desprezo pelo mundano, prazeres temporários, efêmeros e fugazes; o correr atrás do eterno tesouro. Daqui a conexão entre o Puritanismo inglês ou o Protestantismo holandês e o fazer dinheiro” (Marx, 1968: 749-750, Tomo I; 1973: 232; 1960a: 143). A semelhança –não a identidade– com a tese do Weber é surpreendente, mais ainda uma vez que o autor da Ética Protestante não pôde ter lido esta passagem (os Grundrisse foram publicados pela primeira vez em 1940).






2 comentários:

  1. É mesmo ,no tempo dos profetas nao havia placa de religião ,nem mesmo a bíblia relata estes acontecimentos... Mas nem por isto Doutor , acredite nestes autores que morreram tragicamente ,que DEUS nao existe. É bom tomar cuidado com essas coisas...

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    1. "Posso não concordar com nada do que escrevestes, mas defendo ate a morte o seu direito de dizê-las"..Abs e obrigado por visitar o blog

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