Karl Marx e a religião como o ópio*
do povo
*droga
Por Alacir Arruda/ Releitura de
Michael Low
A religião, ainda hoje, é tal
como Marx e Engels a entendiam no século XIX, um baluarte de reação,
obscurantismo e conservadorismo? Brevemente, sim, é. Seu ponto de
vista se aplica ainda a muitas instituições católicas (a Opus Dei é só o
exemplo mais claro), ao uso fundamentalista corrente das principais confissões
(cristã, judia, muçulmana), à maioria dos grupos evangélicos (e sua expressão
na denominada “igreja eletrônica”), e à maioria das novas seitas religiosas,
algumas das quais, como a notória Igreja do reverendo Moon, são nada mais que
uma hábil combinação de manipulações financeiras, lavagem cerebral e anticomunismo
fanático.
Entretanto,
a emergência do cristianismo revolucionário e da teologia da libertação na
América Latina (e em outras partes) abre um capítulo histórico e eleva novas e
excitantes questões que não podem ser respondidas sem uma renovação da análise marxista
da religião.
Inicialmente,
confrontados com tal fenômeno, os marxistas recorreriam a um modelo tradicional
de interpretação confrontando trabalhadores cristãos e camponeses, que poderiam
ser considerados como suportes da revolução, com a Igreja considerada como
corpo reacionário. Inclusive muito tempo depois, a morte do Padre Camilo
Torres, que tinha se unido à guerrilha colombiana foi considerada um caso
excepcional, ocorrida no ano de 1966. Mas o crescente compromisso de cristãos –inclusive
muitos religiosos e padres– com as lutas populares e sua massiva inserção na
revolução sandinista claramente mostrou a necessidade de um novo enfoque.
Os marxistas
desconcertados ou confusos por estes desenvolvimentos ainda recorrem à
distinção usual entre as práticas sociais vigentes destes cristãos, e sua
ideologia religiosa, definida como necessariamente regressiva e idealista.
Entretanto, com a teologia da liberação vemos a aparição de pensadores
religiosos que utilizam conceitos marxistas e convocavam para lutas pela
emancipação social.
De
fato, algo novo aconteceu no cenário religioso da América Latina durante as
últimas décadas, de importância histórica a nível mundial. Um setor
significativo da Igreja –crentes e clérigo– na América Latina trocou sua
posição no campo da luta social, pondo seus recursos materiais e espirituais ao
serviço dos pobres e de sua luta por uma nova sociedade.
O marxismo
pode nos ajudar a explicar estes eventos inesperados?
* * *
A conhecida frase “a
religião é o ópio do povo” é considerada como a quintessência da concepção
marxista do fenômeno religioso pela maioria de seus partidários e oponentes. O
quão acertado é este um ponto de vista? Antes de qualquer coisa, as pessoas
deveriam enfatizar que esta afirmação não é de todo especificamente marxista. A
mesma frase pode ser encontrada, em diversos contextos, nos escritos de
Immanuel Kant, J. G. Herder, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, Moses Hess e
Heinrich Heine. Por exemplo, em seu ensaio sobre Ludwig Börne (1840), Heine já
a usava –de uma maneira positiva (embora irônica): “Bem-vinda seja uma religião
que derrama no amargo cálice da sofredora espécie humana algumas doces,
soníferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, esperança e crença”.
Moses Hess, em seu ensaio publicado na Suíça em 1843, toma uma postura mais
crítica (mas ainda ambígua): “A religião pode tornar suportável [...] a infeliz
consciência de servidão […] de igual forma o ópio é de boa ajuda em angustiosas
doenças” (citado em Gollwitzer, 1962: 15-16)[1].
A expressão apareceu pouco depois no artigo de Marx Sobre
a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844). Uma leitura atenta do
parágrafo marxista onde aparece esta frase, revela que é mais complexo que
usualmente se acredita. Embora obviamente crítico da religião, Marx leva em
conta o caráter dual do fenômeno e expressa: “A angústia religiosa é ao mesmo
tempo a expressão da dor real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro
da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como o é o
espírito de uma situação sem espírito. É o ópio do povo” (Marx, 1969a: 304).
Se nos
pusermos a ler o ensaio completo, aparece claramente que o ponto de vista de
Marx é devedor mais da postura de esquerda neo-hegeliana –que via a religião
como a alienação da essência humana– que da filosofia da Ilustração –que
simplesmente a denunciava como uma conspiração clerical. De fato, quando Marx
escreveu a passagem mencionada era ainda um discípulo de Feuerbach, e um neo-hegeliano.
Sua análise da religião era, por conseguinte, “pré-marxista”, sem referência a
classes e a-histórico. Mas tinha uma qualidade dialética, cobiçando o caráter
contraditório da “angústia” religiosa: ambas uma legitimação de condições
existentes e um protesto contra estas.
Foi só
depois, particularmente em A Ideologia Alemã (1846), que o
característico estudo marxista da religião como uma realidade social e
histórica começou. O elemento chave deste novo método para a análise da
religião é aproximar-se dela como uma das diversas formas de ideologia –ou
seja, da produção espiritual de um povo, da produção de idéias, representações
e consciência, necessariamente condicionadas pela produção material e as
correspondentes relações sociais. Embora ele esteja acostumado a utilizar o
conceito de “reflexo” –o qual conduzirá a várias gerações de marxistas para um
beco sem saída– a idéia chave do livro é a necessidade de explicar a gênese e
desenvolvimento das distintas formas de consciência (religiosa, ética,
filosófica, etc.) pelas relações sociais, “o que significa, é obvio, que a
questão pode ser representada em sua totalidade” (Marx, 1969b: 154, 164). Uma
escola “dissidente” da sociologia da cultura marxista (Lukács, Goldmann) estará
a favor do conceito dialético de totalidade em lugar da teoria do reflexo.
Logo
depois de escrever com Engels A Ideologia Alemã, Marx prestou pouca
atenção à questão da religião como tal, ou seja, como um universo específico de
significados culturais e ideológicos. Podemos encontrar, entretanto, no
primeiro volume de O Capital, algumas
observações metodológicas interessantes. Por exemplo, a bem conhecida nota de
rodapé em que responde ao argumento sobre a importância da política na
Antigüidade e da religião na Idade Média, revela uma concepção ampla da
interpretação materialista da história: “Nem a Idade Média pôde viver do
Catolicismo nem a Antigüidade da política. As respectivas condições econômicas
explicam, de fato, por que o Catolicismo lá e a política aqui desempenham o
papel dominante” (Marx, 1968: 96, Tomo I). Marx nunca se tomaria a moléstia de
defender as razões econômicas acima da importância da religião na Idade Média,
mas esta passagem é importante porque reconhece que, sob certas condições
históricas, a religião pode de fato desempenhar um papel dominante na
vida de uma sociedade.
Apesar
de seu pouco interesse pela religião, Marx prestou atenção à relação entre
protestantismo e capitalismo. Diversas passagens de O Capital fazem referência à contribuição do protestantismo à
acumulação primitiva de capital –por exemplo, por meio do estimulo à
expropriação de propriedades da Igreja e campos comunais. Nos Grundrisse,
formula –meio século antes do famoso ensaio de Max Weber!– o seguinte
comentário significativo e revelador sobre a íntima associação entre
protestantismo e capitalismo: “O culto do dinheiro tem seu ascetismo, seu
auto-abnegação, seu auto-sacrifício –a economia e a frugalidade, desprezo pelo
mundano, prazeres temporários, efêmeros e fugazes; o correr atrás do eterno
tesouro. Daqui a conexão entre o Puritanismo inglês ou o Protestantismo
holandês e o fazer dinheiro” (Marx, 1968: 749-750, Tomo I; 1973: 232; 1960a:
143). A semelhança –não a identidade– com a tese do Weber é surpreendente, mais
ainda uma vez que o autor da Ética Protestante não pôde ter lido esta
passagem (os Grundrisse foram publicados pela primeira vez em 1940).
É mesmo ,no tempo dos profetas nao havia placa de religião ,nem mesmo a bíblia relata estes acontecimentos... Mas nem por isto Doutor , acredite nestes autores que morreram tragicamente ,que DEUS nao existe. É bom tomar cuidado com essas coisas...
ResponderExcluir"Posso não concordar com nada do que escrevestes, mas defendo ate a morte o seu direito de dizê-las"..Abs e obrigado por visitar o blog
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