quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O medo Real

TOTALITARISMO: UM MEDO REAL.

Alacir Arruda

As vezes me sinto uma ilha de ignorância  cercada por um oceano de inteligência: Será que só eu vejo as coisas assim? Vou me explicar. Desde a época da campanha eu nunca consegui entender bem as ideias do atual Presidente Jair Bolsonaro. As vezes o considero “safo”, por vezes um estúpido e outras um ingênuo. Bolsonaro tem um problema sério, ele não tem definido em sua mente aquilo que deseja para o Brasil. Até no posicionamento politico ele se perde, por exemplo: até agora não decidiu se é extrema direita, centro direita ou direita. Seu discurso é carente de argumentos plausíveis com seu projeto de governo,  acresça-se a isso um vocabulário pobre. Ano passado afirmou, sem pestanejar, que nada entende de economia (não ele seja obrigado a isso, mas ajuda), disse ainda que pretende combater em seu governo o viés ideológico que permeia a nossa politica (e o que ele esta fazendo não é ideológico ?). Enfim, Bolsonaro se perde na sua pobreza cultural e o amadorismo de seus assessores é  cômico, se não fosse trágico. 

O que tudo isso nos lembra? É obvio que essa postura um tanto perdida, de pouco diálogo e isolacionista  do Presidente nos remete a ideias autoritárias. Hitler, Mussolini Mao Tse Tung e até Fidel Castro, quando assumiram o poder,  não faziam a menor ideia da complexidade que é governar uma nação, sendo assim, optaram, pelo mais fácil: a Ditadura e o resultado todos nós conhecemos. Longe de dizer aqui que Bolsonaro tem esse viés,  uma vez que  foi eleito democraticamente  e lhe falta uma condição fundamental para tal: o intelecto.. Entretanto,  quando vemos pessoas  escolhidas por ele dizendo insanidades - como o que disse recentemente o seu Ministro da Educação “mandando” filmar alunos cantando o hino nacional, ou as idiotices, sem qualquer nexo, ditas pela perturbada Ministra Damares Silva, o nosso botão de alerta acende. 

E como surgem os ditadores? Brotam da terra? Umas das maiores intelectuais do século XX, a filósofa teuto-americana Hannah Arendt , nos deu uma luz ao escrever: As  Origens do totalitarismo logo depois da Segunda Guerra.  Essa obra  foi publicado em 1951 e tornou a autora conhecida internacionalmente. O livro está organizado em três partes. Nas duas primeiras ela analisa o “Antissemitismo” e o “Imperialismo”, Arendt retraça os fatos de onde se originou a configuração histórica do totalitarismo – o nazismo e o stalinismo – e revela ao leitor os nexos comuns aos dois regimes. Mas é na terceira e última parte – “Totalitarismo” – que o livro se torna desconcertantemente próximo de nossos assuntos contemporâneos. E, na medida em que a nossa leitura avança, descobrimos meio espantados que podemos nos valer dele para encarar uma pergunta aparentemente impensável: qual a possibilidade de voltarmos a viver uma experiência totalitária nos dias de hoje?

A pergunta não é nada retórica. A experiência totalitária nunca foi um ponto fora da curva, o resultado singular de uma conjuntura específica que colocou a violência no centro da vida europeia, durante a primeira metade do século XX. Tampouco é o efeito monstruoso da loucura que envolveu um pequeno punhado de pessoas que chegaram ao poder e se dedicaram a destruir o sistema político de dentro para fora. Ao contrário: o totalitarismo é uma forma de dominação característica da modernidade. Por isso, diz Arendt, essa é uma possibilidade concreta que está inscrita na lógica política das sociedades democráticas contemporâneas: o material indispensável para construção de uma experiência totalitária atravessa essas sociedades por meio de “correntes subterrâneas” e pode, de súbito, aflorar. Isso acontece por uma razão simples: nenhuma sociedade democrática impede a manifestação de divergentes. E então, quando os mecanismos institucionais dessas sociedades passam a ser usados ou manipulados pelo ativismo de pessoas, grupos e setores sociais que estão dispostos a abrir mão de conquistas caras à democracia para emprestar seu apoio a teses próprias de um regime político extremo, os ingredientes que preparam a emergência do fenômeno totalitário inflam e sobem à superfície.

No argumento de Arendt, são esses ingredientes que emprestam um rosto contemporâneo ao totalitarismo e lhe conferem sentido. O principal deles, diz ela, é o surgimento das massas: um número cada vez maior de pessoas que, devido à quantidade ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não têm relações comunitárias, não se integram nem compartilham propósitos comuns. Uma multidão de pessoas isoladas umas das outras, preocupadas apenas em cuidar da própria segurança e escapar da violência urbana, salvaguardar seus negócios e desfrutar de uma vida meticulosamente privada. Essas pessoas se falam, se combinam e se acertam: julgam-se injustiçadas pelo Estado, acreditam que estão sendo destituídas de seu lugar de direito, descreem da política e de suas ferramentas, como partidos ou eleições, defendem a preeminência da economia sobre a vida pública.

O outro ingrediente, diz Arendt, é a propaganda. Ou, melhor dizendo, um tipo característico de propaganda orientada para preencher o vazio da solidão do indivíduo e fornecer a ele uma visão coerente do mundo – mesmo que essa visão esteja em flagrante contradição com os dados da realidade. Pessoas isoladas umas das outras não possuem – e nem desejam possuir – meios para contrapor informações e refletir sobre posições divergentes. Isso serve bem à propaganda totalitária: permite fazer uso da mentira como categoria política. A mentira consiste em negar, reescrever e alterar fatos, até mesmo diante dos próprios olhos daqueles que testemunharam os fatos. Também permite à propaganda desatar no sujeito o ressentimento que o faz se enxergar como vítima de alguém mais poderoso que cometeu com ele uma injustiça irreparável, como por exemplo, a de suprimir seus privilégios históricos. O ressentimento, além de ser a base afetiva para a criação de um forte sentimento de identidade entre essas pessoas, faz aflorar, no meio delas, a intolerância que nega qualquer divergência e elimina o horizonte da igualdade. E, vale anotar, a intolerância está situada na raiz do ódio; o ódio, por sua vez, é combustível indispensável na emergência do fenômeno totalitário.

É impossível saber de antemão se a movimentação dessas correntes subterrâneas irá ou não desembocar num regime político extremo. Mas o risco existe. Está presente em nossa contemporaneidade, tanto em sociedades de democracia duradoura como a americana, quanto em países onde a democracia é uma construção recente e ainda por cima anda mergulhada em instabilidade, como a brasileira. Divergências à parte, de uma coisa eu tenho certeza: está passando da hora de reler, no Brasil, Origens do totalitarismo, de Hannah Arendt. Abramos os olhos...

Sugestão de leitura: "As origens do Totalitarismo" -Hannan Arendt


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